Tempestade de Ódio

Como The Boys retrata as tendências fascistas da sociedade na atualidade

Tales Fernandes
Besouros Verdes Gigantes
6 min readOct 22, 2020

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Depois de um primeiro ano bem comentado, a segunda temporada de The Boys não deixou a desejar, e mostra que a série pode ir além de sátiras com o gênero de super-heróis, trazendo em seu segundo ano críticas em diversos pontos políticos e sociais. Mas o ponto desse texto não é discutir apenas sobre a qualidade dessa temporada em si, mas também sobre as incriveís semelhanças encontradas na série com o momento em que vivemos hoje, praticamente no mundo inteiro.

— — — — — →SPOILERS DE THE BOYS DAQUI EM DIANTE← — — — — —

Notável o trabalho feito no roteiro da segunda temporada da série - Por Seth Rogen, Eric Kripke e Evan Goldberg - que joga na cara do telespectador praticamente o tempo inteiro alfinetadas ao movimento reácionário e negacionista que vem (re)surgindo, principalmente nos EUA, onde em Charlottesville, no Estado americano de Virgínia, em 2017 o mundo inteiro se chocou com um protesto de extrema direita, onde centenas de homens e mulheres protestaram carregando tochas, fazendo saudações nazistas e gritando palavras de ódio contra negros, imigrantes, homossexuais e judeus.

Manifestantes carregando tochas marcam a história de grupos supremacistas como a Ku Klux Klan — Foto: Reuters

Já na segunda temporada da série, logo no primeiro episódio vemos que a empresa Vought manipula as informações sobre a morte do super Translúcido, com direito à um espetáculo no “funeral” do herói(até porque não sobrou muita coisa pra colocar ali mesmo, caiu como uma luva que o poder dele era o de invisibilidade) e ao final dele somos apresentados ao novo reforço do grupo Os Sete, a heroína Stormfront.

Stormfront chega já fazendo uma live no instagram, e apresenta uma enorme influência na internet durante toda a temporada, comovendo pessoas com seu discurso de ódio aos imigrantes ilegais, constantemente dizendo que eles seriam superterroristas em potencial. Isso se escancara totalmente no episódio 7, onde começamos acompanhando um fã da Stormfront, que influenciado pelo discurso repetido diáriamente na Tv e internet, acaba assassinando um dono de loja por desconfiar que ele fosse um superterrorista.

Fã da Stormfront, prestes a assassinar um homem inocente incentivado pelo discurso propagado pela heroína Reprodução: Primevideo

Mais tarde descobrimos que na verdade Stormfront se tratava de uma antiga heroína, Liberty, uma “heroína” nascida em Berlin em 1919, esposa de Frederick Vought, o fundador da famosa empresa que “comercializa” os supers, e com ele fazia parte do círculo íntimo de figuras como Adolf Hitler, Heinrich Himmler e Joseph Goebbels, a alta cúpula do Partido Nazista Alemão. As informações sobre o passado de Stormfront são vazadas para a imprensa, e a nazista vê toda a opinião pública se voltando contra ela.

Nazi stormfront hitler star, run her over with your car” “Tempesta nazista, estrela do Hitler, atropele ela com seu carro”

Em certo momento mesmo Homelander, o Capitão Pátria — até aqui um dos personagens mais psicopatas e desprezíveis — fica visívelmente confuso com uma fala da Stormfront sobre “genocídio branco”. Em momento algum The Boys tenta disfarçar para quem se direciona essas críticas, e tira sarro da cara do nerd reaça bem debaixo do serviço de streaming dele, ridicularizando Stormfront, que soa como uma lunática até mesmo para Homelander.

Reprodução: Primevideo
“Mas que m*rda eu acabei de ouvir?”. Reprodução: Primevideo

Uma das personagens em que fica mais evidente as cicatrizes deixadas pelo ódio disseminado por Stormfront, é Kimiko. A mulher de descendência asiática integrante do grupo dos “Rapazes” vê seu irmão ser assassinado de forma cruel pela heroína, que mais tarde o incrimina em uma coletiva de imprensa pela destruição e morte que teria deixado durante uma suposta perseguição, quando na verdade foi a própria heroína quem matou todos que passavam pelo seu caminho.

Últimas palavras de Stormfront para o irmão de Kimiko. Reprodução: Primevideo

Para a felicidade dos fãs (e tristeza de alguns outros) vemos no último episódio Kimiko, Starlight e Queen Maeve colocando a heroina fascistóide em seu devido lugar, numa cena de “Girl Power” que deu aula na feita com a mesma proposta em Vingadores: Ultimato.

Francês, Hughie e Leitinho assistindo a aula das “Garotas”. Reprodução: Primevideo

A série finaliza com um gancho que deixa muito para se teorizar, já que não tem seguido os padrões da HQ de Gath Ennis e Darick Robertson, o que permite algumas surpresas ainda pelo caminho para a 3º temporada da série, que já foi confirmada, mas ainda não tem data de estréia.

— O Apito dos cães: Nosso próprio projeto de “Tempesta”

Não por coincidência, Stormfront é também o nome de um fórum neonazista, que muitos consideram o primeiro grande site de ódio racial na internet, que pregava discursos de ódio e supremacia branca. Fundado por um líder “reformado” da Klu Klux Klan, o site começou a operar em 1995, e só foi derrubado em 2017.

Assistindo a segunda temporada de The Boys, não conseguia parar de pensar que aquela figura não me era estranha, uma mulher “sem papas na lingua” com um discurso para inflamar simpatizantes da extrema-direita na internet, e depois me lembrei de uma tal Sara Fernanda Giromini, conhecida como Sara Winter, que sugeriu que deveriamos “Ucranizar o Brasil” e também conhecida por promover a organização de um grupo paramilitar que se instalou no Eixo Monumental da Esplanada dos Ministérios, em Brasília e se autointitula “a primeira militância organizada de direita no Brasil”, “Os 300 do Brasil”. ~tava mais para 30~

No fim de maio, a extremista de 27 anos, foi alvo de busca e apreensão pelo inquérito das fake news, em seguida publicou um vídeo afirmando ter vontade de “trocar socos” com Alexandre de Moraes, prometendo infernizar a vida do ministro e persegui-lo. Depois do vídeo e da declaração de Sara, diversos “fãs” dela foram nas redes do ministro ameaçando não só ele, como sua família.

Sara movimentou por meio de suas redes sociais seguidores que espalhavam as mesmas palavras de ódio, o mesmo padrão de “agrupamento por ódio comúm”, dos seguidores de Stormfront, seguindo um conceito estabelecido pelo filósofo francês Pierre Lévy reconhecido pesquisador das tecnologias da inteligência e investiga as interações entre informação e sociedade. É autor de obras seminais para o estudo da comunicação, como A inteligência coletiva e Cibercultura.

“O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.”

(LÉVY, 1999, p.17).

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Tales Fernandes
Besouros Verdes Gigantes

Estudante de jornalismo, sobrevivente do apocalipse e mestre pokémon.