Natureza InDiscreta

Renan Honorato
Besouros Verdes Gigantes
3 min readAug 20, 2020

O que acontece quando os animais são trocados por CGI?

Tiny Creatures, ou “Natureza Discreta” no Brasil, é uma série documental da Netflix sobre a vida animal feita pelo ganhador do Emmy Jonathan Jones. Mas se vocês está acostumado com os documentário de vida selvagem no meio de montanhas geladas ou florestas úmidas, com uma equipe de filmagem mínima entocados dum bunker, você ficará tão assustado quanto eu. Em “Natureza Discreta”, Jones constrói uma narrativa ficcional no seu quintal na Inglaterra, que serve como set, usando como atores usa animais fora do seu cativeiro. Aliado a isso, temos muito CGI, a Tela Verde.

Muito comum nos programas de Vida Animal que os diretores montam em cima da filmagem uma narrativa para que o espectador consiga criar laços & demonstrar interesse pelo programa, Jones extrapola isso ao máximo ao trazer um roteiro complexo, repleto de personagens-animais, com revoltas, vingança & amor. No primeiro episódio da série, “Arizona”, o personagem principal, um jovem Rato-Canguru tenta se livrar de uma Cascavel que matou sua mãe & roubou sua toca, recriando um filme do Clint Eastwood, com cenas de esporas & moinho girando.

O jovem rato-canguru fugindo da morte alada (Reprodução/Netflix)

Apesar desse exagero, o que mais gera estranhamento não é o roteiro, mas o cenário. Por ter recriado cada habitat da quase dezena de episódios no próprio quintal, Jones usou não só de artifício físicos, mas muito, muitos efeitos especiais. O episódio que o uso fica mais claro é o “New York”, cujo protagonista é um hamster que rola até a rua cheia de pedestres, passando por topos de prédio & esgotos escuros. Torna-se preciso ressaltar o mérito em recriar esse ambientes para os animais — animais vivos, mesmo — em seu quintal durante a pandemia do Sars-Cov-2 que tem afastados todos dos seus ambientes de trabalho & círculos familiares, mas é inegável também o tom artificial que pula aos olhos.

A jovem mamãe foge das chamas artificiais (Reprodução/Netflix)

Esse programa me deixou com uma pulga atrás da orelha: E se a moda pega? E se a partir de agora, os novos programas de vida selvagem nada tiverem de “vida”? Abre-se aí uma prerrogativa importante, pois vivemos em um mundo onde a ameaça de um colapso ambiental é eminente, onde há espécies sendo extintas anualmente por causa do aquecimento global, a poluição das águas & o constante desmatamento florestal. Iremos recriar Corujas-das-Neves, Rinocerontes Brancos & Leões-da-Montanha por um programa de computador enquanto permitimos conscientemente a aniquilação do seus habitats?

“Natureza Discreta” é, para mim, a pior produção do ano, não por seu caráter técnico, mas por sua moralidade, pela ética do programa, já que é vendida como sendo um documentário. Diferentemente de outras produções da Netflix como o sensacional “Nosso Planeta” — que é perfeito ao mesclar cenas incrivelmente belas (& tristes) com a fomentação de uma consciência ambiental — ”Natureza Discreta” orgulha-se de uma Coruja-Buraqueira reunir lixo para sobreviver.

E ai, gostou do texto? Escreva nos comentários, estamos ansioso para saber sua opinião!

--

--

Renan Honorato
Besouros Verdes Gigantes

Como diria Trevisan: tira essa câmera de mim e vai ler um livro! Crônicas, análises e resenhas. Às vezes, um conto. Às vezes, um tonto.