Ajuda mútua em busca da abstinência

Dependentes químicos em recuperação auxiliam no tratamento de outros adictos

Estephani Richter
Redação Beta
4 min readApr 17, 2019

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Os próprios internos são os responsáveis pela alimentação, limpeza e manutenção da casa e do pátio. (Foto: Estephani Richter/Beta Redação)

O coordenador do Centro de Atenção Urbana à Dependência Química (CAUDEQ), José Roberto de Souza, 47, foi usuário de álcool, maconha, cocaína e crack. Ele foi um adicto por 24 anos e, nesse período, perdeu a família e o emprego. Após muito sofrimento, em 2007 começou o tratamento na Comunidade Evangélica Amor à Vida, e, desde então, está em abstinência. Há 8 anos recebeu o convite para assumir a coordenação do CAUDEQ, atuando até hoje na entidade.

A dependência química é considerada doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde meados de 1960, sendo causada por fatores de predisposição genética, psicológicos e sociais. Não existe cura, pois o dependente químico em abstinência pode sofrer recaídas a qualquer momento. Porém, existem formas de tratamentos.

Para a psicóloga e coordenadora clínica do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (CEFI), Andréia Podolano, 50, geralmente é ainda na adolescência que a dependência química inicia. “É nessa fase que começamos a ver o que é experimentação e o que se torna um abuso que, futuramente, desencadeia a doença”, argumenta.

Segundo Andréia, a família também deve ser tratada junto com o adicto. Para a coordenadora clínica, esse núcleo pode proteger ou colocar em risco o tratamento do dependente. “A gente vai entender a dependência como um sintoma de algo maior que está acontecendo na família”.

A psicóloga da CAUDEQ, Aline Cristina Teles, 33, também pondera sobre a importância dos familiares na recuperação do dependente químico. Para a profissional, o acompanhamento e o apoio são essenciais, assim como o acesso aos dados sobre a doença. Entretanto, ela destaca que é necessário trabalhar o tema na sociedade de forma mais ampla, pois “a dependência química é vista com preconceitos. É preciso entender que esse é um problema de todos”.

Além disso, as psicólogas Andréia Podolano e Aline Cristina Teles também reforçam a importância da presença de um dependente químico em abstinência, chamado de residente, no tratamento, auxílio e acompanhamento dos adictos. “Percebo que os internos acabam se espelhando nestes dependentes em abstinência”, diz Aline.

Andréia explica que, como essas pessoas já vivenciaram as diferentes fases da doença, elas podem contribuir no tratamento de outros internos. “Isso é importante para o dependente químico que está em sobriedade e também para os que estão buscando a abstinência”, observa.

Recordar o passado para viver o presente

Por 24 anos, José foi dependente do uso de drogas. Hoje está em abstinência e ajuda outros homens que buscam a recuperação. (Foto: Estephani Richter/Beta Redação)

José Roberto de Souza começou com o álcool ainda na adolescência, aos 13 anos. A curiosidade o levou até a maconha aos 15, e, com o passar do tempo, a cocaína e o crack também entraram em sua vida. Foram anos nos quais ele se viu perdido e abandonado. Por causa das drogas, se tornou parte da população em situação de rua, onde viveu cerca de 15 anos. Desta fase de sua vida, a única recordação é o sofrimento que viveu.

“Eu não posso dizer que tive períodos felizes. Lógico que houve momentos de êxtase após o uso da droga, mas felicidade real, que a gente tem hoje em recuperação, eu nunca tive”, afirma José.

Após o tratamento na Comunidade Evangélica Amor à Vida, Souza também buscou o curso de especialização da área na Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT), trabalhando na casa em que o acolheu até o encerramento das atividades do local. Contudo, logo surgiu outra oportunidade de continuar atuando no tratamento de dependentes químicos, já que conhecia a presidente do CAUDEQ, Rosângela Scurssel. Ele ressalta que hoje é visto pelos outros como um membro da sociedade e conseguiu recuperar boa parte do que havia perdido, principalmente o contato com a família.

Pela própria experiência, ele percebe que o dependente químico no início do tratamento sente um pouco de desconfiança. Por isso, é essencial ter dentro das comunidades terapêuticas alguém que tenha passado pelas mesmas dificuldades, mostrando a relevância em insistir na busca da sobriedade. “Facilita o acesso a eles porque depositam essa confiança em nós como dependentes químicos em recuperação, e automaticamente conseguimos levá-los ao outro lado”, destaca. Ele conta também que busca ser uma referência, pois “sempre há uma solução”.

Irmãos de caminhada

*Antônio, interno da CAUDEQ, entrou muito cedo nos vícios de álcool e cocaína. Há oito anos começou a usar crack também. “Eu não era um usuário assíduo, mas quando usava, gastava tudo o que tinha e o que não tinha”, relata. Apesar de todas as dificuldades, a família sempre esteve ao seu lado. Para ele, as visitas mensais são a “gasolinada” que precisa para se manter forte. Sobre José Roberto de Souza e os outros monitores, o interno afirma com carinho que são seus irmãos de caminhada. Ele espera conseguir sair da casa e buscar um emprego para dar uma vida digna à esposa e filhos.

A CAUDEQ trabalha no tratamento de homens dependentes químicos acima de 18 anos. (Foto: Estephani Richter/Beta Redação)

O coordenador da comunidade terapêutica, José Roberto, reitera que para conseguir sair do vício é preciso persistência, pois não é uma caminhada fácil. “O segredo é nunca deixar de acreditar em si mesmo”, completa. Para as pessoas que ainda estão presas aos vícios, ele aconselha que aproveitem a oportunidade quando encontrarem algum local de auxílio.

“Nunca desista de você, nunca duvide da sua capacidade, e para isso não tem cor, não tem credo, não tem idade, não tem sexo, basta querer. Porque só existe uma pessoa que pode mudar a sua vida, você mesmo”, declara.

* Por segurança da fonte usamos um nome fictício.

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