Análise: A Montanha dos 7 Abutres

Tales Fernandes
Besouros Verdes Gigantes
6 min readJul 10, 2020

Em A Montanha dos 7 Abutres (Ace in The Hole), acompanhamos a trajetória do desumano e oportunista Charlie Tatum(Chuck), brilhantemente interpretado por Kirk Douglas, um jornalista que coleciona demissões em jornais da costa leste dos Estados Unidos. 11 delas no total, por diversos motivos, como uma de suas notícias ter resultado em um processo de difamação em Nova York, ter flertado com a mulher do editor em Chicago e ser pego bebendo fora de hora em Detroit, além disso, ainda conta dessas situações com um aparente orgulho, como se fosse um mérito tudo o que fez, fica claro desde o começo do filme que estamos vendo ali uma pessoa com questões morais questionáveis.

No começo do filme o personagem se encontra em Albuquerque, uma pequena cidade no Novo México, onde passa por um jornal local procurando por emprego temporário com a ideia de conseguir sua tão sonhada grande matéria, que faria com que as maiores agências do país implorassem por mais. É interessante notar que o personagem dá atenção a um quadro na parede da redação do jornal que conta com a frase “Diga a verdade. ”

Tatum acaba ficando 1 ano no pequeno jornal, onde começa a questionar a importância do que vem sendo publicado por ali, até que seu chefe o manda cobrir, acompanhado de um jovem assistente, uma caçada a serpentes fora da cidade. No caminho eles param para abastecer em uma loja de antiguidades indígenas e por ali passa uma viatura que vai em direção à montanha que guarda as ruínas de um antigo povoado indígena, pode-se notar que a entrada, por enquanto, é gratuita para as ruínas, e curiosos sobre a viatura que por ali ia, decidem segui-la para ver o que poderia estar acontecendo no local. No caminho eles conhecem Lorraine Minosa que diz que houve um desmoronamento nas ruínas, e que seu marido, Leo Minosa estava lá procurando antiguidades para a loja que possuem ali perto.

Chegando eles descobrem que o homem está preso em uma caverna, e que existem histórias dos indígenas que ali habitam de que a montanha seria sagrada, e por isso se recusam a entrar para ajudar o rapaz.

Tatum, ao ouvir o chefe indígena nomear o local como “A Montanha dos 7 Abutres”, se interessa pelo nome e acredita que ali exista uma matéria muito mais quente do que a tal caçada às serpentes para a qual estavam se dirigindo, o jornalista então convence as pessoas ali para que ele entre na caverna junto de seu assistente para levar mantimentos ao rapaz. Ao entrar na montanha Tatum explica para o novato o conceito de “curiosidade humana” e diz que “1 homem vale mais do que 84” na questão de que quando se lê nos jornais sobre 84 homens presos em uma caverna, ou 1 milhão de famintos na China, o leitor não necessariamente se importa, mas quando se trata de uma pessoa, surge uma curiosidade sobre essa vida, e dá o exemplo de Floyd Collins, explorador que ficou preso em uma caverna em 1925 e cujo a história foi o terceiro evento midiático mais repercutido nos Estados Unidos no período entre as grandes guerras, rendendo manchetes nos maiores jornais do país por semanas. Floyd morreu após 14 dias isolado na caverna.

Motivado pelo fato de um repórter ter recebido o prêmio Pullitzer com a história de Floyd, Tatum decide que ali está seu grande Ás na manga, e está certo em dedicar todo o seu tempo com esta matéria.

Entrando na caverna, Charlie conversa com Leo, que acredita que acabou preso por ter irritado os espíritos dos indígenas que ali foram sepultados por estar saqueando seus túmulos, Charlie se mostra cético quanto à isso, mas deixa claro que seria faria uso desta narrativa ao caminhar para fora da caverna com seu assistente, onde diz que ali estaria uma história maior que a de Floyd Collins, o que define como “Floyd com um extra”, extra pelo contexto da suposta maldição indígena, e ainda comenta com seu assistente possíveis chamadas para o artigo como “Rei Tut no Novo México, a maldição do antigo chefe Índio”. Na conversa comenta também que o caso de Floyd Collins levou 18 dias, mas precisaria “disso” apenas por uma semana, isso, no caso, seria a demora em se resgatar Leo. Questionado por seu assistente, Charlie diz que não faz as coisas acontecerem, apenas escreve sobre elas, mas a realidade é outra.

No dia seguinte, Lorraine está prestes a largar a loja e o marido para trás, alegando que a loja não teria movimento, e que não existe muito o que se fazer na cidade, mas isso estava para mudar. Prestes a entrar em um ônibus para sair da cidade, passa por ali um carro, onde um casal pergunta se seria ali a tal Montanha em que estaria preso o jovem Leo, que leram sobre no jornal. Assim, já podemos ver a entrada para as ruínas indígenas, que era grátis passar a ser paga. 25 centavos, por enquanto.

Agora o cenário é outro, a cidade está cheia de turistas curiosos sobre o desfecho da história do rapaz que leram no jornal, Lorraine, que antes reclamava que vendia apenas 8 hambúrgueres por semana, agora tem problemas para lidar com a quantidade de clientes em seu balcão, assim podemos ver como a matéria de Tatum movimenta o capital ao redor da desgraça de Leo. Logo o xerife da cidade chama o jornalista para uma conversa, descontente com o fato de ter sido interrompido durante uma partida de pôquer na noite anterior por uma ligação de Chuck, que parecia tentar intimidá-lo. Tatum demonstra grande poder de persuasão, dizendo que pode ajudar o xerife a ser reeleito na cidade, o colocando como um herói em suas matérias, alguém que estaria pronto para fazer tudo ao seu alcance para ajudar o rapaz preso na montanha. Em troca, o jornalista pede para que o xerife mantenha outros jornalistas afastados, com medo de perder sua exclusividade da matéria. Fica muito claro o poder que a mídia possui em influenciar o local de forma econômica e política.

Enquanto conversa com o xerife, um dos homens que trabalha na retirada de Leo da montanha aparece para informar sobre a situação, e diz que deve demorar aproximadamente 16 horas para chegar até Leo com segurança, devido à profundidade em que se encontra o rapaz, e ao estado frágil das rochas, que podem desmoronar a qualquer minuto se o resgate não for executado com cuidado.

Essa informação claramente abala o jornalista e o xerife, que contavam com a repercussão das notícias sobre Leo para seus objetivos pessoais, o que leva os dois a induzirem os engenheiros envolvidos para uma forma mais prolongada de resgate, que em vez de 16h, levaria cerca de 7 dias.

O ponto mais importante para essa análise se encontra aqui, até que ponto poderia ir o quarto poder? Ao decorrer do filme vemos que em torno da montanha onde Leo está preso, uma multidão se aglomera com direito a banda tocando, um parque de diversões com roda gigante e carros vendendo lanches, uma verdadeira festa em cima da desgraça da vida de um homem. O jornalista transforma o desastre na vida de Leo em espetáculo, e muitas pessoas pagam pela entrada desse show. Pelo ato final do filme podemos ver que o preço de entrada para as ruínas indígenas passou do que era no começo sem custo, para 25 centavos, e finalmente para 1 dólar.

Bill Wilder faz de A Montanha dos 7 Abutres um exemplo perfeito do nível em que pode chegar a falta de ética jornalística somada ao sensacionalismo, o tratamento de uma desgraça como espetáculo, e os perigos de se permitir que a verdade seja manipulada e orquestrada, em razão do capital.

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Tales Fernandes
Besouros Verdes Gigantes

Estudante de jornalismo, sobrevivente do apocalipse e mestre pokémon.