É preciso proteger os animais silvestres

Mais de 35 milhões de espécimes são contrabandeados anualmente no Brasil; saiba como denunciar e ajudar

Sara Nedel Paz
Redação Beta
8 min readNov 16, 2021

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A sensação é de claustrofobia. Pavor, palpitações, ansiedade e confinamento. Pra piorar, asas cortadas, feridas, doenças, dentes arrancados, unhas mutiladas e alimentação inadequada. Tudo isso misturado com negligência, péssimas condições de vida e higiene. Quantos animais passam por isso?

De acordo com dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — Ibama com exclusividade ao programa Fantástico, entre os meses de janeiro e junho de 2020, ocorreu um aumento de 476% de apreensão de animais silvestres — o que representa 1.967 animais apreendidos durante esse período. No Brasil, cerca de 35 milhões de animais como esses são trocados e vendidos ilegalmente todos os anos. O dado alarmante revela a necessidade de que a população entenda mais sobre o assunto, saiba denunciar e tenha conhecimento sobre a existência de instituições que resgatam esses animais, para que eles sejam devolvidos às autoridades e voltem a natureza, quando possível.

Corujas em tratamento na ONG Voluntários da Fauna (Imagem: Divulgação/Voluntários da Fauna)

A veterinária Gleide Marsicano, voluntária da ONG Voluntários da Fauna, ainda complementa: “Muitas vezes as pessoas não se dão conta do mal que elas estão fazendo ao acolher um animal silvestre. Acham que estão fazendo um bem ao vestir um macaco como gente. Mas as necessidades dele nem sempre condizem com o que a pessoa espera. Tem que saber respeitar as características e a origem do animal. Por exemplo, querer dar banho porque o animal está 'fedorento'. Não, esse é o cheiro dele, e ele precisa ter esse cheiro. Então, mesmo que a pessoa tenha um animal legalmente, ela tem que se informar”, comenta Gleide.

A discussão sobre a possível sexta extinção em massa corre entre pesquisadores e cientistas do mundo inteiro, que alertam para o desaparecimento de espécies e biodiversidade a uma taxa alarmante em todo o planeta. De acordo com Vânia Nunes, de 61 anos, médica veterinária e diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, há um crescimento anual na apreensão de animais ilegais e, por esse motivo, existem redes de proteção pelo Brasil inteiro. “O Fórum Nacional apareceu, no início dos anos 2000, com a finalidade de organizar diferentes entidades de proteção e defesa animal para lutarem por políticas públicas de diferentes espécies do país — nós contamos com cerca de 140 afiliadas em todas as regiões”, conta.

A frase acima foi criada pelo @projetopapagaioverdadeiro, programa de conservação e combate ao tráfico da espécie. (Imagem: Divulgação/Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal).

Redes de apoio especializado crescem no Brasil

O Fórum está atuando há mais de 15 anos para construir uma nova sociedade, onde a compaixão pela vida animal seja um valor nacional, criando também um sistema de amparo através das afiliadas que provém cuidado direto para milhares de animais vítimas de abuso, abandono ou tráfico. Mas os desafios ainda são gigantes. Conforme Vânia, embora existam leis em análise na Câmara de Deputados, a maioria é para ampliar o comércio legal com a justificativa de que a legalização vai diminuir o contrabando e a retirada dessas espécies da natureza. Porém, ela destaca:

“Já existem trabalhos publicados em outros países que mostram que isso não é verdade. Não existe uma relação inversamente proporcional de que se legalizar a criação de animais silvestres, vá diminuir o número de traficados. É justamente o contrário, porque o custo desses animais criados em ambientes comerciais é muito elevado e quem legaliza, quer ganhar muito dinheiro. Em contrapartida o tráfico está ligado a uma série de ações que são consideradas degradantes. Eles pagam centavos para quem tira os animais da natureza — que normalmente são pessoas bem mais simples e sem acesso a recursos— e eles traficam esses animais em um número maior, com preços bem maiores. Não existe uma relação entre esses dois fatos, ao contrário, existe um apelo positivo e não uma diminuição”, esclarece.

Campanha de preservação animal do Fórum Animal (Imagem: Divulgação/ Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal)

O início desse trabalho do fórum, ainda quando ele estava embrionário, foi trabalhar contra o uso de animais em circos e para tração — principalmente cavalos. Depois disso, foi se estendendo e se diferenciando das entidades de proteção e defesa animal focadas em cães e gatos, principalmente porque vem crescendo a tendência de trazer outros animais como companhia. “Hoje, já é uma realidade a criação de coelhos e aves exóticas, e aí talvez esteja maior aproximação da questão da criação de silvestres. Temos visto, infelizmente, o crescimento de cobras como animais de estimação, e essas espécies precisam, como características biológicas e consagradas, viver na natureza”, enfatiza.

Outra discussão é sobre a relevância de fazer denúncias, já que é muito difícil para os órgãos de Segurança Pública descobrir práticas ilegais e irregularidades sem apoio. “Em alguns casos, é retirado até a anilha de um animal que morreu, para colocar em outro. Tem muitas práticas que demandam a ação de pessoas que presenciam situações irregulares. Para completar, a lei 9.605 de 98 tem menor potencial ofensivo que transforma situações em crimes afiançáveis. Nesses casos, as pessoas vão entrar na delegacia, pagar uma fiança e ir embora — continuando a prática do crime”, aponta.

Para Vânia, as campanhas de proteção aos animais são fundamentais para três pilares. O primeiro é o incentivo a denúncia; o segundo é ensinar para a sociedade que animais não são objetos e sim, seres vivos que tem necessidades; e o terceiro é combater as práticas ilegais. “Existe uma falta de políticas públicas que cumpra o que diz a constituição no artigo 225, parágrafo 1, inciso 7, sobre proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade, como maus-tratos. Não existe uma proteção do poder público constituído no país para proteger a fauna brasileira, seja ela de qualquer espécie animal”, evidencia.

Vários tipos de animais recebem tratamento na ONG Voluntários da Fauna (Imagem: Divulgação/Voluntários da Fauna)

O apoio vem de todos os lugares

A Voluntários da Fauna é uma organização sem fins lucrativos e que tem como criadora e mantenedora a Clínica Veterinária Toca dos Bichos. No último ano, mais de 4.000 animais da fauna silvestre foram recebidos e atendidos por eles. A Clínica Veterinária foi fundada em 1987, localizada no bairro IAPI, na Zona Norte de Porto Alegre, sendo a primeira clínica da cidade a prestar atendimento clínico e cirúrgico a animais silvestres. É importante destacar, que nem todos os animais vêm de situações ilegais. Alguns são encontrados nas estradas, estão feridos ou vivem com donos de forma regularizada.

Com um amor pelos animais correndo pelas veias, Gleide Marsicano, de 63 anos, é médica veterinária há quase 39 anos. Sua paixão por preservar e cuidar da vida animal vem desde a infância, com os ensinamentos do pai que trabalhava no Parque Zoológico de Sapucaia, e da avó que sempre teve grande admiração por aves. “O tráfico de animais é um grande problema no mundo inteiro e no Brasil, não é exceção. Há 35 anos era moda ter um macaco, dava um certo status. Depois de um tempo isso parou, mas aí veio a moda do papagaio, das cobras e agora está voltando novamente a dos macacos. Então, o que a gente nota é que tudo é modismo, e isso é preocupante”, revela.

Por esse motivo, a equipe composta por 12 veterinários da Toca dos Bichos vem batalhando para resgatar e ajudar todos os animais que puderem, torcendo para que eles possam voltar ao seu habitat natural — o que nem sempre ocorre. “Infelizmente, algumas sequelas do contrabando e da falta de qualidade de vida, fazem com que esses animais não consigam mais se adaptar. Quando isso acontece, o Ibama sempre nos ajuda a decidir a futura moradia desse animal”, informa. A veterinária conta que a relação entre o projeto e o Instituto Brasileiro vem desde a fundação, já que quando tudo começou, ainda não havia um especialista na região metropolitana de Porto Alegre, então uma nova parceria foi criada.

Um dos animais resgatados e tratados divulgado nas redes sociais do projeto Voluntários da Fauna. (Imagem: Divulgação/Voluntários da Fauna)

“Gostamos muito de trabalhar com o Ibama. A gente não tem autoridade nenhuma, somos apenas uma Clínica parceira que se colocou a disposição deles de forma voluntária. Então temos uma relação de troca muito interessante, se precisamos de algo para os animais resgatados, eles nos enviam e se temos algum material sobrando que eles necessitam, repassamos. Quando animais estão recuperados na clínica, analisamos se eles podem ser soltos e em qual local”, explica. Segundo ela, a parceria é tão forte, que eles também fazem sugestões de encaminhamento. Um exemplo, é o caso de um ouriço que foi levado para o Zoológico de Sapucaia. “Ficamos muito dependentes dos cuidados e cobranças desses órgãos, mas trabalhamos em parceria, afinal, todos ajudamos em prol da fauna. Às vezes eu estou com um animal que eu sei que a colega do Ibama entende mais, então a gente se comunica e se organiza sobre eles”, afirma.

Mesmo assim, o projeto precisa de doações e apoio da comunidade. Cada resgate demanda materiais específicos, de acordo com a alimentação e ferimentos do animal. “Graças ao apoio de todos, já tivemos muitos casos de animais recuperados. Inclusive aquelas Araras no Zoo de Gramado, as azuis, foi um trabalho de recuperação feito por nós. Além disso, devolver esses animais para seu habitat é nossa maior recompensa — quando conseguimos mantê-lo livre é simplesmente espetacular”, diz Gleide.

Você quer ajudar?

(Imagem: Divulgação/Voluntários da Fauna)

Para contribuir com a ong Voluntários da Fauna, basta depositar ou transferir para a conta da instituição no Banco Santander: Agência 0923, conta corrente 130015992, CNPJ 35.815.847/0001–09 ou pelo Pix 35815847000109.

As doações de alimentos, fraldas e outros materiais podem ser encaminhadas ao endereço da entidade, na Rua Marechal José Inácio Da Silva, 404, bairro IAPI, em Porto Alegre.

Para conhecer mais sobre a ong, confira suas redes sociais: Instagram @voluntariosdafauna ou facebook.com/voluntariosdafauna.

(Imagem: Divulgação/ Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal)

Para apoiar o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, basta depositar ou transferir para a seguinte conta: Banco Bradesco (237), agência 0200, conta corrente: 456264–0 ou através da chave PIX e CNPJ: 04.085.146/0001–38.

Outros planos de Doação disponíveis no site: forumanimal | Doe

Conheça o Fórum: Instagram @forum.animal, Facebook , Twitter @forumanimal e site.

Você sabe como denunciar?

O Ibama recebe denúncias, sugestões, elogios, reclamações ou solicitações através dos seguintes canais:

  • On-line: Acesse o Fala.BR — O registro da sua manifestação será feito por meio da Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação (Fala.BR)
  • Telefônico: 0800 061 8080 — Segunda à sexta, das 07h00 às 19h00
  • Chat: Acesse o Chat — Segunda à sexta, das 07h00 às 19h00

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