As várias facetas do Covid-19 na estável classe média brasileira

BESOUROS VERDES GIGANTES
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6 min readMay 11, 2020

Com uma taxa de 3% de mortalidade, o novo Coronavírus, Covid-19, abalou as estruturas sociais, econômicas e políticas mundiais. As medidas de isolamento são endurecidas a cada novo milhar de contaminados e os sistemas de saúde estão à beira da ruína. Porém é na classe trabalhadora que o impacto será maior, todavia, nenhum deles sentirá com tanta surpresa os reflexos da pandemia como a classe média brasileira.

Em entrevista com o Nexo Jornal, Rogério Barbosa, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole, propõe o surgimento de “novos vulneráveis”: homens e mulheres integrantes de classe média que trabalham com serviços não essenciais. De acordo com o estudo realizado pela Rede de Pesquisa Solidária, da qual faz parte, cerca de 46% dos trabalhadores vulneráveis pela epidemia possuem contratos formais de trabalho.

“A crise gerada pela pandemia assemelhasse ao choque causado por uma guerra”, diz Barbosa.

Ricardo Luiz Granjo Fontes, 50, é médico veterinário e trabalha na Dechra cujo principal foco é a produção de vacinas para espécies animais. Por quatro anos, Ricardo foi o gerente regional da empresa no eixo Norte-Nordeste. Agora, trocou o estado do Sergipe por São Paulo, onde gerencia as exportações internacionais dos clientes na América do Sul.

“A gente sai do nosso conforto, vem para outro estado achando que vamos ter acesso a todo meio social e acaba não tendo. Já tem 50 dias, aproximadamente, que estou em casa, saindo só uma vez por semana, só para fazer compra de mercado”, diz para nossa correspondente Juliana Fontes.

A empresa, desde o início, proibiu qualquer tipo de viagem, preservando a nossa saúde. Tanto é que estamos de home office até agora”. As primeiras medidas realizadas pela Dechra foram no dia 3 de março, enquanto ainda participava de reuniões com clientes na Bolívia, Ricardo recebeu um comunicado do CEO da empresa impondo a proibição dos voos internacionais.

Por serem um grupo veterinário, explica Ricardo, e estarem enquadrados em serviços essenciais os prejuízos são mínimos. A solução para evitar a perda do mercado exterior foi encontrada nos aplicativos de vídeos chamadas, como o Skype — a favorita de Ricardo. “A gente entende que é um momento, que vai passar e que precisamos do isolamento nesse momento para nos proteger e proteger as outras pessoas” acrescenta.

Muitos são os especialistas que concordam que o “Home Office” será o principal legado dessa drástica mudança. Contudo na vida prática, esse ainda é um assunto envolto numa atmosfera de complexos debates

Segundo o estudo da Pesquisa Solidária, as pessoas que atuam como domésticas e no setor de beleza serão as maiores afetadas. Em contrapartida, nem aqueles que possuem ensino superior estarão a salvo. Em resposta ao Nexo, Barbosa comenta “boa parte desses trabalhos com ensino superior que estão bloqueados na verdade são de professores”. Esse é o caso de Claudete Castelo, 62, proprietária e diretora dum berçário e uma escola infantil, ambos localizados em Bauru, interior de São Paulo.

Por mais que alternativas estejam sendo tomadas para a flexibilização dos trabalhos remunerados durante o período de isolamento social, muitas profissões não conseguem se adequar ao sistema EAD — Ensino à Distância. “Analisando a questão com mais profundidade cheguei à conclusão que a criança, nessa faixa etária (6 meses a 5 anos) precisa da presença da professora constantemente”, relata Claudete em entrevista com Alice Castelo.

A grande maioria das escolas particulares optaram no início da quarentena no estado São Paulo pela antecipação das férias de julho para que os profissionais da educação pudessem se familiarizar com a plataforma de aulas remotas. No entanto, não são todos os níveis do sistema educacional que conseguem optar por essa alternativa.

Os centros de educação infantil, por exemplo, são a parte que mais sofrem as consequências do isolamento social, devido à dificuldade de adaptação do ensino infantil ao sistema de aulas online. “Está muito difícil tendo em vista que os pais estão tirando as crianças da escola, por medo de que elas contranham a doença ou mesmo por perda do emprego, o que dificulta a permanência da criança na escola”, diz.

De acordo com Claudete, “Estamos muito preocupados com a parte financeira da escola. O ideal é que entremos num consenso com o cliente para que ele não vá embora. A escola vive de mensalidades e cada aluno perdido é uma mensalidade a menos que entra no caixa da escola”.

No dia 26 de março, o Procon publicou uma nota emitida pela Secretaria Nacional de Defesa ao Consumidor orientando a manutenção do pagamento das mensalidades pelos pais até o fim da quarentena.

“Eles resolveram não demitir ninguém, mas reduziram uma parte do salário. Não é o momento de aceitar perder o emprego” responde a publicitária Vitoria Favaron

O Isolamento Horizontal proposto pelo então governador João Doria começou no fim de Março e se estenderia até o começo de Maio. Porém, a taxa de aderência está menor de 50%, ou seja, mais da metade da população do estado de São Paulo continua indo as ruas, o que resultará em um prolongamento da quarentena. Apesar disso, nem todos que saem de casa o fazem por teimosia, mas por necessidade.

Como é o caso do diretor de Recursos Humanos de uma multinacional chilena, Nelson Pedro De Sousa Filho, 49 anos, coloca-se em risco constante ao ter de sair para ir ao escritório ou visitar as lojas por qual é responsável ao redor de São Paulo. Casado e pai de três filhos, Nelson vê o sair de casa para algumas pessoas algo normal. “Eu penso que ficar em casa é necessário, mas no caso da empresa em que eu trabalho, por exemplo, não podemos, porque ela é uma afiliada do Chile e se eles mandam, a gente ter que ir”.

“Para evitar a maior contaminação para as pessoas, fizemos uma medida preventiva onde todos que se declaravam no grupo de risco, foram enviadas para casa e lá permanecem desde o dia 25 de março. Aqueles que assinaram dizendo que não estavam, trabalham em horário reduzido e uma vez por semana eles podem ficar em casa um dia a mais”.

À primeira vista, os funcionários responderam de forma positivas as propostas de Nelson, mas com o agravamento da situação em São Paulo as coisas começaram a ficarem tensas. “A maioria das reclamações que eu recebo como diretor de RH, é a questão de algumas pessoas estarem em casa. Muitos funcionários que estão trabalhando durante esses tempos de pandemia, acreditam que as outras que são do grupo de risco estão apenas fazendo ‘corpo mole’ quando apenas querem proteger a vida delas” responde ele ao repórter Lucas Almeida.

Antes de fazer a entrevista, Nelson havia ficado muito doente por ter contraído a gripe de influenza B. Uma gripe que também está em alta e que muitas vezes pode ser confundida com coronavírus. Perguntado se isso tinha o ajudado a entender e simpatizar mais com a causa da quarentena. “Eu já estava preocupado quando estava saudável. Quando peguei a gripe, fiquei com medo” afirma.

“Já fui dono de loja na 25 de março e sei como é o desespero de chegar no final do mês e ter simplesmente uma dúzia de zeros na conta” diz Nelson, pai de 3 filhos e responsável por outras tantas famílias

Ao iniciar o isolamento social no dia 17 de março, a publicitária Vitoria Favaron estava há menos de uma semana em seu novo emprego de atendimento e planejamento de marketing da agência Greenz, no Brooklin Novo em São Paulo. Segundo ela, não houve apenas o desafio de se adaptar ao Home Office, mas como fazer isso enquanto se adaptava as novas tarefas.

Minha empresa ela fornece um notebook para cada um conseguir trabalhar normalmente. Então a diferença foi a gente estar em casa. A agência conseguiu fazer um sistema para manter a qualidade dos arquivos, além de um sistema de segurança para a gente cuidar das máquinas” responde Vitoria ao ser questionada pela repórter Valentina Favaron.

A publicitária conta que há dificuldades em estabelecer um horário comercial, pois não há limites no horário de tratar assuntos profissionais. Um representante de uma das empresas que contrata a Greenz chegou a ligar para ela as onze horas da noite. “No período de trabalho de 8h, eu fico trancada no quarto, pois meu trabalho exige muito da minha atenção. Não é brincadeira. Não tem essa de ficar sentado no sofá, assistir um filme e trabalhar um pouco” diz.

Um de seus clientes mais famosos, o restaurante Coco Bambu, teve que readaptar toda sua estratégia virtual para que continuasse funcionando durante a pandemia. “Tivemos de nos adaptar a vários modelos de marketing, pois em cada estado tem uma regra de isolamento diferente. Para os clientes que não tinham a função de entrega tivemos de adaptar e implantar, além de mostrar para os clientes da novidade” responde Vitoria.

Perguntado sobre os benefícios de se trabalhar de casa, ela responde “Confesso que ainda não descobri”. Já quando tratamos dos ensinamentos da Quarentena, Vitoria fala “Meu maior aprendizado é comprometimento e rotina, principalmente rotina”.

Essa matéria foi uma colaboração entre os repórteres:

Alice Castelo

Lucas Almeida De Sousa

Juliana Queiroz

Renan Honorato

Valentina Favoron (@autenticiarte)

A Classe Média nacioanal (Reprodução/Jovem Pam)

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De dia, três estudantes de jornalismo tentando assumir o Jornal Nacional. De noite, dormem, já que nenhum deles sabe karatê. Contato: somais01blog@gmail.com