O jazzista da comédia

Renata Kotscho
Bebendo a morta
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4 min readAug 27, 2020

Dando um descanso na série de histórias sobre mulheres-foda que se fuderam na vida, hoje eu resolvi trazer um moço: como vocês o gigante Lenny Bruce.

Leonard Alfred Schneider nasceu na NYC de 1925, filho de uma artista de cabaré com um sapateiro. Lenny teve um começo de vida difícil especialmente depois que seus pais se divorciaram quando ele tinha 8 anos.

Como a mãe tinha uma vida desregrada ele foi morar com o pai. Aos 14 anos saiu de casa para ir trabalhar na lavoura de uma fazenda e aos 16 se alistou na marinha.

Lenny serviu da Segunda Guerra Mundial, tendo participado de batalhas bem sucedidas na frente italiana. Foi nessa época que seu talento para o humor começou a lhe trazer uns probleminhas.

Entre uma batalha e outra, para entreter seus colegas de navio, Lenny fazia shows de stand-up no convés. Uma vez resolveu se fantasiar de drag e os milicos não acharam muita graça na piada. Foi desertado com desonra da Marinha (anos depois, ele conseguiu provar que não tinha praticado nenhum delito e a desonra foi retirada dos seus arquivos).

De volta aos EUA no pós guerra, Lenny foi trabalhar com a sua mãe como apresentador dos shows de cabaré. Foi nessa época que começou a ganhar dinheiro contando piada. No começo da carreira Lenny tinha um humor bem tradicional, com muitas imitações de gente famosa e piadas de sogra.

Aos 26 anos, o muso conheceu Honey Harlow uma stripper ruiva do Arkansas que enfeitiçou o palhacinho. Honey era uma ex condenada, duas vezes divorciada, bissexual e, claro, lindíssima. Um nível Rita Hayworth com personalidade mezzo puta/mezzo madonna.

Lenny, diga-se de passagem também era, como se dizia antigamente, era um belo pedaço de mau caminho.

O casal se mudou para Los Angeles e lá viveu uma relação entre tapas e beijos regada a muita droga.

Na cidade dos anjos o estilo de humor que o consagrou começou a florescer. Lenny deixou de lado as piadas de salão e começou a usar o humor para falar de política, religião, raça e direitos humanos.

Seu estilo de humor é um fluxo de consciência de fantasias sexuais com a improvisação dos gênios do jazz.

Lenny se apresentava nos mesmos bares que os jazzistas e era adorado por eles, uma espécie de piano man dos músicos. Sua revolta com a segregação, era um dos combustíveis do seu humor.

O comediante gostava de usar nos seus shows a linguagem das ruas, dos guetos e isso começou a lhe trazer problemas com a justiça. Foi nessa época que começou a ganhar a fama de comediante doente e foi sendo aos poucos banido da TV.

A primeira vez que foi preso foi em 1961 em São Francisco, acusado de “obscenidade” por usar a palavra “cocksucker” em um show, mas acabou absolvido. A partir daí virou uma espécie de militante pela liberdade de expressão.

Nessa época ficou amigo do dono da Playboy, Hugh Hefner, que editou o livro autobiográfico de Lenny “How to talk dirty and influence people”, lançado em 1960 aos 35 anos.

Lenny tinha também um lado trambiqueiro e não tinha muita ética na hora de se safar. Uma vez foi preso em Miami após ser flagrado na rua vestido de padre pedindo dinheiro para uma colônia de leprosos na Guiana. Lenny roubou a bata em uma lavanderia e conseguiu arrecadar cerca de 10 mil dólares na rua para uma fundação Brother Mathias Foundation, que ele tinha inventado. Segundo ele, 2.000 foram doados para as colônias na Guiana o resto foi para o seu bolso.

O comediante também foi preso algumas vezes por porte de drogas e para se safar passou a atuar como informante da polícia, o acabou trazendo problemas para ele também com os traficantes.

Em 1964, Lenny foi novamente processado por obscenidade dessa vez pelo Estado de Nova York. O julgamento teve grande repercussão, durou 6 semanas e foi meio o O.J. Simpson da época. Acabou considerado culpado.

Cabia recurso, mas Lenny ficou devastado e paranóico. Ele não aceitava que o seu trabalho fazia mal para as pessoas. Para ele crime era a violência, a discriminação, o fascismo, não a piada.

A partir daí os seus shows passaram a ser apresentações de defesa do seu caso. Lenny lia parte das sentenças e se defendia das acusações. Entre um show e outro se drogava, principalmente como heroína e morfina.

Foi encontrado morto, pelado no chão do banheiro com uma seringa ainda na veia, aos 40 anos.

18 meses depois sua sentença foi revertida pelas cortes superiores e ele foi considerado inocente. Em 2003, 37 anos após sua morte, o Estado de Nova York lhe concedeu o primeiro perdão póstumo da história da justiça do estado.

Na época da sua morte, Lenny namorava com a comediante Lotus Weinstock que inspirou a personagem Mrs Maisel. Lenny, aliás, é o único personagem real da deliciosa série da Amazon.

Para brindar esse gênio eu decidi preparar um drink chamado Contessa, uma criação do bartender John Gertsen de Boston. É uma variação do Negroni, com Aperol no lugar do Campari e vermute seco no lugar do rosso, além de gin. Tudo na mesma proporção e uma casca de limão para dar aroma e enfeitar.

Cheers!

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Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine