Quem dança seus males espanta

Renata Kotscho
Bebendo a morta
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4 min readAug 14, 2020

Dançar é como fazer companhia para o próprio corpo. Quem dança, mesmo sozinho, não está só. Por isso que nestes tempos em que está difícil dançar “cheek to cheek” colocar uma música para tocar e sair saltitando pela casa, com ou sem drink na mão, é restaurador. (Recomendação da Dra. Renata).

Para falar de dança, decidi brindar com uma bailarina e escolhi a maior delas, vejam só, coincidentemente (rs) uma russa (que ótimo, pois só de ouvir a palavra vacina, me deu uma vontade de tomar vodka).

Nascida em 1881 em São Petersburgo, Anna Pavlova foi a primeira bailarina da Rússia na virada do século passado. A maior, no país das maiores.

Assim que conseguiu ficar de pé, a pequena Anna começou a dançar. A paixão pelo ballet veio aos 8 anos, quando ganhou de presente de aniversário da mãe, uma humilde lavadeira, um passeio surpresa: assistir A Bela Adormecida com Ballet Imperial Russo.

Encantada, a menina de pés muito arqueados, tornozelos muito finos e membros muito longos, decidiu que seria bailarina.

Na sua primeira audição para estudar no mesmo Ballet Imperial, Anna não foi aceita. O corpo da menina era considerado muito frágil para o tipo de coreografia que fazia sucesso na época. Mas Anna não desistiu e no ano seguinte, aos 10 anos, foi aceita no famoso Ballet.

Durante a adolescência Anna sofria bullying das coleguinhas de dança, devido ao seu corpo meio desajeitado. Mas com muito ensaio, ela foi transformando essa fragilidade no seu principal trunfo. Formou-se bailarina na escola do Ballet Imperial aos 18 anos e aos 25 seria sua Primeira Bailarina.

Extremamente competitiva, a bailarina que virou nome de sobremesa não era exatamente doce e meiga. Sua rival Tamara Karsavina que o diga. A bailarina foi aos prantos após um probleminha no seu figurino expor seus seios durante uma apresentação (e parece que Anna esteve envolvida com o “probleminha”)

A bailarina criou o expressionismo no ballet, antes mesmo do movimento revolucionar as artes. Foi responsável também por desenvolver a sapatilha de ponta, na época considerada trapaça e hoje um dos maiores símbolos da dança.

Mas Anna queria mais. Sua missão não era “apenas” ser a melhor bailarina do melhor ballet do mundo, ela queria levar o poder e a beleza da dança para o mundo todo.

Então aos 32 anos, Anna largou o empregão no Ballet Imperial, deixou a Rússia e comprou uma mansão em Londres, conhecida como Ivy House, onde criava uma série de animais. O lago em frente a icônica residência era a morada do cisne Jack, sua ave de estimação.

O solo mais conhecido de Anna é exatamente A Morte do Cisne, coreografia criada pelo russo Mikhail Fokine especialmente para ela e que Anna apresentou mais de 4.000 vezes.

Em Londres, Anna decide criar a sua própria Cia de Ballet, a Pavlova’s Ballet Company. Ela ensaiava bailarinas, a maioria inglesas a quem dava nomes artísticos que soavam russos, e saia pelo mundo se apresentando.

De 1912 até a sua morte em 1931, inclusive durante os 4 anos da Primeira Guerra, Anna viajou pelo mundo levando a dança. Não tinha lugar pequeno demais ou remoto demais para ela.

Com uma mala que era uma espécie de guarda-roupa que ela carregava em viagens de navio, Anna levou seu Ballet para lugares tão distantes quanto China, Índia, Austrália e América do Sul (no Brasil apresentou-se em São Paulo, Rio de Janeiro e Belém do Pará).

Aos 49 anos, quando estava viajando de Paris para Haia, durante mais um de seus tours, Anna ficou muito doente, devido a uma pleurite (inflamação no tecido que reveste e protege os pulmões). Os médicos deram a ela a opção de cirurgia, mas explicaram que ela não teria mais fôlego para conseguir dançar. Anna então respondeu que se não pudesse dançar preferia morrer e em seguida uma de suas frases mais conhecidas “preparem a minha fantasia da Morte do Cisne e executem o último compasso suavemente”.

Para brindar essa russa forte e delicada, um drink que eu vou chamar de Sputnik 5, que é uma espécie de vodka sour: com vodka, suco de meio limão, clara de um ovo. Para ficar fofo adocei com duas colheres de mel, três gotas de baunilha e coloquei de enfeite com uma florzinha.

Za Zdorovye!

(Antes de ir #ficadica: vodka não cura covid, mas aprendi no youtube que tira mancha de vinho tinto no carpete. Testado e aprovado. O que seria de nós sem a ciência, não é mesmo?)

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Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine