Entorpecido

Chapado. Morto, quem sabe? A questão é que eu gostava daquilo. Ver o mundo girar ao meu redor, ainda que por causa da bebida, me fazia pensar que era importante.

A ~
Beliefs — Tales of Broken Heroes

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Flashes. Tudo o que eu lembrava eram flashes. Apenas isso. Sequer sabia se tinham existido, pois a minha imaginação parecia ter se fundido com a realidade. Era como um sonho, ou como um pesadelo, como algo que eu não sabia se tinha acontecido ou era apenas fruto da minha mente insana.

A questão é que eu me lembrava ainda de algumas partes do quebra-cabeça, mas perdia a conexão entre elas. Sentia que ali, logo além do meu campo de visão, estavam as respostas, e eu tateava como louco esperando encontrá-las, esperando tocá-las na escuridão que fazia dentro de mim.

A necessidade de diversão havia superado seus limites dentro de mim. Era como se eu estivesse agora escravo da bebida, como se tentasse usá-la, de modo doentio, para fugir de meus problemas e fingir que estava tudo bem.

Mas não estava. Longe disso. Eu estava me consolando, tentando tirar um peso das minhas costas, um peso que eu sabia merecer.

A questão é que, no medo de enfrentar meus problemas, sair para a vida de cabeça erguida, eu havia criado talvez o meu então maior problema. Eu sabia que, em minha mente, piorara tudo para ter apenas uma justificativa para beber, para fugir da nem tão cruel realidade.

E, como que para “coroar”, a bebida também se tornara um verdadeiro vício. Eu, que a usava justamente como ‘remédio’ para meus problemas, alguns imaginários, não havia reparado que estava criando um problema de verdade.

Tudo começou de forma muito simples, aquela velha “primeira vez”, apenas para experimentar. Logo, vi que tudo era na verdade muito legal e muito simples. Vi que estava bem menos só do que já me sentira.

A questão é que eu gostava daquilo. Ver o mundo girar ao meu redor, ainda que por causa da bebida, me fazia pensar que era importante. Além disso, minha preguiça não me permitia fazer algo de produtivo para ter o mundo verdadeiramente girando ao meu redor, então a bebida me iludia. Isso. Uma ilusão.

Em minha vida, eu sempre duvidara de que era preciso “enfrentar os problemas de cara erguida”; sempre fora muito esquivo, sempre ‘driblara’ os problemas.

E também sempre achei que, fazendo isso, estivesse verdadeiramente os eliminando de minha vida. Mas não estava. Oh, não. Estava apenas adiando o momento de ter de resolvê-los…

E, aos poucos fui percebendo que, enquanto eu me iludia com a falsa sensação de ser importante e de estar fazendo algo importante, eu via pessoas ao meu lado verdadeiramente “indo” para a vida, verdadeiramente buscando seu espaço no mundo, procurando fazer a diferença. Essas, sim, indo à luta contra os problemas.

Mas não entendi logo de cara. Ah, se eu tivesse compreendido, talvez tudo tivesse se saído melhor para mim. Não entendi o porquê dessas pessoas se darem bem, algumas até mesmo menos privilegiadas do que eu, enquanto eu “lutava” e não saía do lugar. Me parecia uma tremenda injustiça. Então, por um bom tempo, procurei a solução mais fácil: a de me achar injustiçado. Foi quando voltei-me contra Deus.

Por algum tempo, passei a verdadeiramente acreditar que era um desgraçado, injustiçado, castigado por Ele. Talvez eu até soubesse, em meu íntimo, que, enquanto O ficasse culpando sem buscar mudanças na minha vida, não progrediria. Mas não recuei. Larguei tudo, passei a beber e culpá-lo. Apenas.

Mas a vida nos prega peças. Ah, sim. E foi por aí que ela resolveu pregar-me uma, pela qual agradeço até hoje, pois me fez reagir, acordar e, então, verdadeiramente “correr atrás”.

Como já disse, sempre fui uma pessoa solitária. Isso é verdade. Contudo, sempre tive meus “amores”, pessoas pelas quais nutria um sentimento, ainda que secreto, de carinho.

Eram pessoas que me motivavam a ser diferente, a melhorar. Uma amiga, uma colega, essas coisas. Nada sério, apenas um objetivo, ainda que “platônico”, algo pequeno para me motivar.

Mas eu sentia que, a cada novo fracasso nesse aspecto de minha vida, algo não estava certo. Primeiro, como já disse, me voltei contra a religião; depois, apeguei-me à bebida, mas, quando passou a ficar insuportável continuar fingindo que estava tudo bem, foi aí que tive a peça pregada pela vida. Foi aí que meus olhos se abriram.

Eu senti algo novo. Senti que não precisava, na realidade, mudar e querer melhorar por causa dos outros. Senti que culpar a um Deus e querer que Ele fizesse sua parte, sem eu me esforçar para fazer a minha, não estava certo. Senti que eu deveria ser meu objetivo, eu deveria buscar o Deus, e não esperar a Sua redenção parado, como um fantoche.

Vi, nessa hora, que a luta e a garra, a ambição e a inteligência, devem fazer parte de nós. Nós devemos ser nosso próprio combustível, e a razão para acordar sendo pessoas melhores a cada novo dia.

Vi que não adianta dar as costas aos problemas, nem fingir que está tudo bem, mas que o importante é verdadeiramente fazer o seu melhor para que fique tudo bem. Não pelos outros, nunca pelos outros. Sempre por si só, pela oportunidade de mudar e pelo livre-arbítrio para ser alguém melhor.

Diversão? Bebidas? Claro, faz parte. Mas como algo a mais, como uma pequena motivação. Mas, como uma fuga, nunca mais.

Se quer que o mundo gire ao redor, faça por merecer isso! Se quer um nome, se quer alcançar o seu Nirvana, o seu sucesso, se quer atingir as suas metas, lute. Lute, lute, lute. E não simplesmente diga que você não consegue por causa dele ou dela. Se você quer algo, vá lá e consiga. Você pode.

Você é capaz. Seja mais que um robô. Seja mais do que alguém entorpecido.

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