42 km por Miguel

Após uma gestação delicada, jornalista treina por três anos e corre maratona em homenagem ao filho

Anderson Guerreiro
Redação Beta
6 min readOct 29, 2018

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Marcelo Matusiak e o filho Miguel, pouco antes da chegada da maratona. (Foto: Foco Digital/Divulgação)

Marcelo saiu de casa cedo naquela manhã de domingo, 10 de junho de 2018. A chuva ia e vinha. Às 7h30, no estacionamento do BarraShoppingSul, ele iniciaria um dos maiores desafios da sua vida: correr a Maratona Internacional de Porto Alegre. A meta era completar o percurso, sem preocupação com o tempo. Os 10 mil corredores percorreram diversos bairros da capital gaúcha por variados motivos. O de Marcelo nasceu no dia 24 de janeiro de 2015 e se chama Miguel.

Corria o mês de abril de 2014 quando o jornalista Marcelo Matusiak, 38, e a esposa Juliana Cardoso Matusiak, 32, souberam que, depois de inúmeras tentativas, teriam o primeiro filho. Em seguida, a nova surpresa: seriam gêmeos. O enxoval começou a ser montado duplamente. A família inteira estava empolgada.

Em agosto, porém, no quarto mês de gestação, o casal descobriu que havia perdido um dos bebês. Por serem bivitelinos, os maiores prognósticos indicavam, no entanto, que o segundo feto estava saudável. Naquele momento, Marcelo fez a promessa: se a gestação tivesse uma sequência positiva e Miguel nascesse bem, correria uma maratona. “Pus uma coisa grande, queria algo que fosse realmente difícil de se atingir”, relembra.

Miguel nasceu plenamente saudável. A preparação para a maratona começou.

Sua rotina mudou desde o nascimento do filho, um pouco também em função da intensificação dos treinos. Pela agenda apertada, muitos treinos acabaram ocorrendo no horário de almoço. Após a corrida, Marcelo precisava retornar ao escritório da sua empresa de assessoria de imprensa, no bairro Passo D’areia, na Zona Norte. No final de semana, vieram os chamados “longões”, treinos com distância superior a 30 quilômetros e que duram mais de três horas.

A corrida já era um hábito, mas a meta de completar os 42 km da maratona e, também, perder peso colocaram Marcelo frente à necessidade de readaptar seus costumes, inclusive alimentares. Os treinos passaram a ocorrer três vezes por semana. Dois de uma hora em dias úteis, no intervalo do trabalho, e um mais longo, aos sábados. Com o tempo, as distâncias percorridas nos treinos foram aumentando.

Para auxiliar em sua evolução física, Marcelo recebeu acompanhamento de dois profissionais. Um deles é o educador físico Márcio Rocha, que trabalha há mais de uma década com preparação para corridas. O outro é a nutricionista Juliana Bueno. O jornalista entende que “a corrida não pode ser um sofrimento” e, por isso, a busca de profissionais que possam orientar a preparação é fundamental. “Nada pode ser desculpa. Tudo tem que dar um jeito. Se está chovendo, o treino vai ter que ser com chuva”, resume.

Em um grupo privado no Facebook, Marcelo atualizava a família e amigos sobre os treinos e a 42 dias da maratona iniciou postagens diárias com as lições que havia aprendido se preparando para a corrida. “Feita a promessa, cumprir ela se tornou o foco. Um monte de coisas aconteceram ao redor disso, mas cruzar a linha de chegada da maratona é o foco”, escreveu nove dias antes da maratona.

A preparação de Marcelo para a 35ª Maratona Internacional de Porto Alegre incluiu corridas de 5, 10, 16 e 21 km. Nas viagens, os treinos não paravam. Fosse a trabalho ou a lazer, algum período do dia era dedicado à corrida. As ruas, estradas e parques de Bento Gonçalves, Santa Cruz do Sul, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Maceió, Suécia e Estados Unidos acolheram o corredor durante a preparação.

Os treinos para a maratona eram compartilhados com a família e amigos em um grupo do Facebook (Imagem: Facebook)

Dia da corrida

Marcelo se sentia preparado, física e mentalmente, para aquela maratona. Nunca havia, no entanto, corrido uma quilometragem tão alta. “Para domingo, aplauda não apenas os líderes da elite. Batam muitas palmas para os últimos da fila. É engraçado, mas quem incentiva um ‘estranho’, um ‘total desconhecido’, não faz ideia da força que está nos transmitindo”, pediu Marcelo a cinco dias da prova no grupo do Facebook.

Durante o trajeto, o corredor ouvia mensagens de incentivo da família, incluindo sua mãe, Marilena Matusiak. Segundo Marcelo, uma pessoa especial na jornada. Além das mensagens de apoio, esteve presente em todas as corridas e presenteou o filho com o tênis que foi usado para cumprir a promessa. Além disso, foi à missa com o ele para receber a bênção na véspera da maratona.

Na maratona, Márcio, seu preparador físico, o acompanhava de bicicleta, mais ou menos próximo, dependendo dos locais por onde passavam. Tristeza, Cristal, Menino Deus, Praia de Belas, Cidade Baixa, Centro, Bom Fim, Santana e Azenha foram alguns dos bairros percorridos.

Aquela manhã de domingo iria materializar o trabalho de quase três anos. Não podia, naquele momento, dar errado, mesmo que Marcelo tivesse largado como um atleta amador. “O cara que é atleta (profissional) e vive disso acorda, vai para a academia, treina, e faz refeição com nutricionista. Hoje sou pai, tenho um filho para vestir e levar para a escola, tenho uma empresa para cuidar, três empregos que estão sob a minha responsabilidade, tenho que pagar os boletos, gerir uma vida e, nos intervalos de almoço, eu corro”, afirma.

Na linha de chegada, a família inteira aguardava. Até os 36 quilômetros, mantinha um ritmo constante na maratona, sem qualquer percalço. Dali em diante, uma lesão antiga no pé reapareceu, junto às cãibras. Próximo do quilômetro 40, as dores tornavam-se quase insuportáveis.

Era visível a exaustão física e emocional. “Papai, tô te esperando”. Marcelo ouviu no fone uma gravação do filho Miguel, que o aguardava na linha de chegada. Foi o gás que precisava. “Faltavam dois quilômetros, não podia parar. Estava com medo de ter cãibra e cair”, relembra.

O preparador físico atualizava a família, em um grupo de WhatsApp, com fotos e vídeos de Marcelo durante a corrida. No quilômetro final, eles seguiram por caminhos diferentes. “Já acompanhei outras provas, de vários tipos, mas a emoção não foi tão grande como foi essa com o Marcelo devido a todo o propósito de se fazer essa maratona”, afirma Márcio.

Ao retornar para a Avenida Diário de Notícias, Marcelo avistou a linha de chegada. Passava do meio-dia e ele estava a poucos metros de concluir o desafio de completar a maratona. Miguel, então, vai ao encontro do pai. O pequeno vestia uma camiseta com a frase “Parabéns, papai. Você conseguiu. 42 km”. Juntos passam a linha de chegada com 4h47 de prova.

A promessa estava cumprida.

Marcelo reencontra o filho no final da maratona e ambos ultrapassam juntos a linha de chegada (Foto: Foco Radical/Divulgação)

Novos desafios

Quase cinco meses depois, Marcelo ainda se emociona ao relembrar tanto a gravidez da esposa, quanto a preparação para a maratona e a corrida em si. “Até os 36 quilômetros eu corri. Depois Deus me levou, pois eu já não tinha mais perna. O que me fez chegar foi isso, saber que o Miguel estaria lá me esperando”. Juliana e Marcelo já têm planos para o segundo filho.

Nos esportes, o próximo objetivo do jornalista é completar o Ironman daqui a cinco anos. São 3,8 km de natação, 180 km bicicleta e uma maratona. As modalidades são praticadas sem intervalo e a prova costuma durar 12 horas. Os treinos, no entanto, precisam ser mais pesados.

O filho Miguel, que originou a promessa do pai para correr a maratona, parece já seguir os mesmos caminhos. Em novembro, irá correr a sua primeira prova, de 50 metros.

Juliana, Marcelo e Miguel: uma conquista em família (Fotos: Foco Radical/Divulgação)
Marcelo e sua mãe, Marilena

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