Ônibus será a biblioteca de uma escola em Garibaldi

O colégio de ensino fundamental terá espaço exclusivo para os livros e a leitura 65 anos após sua fundação

Kellen Dalbosco
Redação Beta
4 min readNov 20, 2018

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Ônibus doado pela prefeitura está sendo reformado e atenderá 145 alunos já no próximo ano (Imagem: Kellen Dalbosco/Beta Redação)

H á cerca de uma década, a realidade do bairro Fenachamp, em Garibaldi, começou a mudar. A calmaria da região, localizada no extremo oeste da cidade, deu lugar à presença do tráfico de drogas e ação de facções. Em meio a isso, a Escola Santa Mônica. Ela fica às margens da Rota do Sol e atende crianças do ensino fundamental, praticamente todas moradoras do bairro. Com escassez de recursos do Estado, os apoios para a sobrevivência da instituição vêm do apoio voluntário da comunidade. A iniciativa mais recente é a reforma de um ônibus antigo, doado pela prefeitura de Garibaldi, que em breve será a biblioteca dos 145 alunos da escola.

O veículo, fabricado em 1991, serviria para abrigar a sonhada biblioteca da escola, até então inexistente. A falta de recursos fez com que os planos mudassem. Por três anos, o ônibus ficou ao lado da escola e chegou a receber livros, mas nunca foi efetivamente usado como espaço de leitura.

Neste mês, começou a reforma que transformará o ônibus de prefixo 280 em um verdadeira biblioteca. O veículo, que já rodou por estradas do país pela Viação Sampaio, do Rio de Janeiro, está sendo reformado pelo LEO Clube Garibaldi, instituição ligada ao Lions Club Internacional.

Há 10 anos no Clube, a estudante de arquitetura Natália Gueno foi uma das responsáveis pelo desenvolvimento do projeto de reforma do veículo. Ela entende que a comunidade onde fica a escola tem uma distribuição de renda desigual, e uma parcela da população não tem acesso à educação de qualidade.

É com esse sentimento que o Clube desenvolveu o projeto ReformaLEO com o sentido de melhorar os espaços públicos, como praças ou, neste caso, o ônibus da Santa Mônica. “Constatamos a necessidade de reforma em um ambiente específico. A ideia é transformar a carcaça do ônibus, porque acreditamos que o incentivo e investimento à leitura e à educação, como um todo, são ferramentas-chave para o desenvolvimento dos cidadãos”, comenta Natália. Ela ainda acredita que inserir as crianças em um ambiente de leitura é imprescindível para desenvolver competências de criatividade, imaginação e aprendizagem.

O projeto foi desenvolvido por voluntários estudantes de arquitetura do LEO Clube Garibaldi. A ideia é propiciar um espaço de harmonia e convívio, que incentive os estudantes a leituras no local (Imagens: Divulgação/LEO Clube Garibaldi)

Diferentemente do projeto acima, a escola construída em 1953 apresenta sinais de deterioração. O forro, em algumas partes, ameaça cair. Janelas não abrem e fecham corretamente. Além disso, a ocupação das cinco salas impedem que haja um espaço destinado exclusivamente à biblioteca no prédio principal da escola.

Uma sexta sala é a de apoio, que auxilia alunos com dificuldade de aprendizado. Dos 145 alunos, 15 precisam de reforço escolar. Segundo vice-diretora, Ana Paula Ogliari, o número poderia ser maior se os pais se convencessem a procurar ajuda para os filhos. Muitos não têm diagnóstico, mas precisariam receber atenção especial no aprendizado. A biblioteca, uma vez inaugurada, pode ser mais um espaço para o apoio escolar.

Erguida em um pátio de um hectare de terra — algo equivalente a 10 mil m² — a escola é toda cercada e a entrada se dá por um portão automático, controlado da secretaria. As janelas cinzas, com grandes da mesma cor, protegem as salas da escola de furtos, embora casos já tenham sido registrados. Houve diversos registros depredações até o ano passado. Mas a escola resistiu.

A escola é pouco visível nas margens da Rodovia Rota do Sol. O que chama a atenção no local são as árvores e espaços verdes, que contrastam com a cor típica do prédio, o branco e cinza (Imagem: Kellen Dalbosco/Beta Redação)

A partir do ano que vem a Escola Santa Mônica deixará de compor a lista de 45,7% de escolas brasileiras que, atualmente, não têm biblioteca ou salas de leitura, segundo dados do Censo Escolar de 2017.

“Eu queria mesmo era uma biblioteca fora daquele ônibus, porque o cheiro lá é muito ruim”, desabafa Alice, 12, aluna do sexto ano. Ela se refere ao ônibus da forma como estava até o mês passado, antes do início da reforma, com mau cheiro e sujeira. Bruna, 13, da mesma turma, também entende a importância da leitura na sua formação: “o que mais gosto é de ler”.

A vice-diretora acredita que a aproximação dos alunos com os livros, de maneira mais apropriada, irá colaborar com o processo de desenvolvimento de crianças que convivem com a desestruturação familiar. “O ônibus contribui neste cenário porque vai ser um novo espaço em que os estudantes irão aproveitar, um incentivo maior à leitura. Infelizmente esta área (leitura) é muito restrita na escola”, desabafa Ana Paula.

As crianças ainda não sabem sobre a reformulação do ônibus, que ganhou o apelido de Bibliobus. A partir de 2019 Bruna, Alice e mais uma centena de alunos não precisarão mais atravessar a rodovia para buscar livros na Biblioteca Pública de Garibaldi, a pouco mais de três quilômetros da escola. Enfim, vão ter uma biblioteca para chamar de sua.

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