Uma atriz

Renata Kotscho
Bebendo a morta
Published in
6 min readOct 9, 2020

Para fazer frente a uma semana puxada, resolvi evocar uma musa que conseguiu ser maior do que a maior personagem feminina da história do cinema. Aquela que deu vida a Scarlet O’Hara nas telas, Lady Oliver, mais conhecida como Vivien Leigh. Uma verdadeira deusa.

A atriz que interpretou a mais famosa sulista da história, nasceu em 1913, vejam só, na Índia. Seu pai, Ernest, era um banqueiro de origem britânica e a mãe, Gertrudes, era uma dona de casa católica de origem indiana, armênia e britânica.

Filha única de uma família rica na Índia colonial, Vivian Mary Hartley, seu nome de nascimento, teve uma infância de princesa.

Desde os três anos participava de apresentações de teatro para deleite da sua mãe que gostava de ler clássicos da literatura infantil e da mitologia grega para a filha.

Aos 6 anos, Vivian foi enviada para a Inglaterra para receber uma educação católica de elite. Foi estudar no Convento do Sagrado Coração, uma refinada escola interna nas proximidades de Londres, uma das preferidas da realeza européia.

Na escola, ficou mais de 2 anos sem ver os pais e era a queridinha das freiras. Foi lá que começou a desenvolver o interesse para as artes cênicas e também aprendeu ballet, canto e a tocar instrumentos musicais.

Foi eleita a aluna mais bonita e a que provavelmente mais faria sucesso na sua turma.

Quando fez 15 anos, seus pais voltaram da Índia e levaram Vivian para viajar pela Europa. Ela estudou na França e na Itália e ficou fluente nestes idiomas.

Sempre desejando ser atriz, de volta à Inglaterra aos 18 anos, matriculou-se na Royal Academy of Dramatic Art, em Londres.

No ano seguinte ela conheceu o advogado Herbert Leigh Holman, 12 anos mais velho, e depois de um ano de namoro, contrariando seus pais, decidiu casar-se com ele.

Um anos depois, anos 20 anos, Vivian teve sua filha Suzanne. A atriz nunca teve instinto maternal e a filha foi criada primeiro pela avó e depois pelo pai.

Durante esse período de início de casamento e de maternidade, Vivien continuou estudando e fazendo pequenos papéis em filmes britânicos.

Sempre linda, ela ressentia-se de não ter seu talento reconhecido por causa da beleza e preferia atuar no teatro.

Seu primeiro grande papel e reconhecimento veio aos 22 anos, justamente nos palcos, com a peça “The Mask of Virtue”. Foi nesse ano que a atriz, que agora já tinha adotado o nome artístico Vivien Leigh, insistiu para ser apresentada para Laurence Olivier (o “Ashley, Oh Ashely” da vida dela. Quem nunca?).

O galã era um ator sucesso de público e de crítica na época. Atuaram juntos pela primeira vez dois anos depois durante as filmagens de “Fire Over England” e o caso de amor das telas pulou para a vida real.

Nessa época, os dois pombinhos eram casados, e o romance meio escondido. Aproveitavam então para beijar muito nos palcos e nas telas interpretando todos os grandes pares românticos e clássicos da história do teatro como Romeo e Julieta, Cleópatra e Hamlet.

Até que Vivien leu o best seller “E o vento levou” e encasquetou que ela era a pessoa perfeita para viver Scarlett O’Hara no cinema.

Infernizou seu agente nos EUA até conseguir uma audição com o irmão mais novo dele, David O. Selznick, que estava em busca da protagonista do seu filme. Diz a lenda que ele chegou para o irmão confiante anunciando “Ei gênio, aqui está a sua Scarlett”.

Além de deslumbrante, Vivien tinha exatamente o biotipo descrito pela autora Margaret Mitchell para sua heroína: cabelos escuros, olhos verdes e a pele muito clara.

Não deu outra. Selznick soube rapidamente que Vivien era perfeita para o papel e ela, uma inglesa desconhecida em Hollywood, ganhou o papel.

Nas filmagens, além de decorar as falas, as mais longas do épico, Vivien tinha aulas de fono para aprimorar seu sotaque.

Quando a câmera era ligada, transformava-se. Conseguiu uma daquelas atuações inesquecíveis em que a gente não consegue imaginar outra pessoa fazendo o papel e por ela ganhou o Oscar naquele ano.

No ano seguinte, aos 27 anos, finalmente Vivien e seu amado Olivier conseguiram divorciar-se dos seus respectivos conges e em 1940, casaram-se.

Depois de casados, os dois, agora atores famosos e consagrados em Hollywood, mudaram-se para NYC onde começaram a produzir e atuar em peças na Broadway.

Teatro era a grande paixão dos dois. Vivien costumava dizer que ela não tinha interesse em ser uma estrela de cinema, ela queria ser uma atriz.

Mas o trabalho do casal não foi muito bem recebido em Nova York. Os americanos, como sempre muito hipócritas e puritanos, não viam com bons olhos o início “ilegal” do relacionamento dos atores e por isso, como se fizesse sentido, boicotavam suas peças.

Com o início da Segunda Guerra Mundial, as críticas aumentaram, os Oliviers eram cobrados de não estarem contribuindo para os esforços de guerra em seu país.

Então em 1943, Vivien e Laurence voltaram para Londres e começaram a fazer apresentações beneficentes para arrecadar dinheiro para a guerra e para entreter as tropas.

Foi nesse período que Vivien contraiu tuberculose e precisou ficar várias semanas internada em um hospital até se recuperar.

Pouco após o final da Guerra, em 1947, Laurence Olivier foi condecorado como cavaleiro da rainha e passou a ter o título de Sir Laurence Olivier, com isso Vivien passou a ter o nome social de Lady Olivier.

Nessa época, Vivien que desde a infância apresentava flutuações de humor, começou a ter crises cada vez mais intensas e frequentes e foi diagnosticada com Transtorno Bipolar (na época chamado de maníaco-depressivo e sem tratamento).

Vivien e Laurence eram o casal mais badalado da Inglaterra e viajavam juntos representando o reino pelo mundo. Foram até a Austrália e a Nova Zelândia. Nas coxias viviam em crise, entre surtos e tapas.

Em 1948 se divorciaram. Viven voltou para Londres e começou a atuar na montagem inglesa da peça Um Bonde Chamado Desejo no papel da protagonista Blanche DuBois, uma atormentada e decadente mulher de meia idade.

Dirigida pelo ex, Vivien apresentou a personagem surtada 326 vezes nos palcos de Londres e depois venceu a concorrência para viver Blanche também no cinema.

O diretor Elia Kazan selecionou para o seu filme praticamente todo o elenco da montagem Nova Iorquina da peça, mas preferiu Vivien como protagonista.

O diretor ficou impressionado com a dedicação da atriz e falou que Vivien até engatinharia em cacos de vidro se isso pudesse ajudar na sua performance em cena.

Mesmo coms as crises piorando, a ponto dos médicos recomendarem sessões de eletrochoque, Vivien conseguiu manter a concentração e ganhou seu segundo Oscar, aos 38 anos, por sua atuação no filme Um Bonde Chamado Desejo.

Entre altos e baixos, Vivien continuou atuando e em 1963 ganhou o maior prêmio do teatro, o Tony Award, como melhor atriz de musical em Tovarich. Tinha 50 anos.

Sua última aparição nas telas foi em 1965 no filme “Ship of Fools”, onde novamente ela interpretava um papel difícil, outra mulher divorciada com saúde mental degringolando.

Dois anos depois, em 1967, enquanto ela estava ensaiando a peça “A Delicate Balance”, a tuberculose voltou e a atriz morreu subitamente de embolia pulmonar aos 54 anos dentro de seu apartamento.

Seu corpo foi resgatado do chão e colocado na cama pelo seu colega de palco e parceiro na época Jack Merivale que imediatamente telefonou para o amado Olivier e juntos se despediram e organizaram o funeral da atriz.

Para brindar nossa Scarlett, eu escolhi um drink sofisticado e bonito como ela, um Bellini. Levinho para manter a concentração. Vai uma parte de purê de pêssego e três partes de espumante, no caso Prosecco. Coloquei também um raminho de alecrim, uma frescura pra enfeitar apurar o aroma.

Cheers!

--

--

Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine