Irracionais
Gravo este áudio enquanto ainda me resta bateria, por isso, serei breve. Essa noite aconteceram coisas estranhas aqui em casa. Acordei bastante assustado. Olhei para os lados e não encontrei minha mulher. Até pensei que ela estivesse tomando um ar na varanda, então, escutei ruídos bizarros que pareciam vir dos fundos, da edícula em que o nosso cachorro dorme. De sobressalto, pulei da cama e caminhei no meio do breu até o quarto do bebê.
A luz fraca do móbile de bichinhos criava sombras disformes por todo o ambiente, porém, suficientes para mostrar que não havia ninguém ali: nem mãe, nem criança. Mais uma vez, ouvi aquele barulho distante e anormal. Meus ombros já estavam enrijecidos e minhas mãos trêmulas, quando segui tateando as paredes na escuridão em busca de respostas. A cada passo dado, pé ante pé, o pequeno corredor ganhava mais metros de distância.
Me aproximei da cozinha e percebi a porta do quintal escancarada e as luzes acesas. Ouvi de novo o barulho, parecia um urro de outro mundo. Naquele instante, todos os pelos da minha nuca se arrepiaram e eu só pensava na minha família e no que poderia encontrar do lado de fora.
Foi então que vi meu filho e sua mãe, abraçados a um bicho enorme e diferente de tudo o que eu já tinha visto na vida. Uma criatura com pelagem densa, focinho largo, mandíbula volumosa e dentes que mais pareciam pequenas facas aglomeradas. No entanto, seu olhar de fera tinha alguma coisa familiar. Olhos amedrontados e, ao mesmo tempo, amáveis. Sim, era o nosso cachorro!
Fiquei com a boca seca e hipnotizado com tudo o que estava acontecendo. Até que, de repente, ouvi gritos desesperados, latidos assustados, disparos de arma de fogo e grunhidos agonizantes. Aquilo estava acontecendo por toda a vizinhança e, pelo visto, eles estão dispostos a sacrificar as criaturas para se salvarem.
Eles arrombaram o portão e invadiram a minha casa. Pela gritaria odiosa, estão desesperados à procura do meu cachorro. Não há mais tempo, minha bateria está acabando, tenho apenas 1%. Chegou a hora de salvar minha família desses animais irracionais.
Dedico esse conto a Amy, meu amor vira-lata!
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