vendaval

Pablo Pamplona
besouro
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2 min readJul 18, 2023

quem sabe o futuro? que nos importa ele?
tudo que temos é o passado.
ele que nos abraça e envolve com todo o seu carinho
e terror.
no entanto muito nos importa saber do futuro.
teremos do que comer? teremos onde nos abrigar? teremos a quem abraçar
quando doer a alma?

quando nos dói a alma no presente
reconforta pensar que se vai.
é uma expectativa, que se vá.
é uma expectativa de futuro mas é com base no conhecimento do passado
de quando dores se foram.
o passado vem nos lembrar que se vai,
não há o que temer,
se vai,
que em outros tempos doeria ainda mais
e deixaria de doer.

o passado sussurra a todo o tempo com suas asas:
assim foi
assim é
assim será
e o vento que dele venta
venta como brisa de primavera
e vendaval de todos os outonos acumulados.

o que faríamo-nos dos versos tortos, meu pai,
se eles não suportassem o sopro da saudade?
o tempo que dia após dia traz o sono e a fome
é o mesmo tempo que traz a saudade.

quisera eu recuperar tudo aquilo que ficou nos rasgos do passado,
nas frestas do seu farfalhar de asas,
quisera eu escrever sonetos
ordenados, bem acabados, com marcação e hora certa de acabar,
mas perdi a conta das sílabas.

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Pablo Pamplona
besouro
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Mestre e doutorando em Psicologia Social pela USP. Pesquisa a memória de lutas sociais.