O inevitável destino de Mileva Marić

Renata Kotscho
Bebendo a morta
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3 min readMar 20, 2021

Primogênita de uma família abastada e influente, Mileva nasceu em 1875, na então monarquia Austro-Húngara, região que hoje corresponde à Sérvia.

Seu pai, Miloš Marić, era tão bem relacionado que conseguiu uma autorização do Ministro da Educação para que a filha cursasse o ensino médio em uma escola só para meninos, reconhecida pela excelência no ensino de ciências exatas.

Mileva demonstrou interesse pelas ciências desde pequena e por isso o pai apostou sua reputação no talento da filha. Terminado o colegial, Mileva resolveu cursar Medicina.

Mas a paixão pelas exatas falou mais alto e ela abandonou o curso e se mandou para a Suíça, para cursar a prestigiosa escola Politécnica de Zurique.

Nessa época, virada do século XIX para o século XX, a Suíça era um país reconhecidamente mais progressista e um dos poucos que aceitavam mulheres nas universidades de ciências exatas.

Mesmo assim, Mileva era a única mulher da sua classe. Foi no primeiro ano de faculdade que a nossa musa de hoje conheceu e se apaixonou pelo coleguinha de classe, o alemão Albert Einstein.

Ao contrário de Mileva, sempre muito disciplinada, Albert era um aluno inteligente porém rebelde e foi estudar na Suíça justamente porque o país também era mais aberto a esse tipo de aluno “exótico”.

Mileva e Albert se complementavam: Ela trazia o foco e ele a criatividade. Em ambos a paixão pela matemática e pela física.

Durante a faculdade, estudavam e faziam os trabalhos de classe sempre juntos. As conversinhas deles giravam em torno de cálculo diferencial e integral, geometria, mecânica, física aplicada e experimental e astronomia.

Mas a vida dos pombinhos mudou em 1901 quando Mileva engravidou de Einstein antes de concluir seu diploma e precisou voltar para a sua cidade natal para ter sua filha.

Não se sabe o paradeiro da menina Liesel, se foi entregue para adoção ou se morreu de escarlatina, mas fato é que Mileva voltou para Zurique em 1903 para finalmente tornar-se senhora Einstein.

Albert e Mileva foram oficialmente casados por 16 anos e tiveram outros dois filhos, Hans Albert Einstein e Eduard “Tete” Einstein.

Depois do casamento, Mileva abandonou de vez as suas ambições acadêmicas e o casal decidiu concentrar os esforços na carreira de Albert, mais promissora.

Chegaram a excluir o nome dela da publicação de alguns trabalhos conjuntos. Era um tempo em que ter um nome feminino entre os autores de um trabalho diminuía a sua credibilidade.

Mesmo assim, os dois continuaram colaborando intelectualmente como demonstram as entrevistas dos filhos que testemunharam as conversas dos pais em casa e as muitas cartas que trocaram (e que só vieram a público nos anos 80, décadas depois da morte dos dois).

Nas cartas, além de juras de amor, eles trocam ideias sobre seus trabalhos: falam da “nossa tese”, do “nosso artigo”, e assim por diante.

Os dois viveram um relacionamento — entre tapas e beijos — atualmente conhecido como relacionamento abusivo.

Einstein também fazia exigências bem específicas para a conge “você deve sempre cuidar de que as minhas roupas e lençóis estejam sempre em ordem e que eu receba três refeições por dia regulares no meu quarto”. (Eu também queria…)

Mesmo assim, a iniciativa da separação foi dele. O gênio em 1912 retomou um contatinho com Elsa, sua prima de primeiro grau com quem já tinha tido um affair na adolescência.

Com a separação, ficou acertado que quando Einstein recebesse o prêmio Nobel (o que já se sabia que era uma questão de tempo), ele ficaria com as honras e Mileva com o dinheiro.

No final não foi bem assim, Albert passou o dinheiro do prêmio para o nome dos filhos e Mileva tinha acesso apenas aos juros dos investimentos.

Ao completar 20 anos, o filho Eduard teve um surto, foi internado e diagnosticado com esquizofrenia. A partir de então Mileva dedicou-se exclusivamente a cuidar do filho, até ela falecer em 1948 aos 72 anos, quando Eduard foi então institucionalizado.

Hoje há o movimento no mundo #Nobelformileva pedindo o reconhecimento póstumo da contribuição dessa mulher brilhante para a ciência em parceria com seu então marido.

Para brindar Mileva e esquentar a polêmica eu resolvi preparar um Vodka Negroni, ou um “Negroski”. A receita é a mesma do Negroni, com Campari, Vermouth Doce, casca de laranja e gelo, mas no lugar de Gim, coloca-se vodka. Alguns puristas acham uma heresia, eu acho bom do mesmo jeito.

Cheers!

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Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine