Old Fashioned

Renata Kotscho
Bebendo a morta
Published in
3 min readJun 12, 2020

Dear Scott, Dearest Zelda

Aos 18 anos, Zelda era a moça mais popular de Montgomery, capital do Alabama. Filha caçula de um proeminente juiz da cidade, tinha fama de rebelde. Pela manhã fazia aulas de dança, à tarde nadava nas cachoeiras da cidade usando maiô cor da pele (escandalizando a vizinhança que acreditava que ela estava nua) e de noite saía para paquerar os moços bonitos da cidade. Foi numa dessas festas do Montgomery Country Club que conheceu F. Scott Fitzgerald.

Nosso herói era um dos moços de uniforme na festa. Alistado no serviço militar, Scott estava de passagem pela cidade. Encantaram-se. Foi, pra quem acredita nessas coisas, amor à primeira vista.

Logo depois desse encontro, o moço bonito foi enviado para Nova York de onde partiria para lutar na Europa, o que acabou não acontecendo porque nesse meio tempo foi assinado o armistício que deu fim ao conflito. Trocaram as cartas de amor mais lindas que eu já li. Em uma delas, Zelda declarou “ninguém, nem mesmo os poetas, é capaz de mensurar o quanto o coração consegue segurar.”, ele responde “Certa vez nós fomos uma só pessoa, e vai ser sempre um pouquinho desse jeito”.

Moça quase de bem, educada para ser doce, delicada e condescendente, Zelda prometera aceitar o pedido de casamento do escritor galanteador caso ele conseguisse publicar seu livro. Não deu outra: o príncipe publicou seu primeiro romance “This side of Paradise” no dia 26 de Março de 1920, no dia 30 ele e Zelda chegaram a Nova York e no dia 03 de abril estavam casados. (isso é que é poder de execução).

A recepção do casamento aconteceu no Hotel Biltmore onde foram morar. Diz a lenda que, cansada de ver o marido bebendo com os amigos e ansiosa pela lua de mel, Zelda apareceu nua no salão de festa chamando o boy para o quarto. Verdade ou mentira, tornaram-se o “it couple” da alta sociedade da época, ela com 20 anos, ele com 24.

A partir daí Zelda tentava desenvolver seus talentos artísticos enquanto vivia `a sombra do sucesso de Scott. Foi bailarina, escritora e pintora. Mas aos olhos do marido, e da sociedade, não passava de uma amadora.

Além de sua beleza e sua personalidade, o seu diário também foi fonte de inspiração do escritor, que surrupiava passagens inteiras escritas por ela para compor seus personagens femininos. “Plagiarismo começa em casa” desabafou uma vez.

Viveram o auge da era do Jazz, mudaram-se para Paris e frequentavam festas com celebridades como Pablo Picasso e Ernest Hemingway (ele e Zelda, aliás, não se suportavam).

Numa vida em que sonho e pesadelo se misturam, Zelda foi diagnosticada com esquizofrenia e passou muito tempo internada em hospitais psiquiátricos. Enquanto isso, Scott lutava contra o alcoolismo.

Numa dessas internações, tentou a carreira de escritora. Da cama do hospital, escreveu em 6 semanas o romance “Save me the waltz” e conseguiu que a obra fosse aceita pelo exigente e icônico editor Maxwell Perkins, que também trabalhava com seu marido.

Irado, Scott exigiu que Zelda retirasse do seu livro as partes que ele pretendia usar em Tender is the Night, romance que ele estava escrevendo há anos. Como o trabalho de Scott sustentava a família, ela acabou aceitando.

Em Save me the waltz, Zelda emprega metáforas líricas e um estilo rebuscado que fora considerado antiquado na época. Recebeu apenas $120.73 dólares de direitos autorais pela obra, considerada um fracasso.

Símbolo da Geração Perdida do período entre guerras, o casal morreu muito jovem. Ele aos 44 anos de ataque cardíaco, ela aos 48, queimada como uma bruxa durante um incêndio no hospital onde estava internada para receber tratamentos de eletrochoque.

Zelda a vida toda apostou na beleza. Sua figura, sua dança, suas pinturas e seu texto tinham como referência o belo. Foi uma aposta equivocada. Naquela época, beleza já não era suficiente. A humanidade buscava conflito, angústia e dor, mesmo nas artes.

Para brindar a nossa melindrosa um drink especial: Frangelico Old Fashioned. Duas parte de Bourbon, uma parte de Frangelico e algumas gotinhas de Angostura. Para enfeitar e apurar o aroma, gelo com nozes caramelizadas e alecrim. (Acho que eu vou fazer logo dois).

Cheers!

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Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine