Crítica| Mulan

Renan Honorato
Besouros Verdes Gigantes
4 min readOct 1, 2020

Um filme sem cheiro, rosto ou sabor

Um dos filmes que mais marcaram a geração 2000 foi Mulan, a animação de 1998 dirigida por Tony Bancroft & Barry Cook que recebeu várias indicações, incluindo, ao Oscar & ao Globo de Ouro. Como não era de se surpreender, um reboot em live action foi proposto para acompanhar a nova linha de filmes da Disney: animações reais. Niki Caro, a diretora do longa de 2020, nos apresenta um filme com poucas qualidades, sem sabor &, principalmente, sem Mushu.

Fa Mulan, única filha de um celebrado general aposentado, questiona o seu papel na sociedade feudal chinesa em que uma mulher só pode trazer a honra para família através do casamento. Durante a invasão dos Hunos, liderados por Shan Yu, o Imperador da Dinastia Uei do Norte convoca um membro masculino de cada família para que integre o exército imperial. Mulan, então, tem uma decisão a tomar: deixar seu pai cavalgar para a morte certa ou tomar o seu lugar & trazer a desonra para sua família (e sua vaca)?

Live Action: Filmes feitos com pessoas atuando. E não, Rei Leão não é live action porque lá não tem bicho de verdade.

Reboot: São filmes que resolvem adaptar novamente uma história geralmente sob uma nova ótica. Como a trilogia Planeta dos Macacos de Matt Reeves

Niki Caro, diretora de O Zoológico de Varsóvia, afirmou no começo das filmagens que o reboot seria totalmente diferente da animação, porque além de ser mais realístico, não conteria as cenas musicadas & muito menos com o personagem mais querido do enredo, Mushu, interpretado pelo Eddie Murphy (1998). Tal afirmação, na época, deixou-me animado, pois achei que o filme seria semelhante ao épico chinês de duas partes A Batalha dos 3 Reinos de John Woo.

Caro leitor, eu não poderia estar tão enganado.

A esquerda Xana Tang, como irmã de Mulan, & Rosalind Chao como a mãe.

Mulan, de Niki Caro, é um filme que não decide onde pisar: na fantasia ou no realismo. Ao tentar ser fantasioso, Niki peca por substituir não só os elementos que os fãs gostariam de ver, mas os elementos que fazem a história de Mulan única. Partindo do pressuposto que o vilão possuí uma bruxa como mascote espiritual, porque não personificar também o mascote de Mulan? Em compensação a fênix adotada pela diretora como pet espiritual da protagonista consegue ser tão inoportuna & clichê que por pouco não supera o patética adaptação do Gri-li, o grilo da sorte.

Os atores, da esquerda, Jimmy Wong (Ling), Doua Moua (Po), and Chen Tang (Yao).

Além dos personagens cômicos, Niko retira de cena personagens fundamentais & com presença marcante da animação, como Vovó Fa que é substituída por uma irmã que não dever ter nem 10 minutos de cena no total. Porém, como se não bastasse, ela também descaracteriza os personagens em cena, retirando a alma dos personagens. Não só Mulan termina o filme sem nenhuma presença ou impacto real no filme, como o trio cômico, Yao, Ling & Chien-Po, não apresentam a mesma relação cômica & natural, não possuem motivações pessoais & são facilmente confundíveis. Outra grande perda também foi o relacionamento de admiração paterna entre General Li & o Capitão Li Shang.

Sem falar que a diretora colocou um papo místico sobre uma tal de energia vital que permite atos de grande poder — como se fosse a Força de Star Wars — super mal explicado & que só serve para transformar a Mulan numa super-heroína na China Imperial.

Se Mulan de Niko Caro erra a mão na fantasia, ela erra também no realismo. Ao adotar o misticismo, as cenas que deveriam retratar cenas do cotidiano — como correr atrás de uma galinha — ou do treinamento militar ficam descompassadas ao vermos um periquito vermelho voando no céu. Porém, nenhum dos artifícios usados pela diretora se compara com as suas quebras de expectativas. Por já sermos familiarizados com as cenas da animação, Niko Caro tenta subverter ou mesmo retardar tais acontecimentos, que seriam de grande valia, se não fossem usados repetidamente.

Vejam esse figurino super simples de Bina Daigeler, mas que causa uma ilusão de ótica no espectador.

Porém, palitos quebrados não servem só de lenha, mas servem para comer macarrão. Se até então a diretora só errou no roteiro, quando se trata do figurino, da ambientação & da maquiagem a história é outra. A figurinista do filme nada mais é que Bina Daigeler, que fez os 12 figurinos de Cate Blanchett em O Manifesto, além de Tudo sobre minha mãe & Volver.

Todavia, nem mesmo as mais lindas cenas salvam um roteiro cheio de lacunas, personagens rasos & uma protagonista que chega ao fim do filme reafirmando a mesma mensagem do desenho: este é um filme conservador, não se engane, a Disney permanece a mesma.

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Renan Honorato
Besouros Verdes Gigantes

Como diria Trevisan: tira essa câmera de mim e vai ler um livro! Crônicas, análises e resenhas. Às vezes, um conto. Às vezes, um tonto.