Mademoiselle Colette

Renata Kotscho
Bebendo a morta
Published in
4 min readJan 22, 2021

Sidonie-Gabrielle Colette nasceu em 1873 numa simpática vila no interior da França. Filha de um herói de guerra e de uma dona de casa que gostava de ler filósofos moderninhos. Cresceu camponesa inocente e foi descoberta por Willy, um dos mais conhecidos libertinos de Paris, que pegou a moça para criar (ainda se diz isso?) aos 20 anos.

Casaram-se e Colette foi viver na fervorosa capital francesa. Willy, o nome artístico de Henri Gauthier-Villars, era um picareta profissional. Ele contratava escritores e compositores pagando merreca e publicava os trabalhos como se fossem dele. Com o tempo, a fama de trambiqueiro foi crescendo e sem quem ter para explorar, ele sugeriu que Colette começasse a escrever.

E foi assim que a moça começou a criar a série Claudine, uma tetralogia que conta a história de uma mocinha de 15 anos despertando para a vida. Willy sabia o que vendia, tinha bom tino como editor e foi dando dicas para Colette criar sua personagem. Assim, Claudine já era danadinha desde a adolescência e tinha fantasias com a rígida professora da sua escola religiosa. Foi, obviamente, um sucesso estrondoso imediato. (Como de costume, Willy assinou a primeira edição do romance)

Claudine recuperou as finanças do casal e com isso Willy e Colette passaram a viver a esbórnia da vida parisiense. Era aquela balbúrdia, festinhas liberais, ninguém é de ninguém e por aí vai. Willy inclusive estimulava as aventuras da sua musa-escritora.

Mas nem tudo era festa e para pagar aquela vidinha mais ou menos, a galinha dos ovos de ouro precisava trabalhar. Willy chegou a trancar Colette em um quarto até que ela escrevesse as páginas que ele queria. E ela escrevia tudo à mão, não tinha nem máquina de escrever.

E assim, a série Claudine seguiu com a heroína se mudando para Paris e vivendo a mesma vida louca de Colette. Com isso, a escritora se transformou em ícone, uma espécie de influencer na época. Virou marca de maquiagem, de perfume e todas as moças queriam ter seu corte de cabelo (aquele cacheado curtinho que até hoje é a cara das parisienses).

Mas com as bebedeiras e gastanças de Willy, que explorava cada vez mais a mulher, o casamento degringolou e eles acabaram se separando em 1906.

No ano seguinte, aos 33 anos, Colette começou a ter um relacionamento com Missy, uma atriz lésbica conhecida por se vestir com ternos de 3 peças (o que era proibido para mulheres na época).

As duas chegaram a ser presas em 1907 depois de se beijarem no palco na apresentação de uma peça. O público ficou tão revoltado com a cena que saiu do teatro quebrando vidraças (outra coisa tipicamente parisiense).

Em 1912, aos 38 anos, Colette resolveu dar uma aquietada no facho e casou-se novamente, dessa vez com Henry de Jouvenel, Editor do Le Matin. Durante a Primeira Guerra Mundial ela escrevia no jornal do marido, trabalhando como jornalista e fotógrafa.

Nos anos 20 e 30 Colette publicou muito. Suas histórias, num estilo autoficção, abordam o cotidiano e a sexualidade das mulheres, fazendo críticas explícitas à hipocrisia e as convenções sociais.

Amante de gatos, seus romances são conhecidos por mostrar o lado humano dos animais e o lado animal dos humanos. Foi a primeira mulher a ser presidente da prestigiosa Sociedade Literária de Paris.

Tudo ia calmo demais até que aos 47 anos ela resolveu seduzir o enteado de 16 anos. O affair serviu de inspiração para o seu romance Cheri, outro grande sucesso, mas o casamento novamente acabou em divórcio.

Insistente, aos 52 anos Colette casou-se novamente. Dessa vez com Maurice Goudeket, 17 anos mais jovem do que ela, com quem permaneceu casada até o final da vida (vejam só).

Durante a Segunda Guerra Mundial, Maurice, que tinha origem judaica, foi preso pela Gestapo, acabou sendo liberado, mas o casal vivia na tensão de uma nova prisão. Neste período Colette chegou a colaborar com jornais nazistas inclusive escrevendo artigos anti semitas.

Em 1944, escreveu seu romance mais conhecido, Gigi. A história da mocinha educada para ser “demi mondaine” (um termo chique para puta)que se apaixona e casa-se com um moço que deveria seduzir.

Por esse romance, Colette foi indicada ao prêmio Nobel de literatura em 1948, embora não tenha ganhado. Em 1951 o romance foi adaptado para a Broadway e Colette selecionou pessoalmente a sua protagonista. Escolheu a dedo a estreante Audrey Hepburn para viver Gigi. Em 1958 a adaptação para o cinema ganhou 9 Oscars, incluindo melhor filme.

Colette disputa com Proust o título de melhor escritor francês da primeira metade do século passado. Ela continuou escrevendo até o final da vida e publicou mais de 50 livros.

Morreu aos 81 anos em 1954. A igreja católica negou-lhe um funeral religioso devido aos seus divórcios. Mas não tem problema, foi a primeira intelectual a ganhar um funeral de honra do Estado laico francês.

Para brindar a gênia da semana, eu preparei um drink com uma dose de vodka, uma colher de grenadine completei o copo com champagne e coloquei uma cerejinha fofa para enfeitar.

Santé!

--

--

Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine