CRÍTICA: A ascensão e queda de Walter White
Ego, escolhas e mentiras movem o protagonista de Breaking Bad
O que motiva uma pessoa? Cada indivíduo possui suas aspirações. A série Breaking Bad trabalha com excelência os limites morais e éticos de seu protagonista. Frustrado e acomodado com sua vida, Walter White (Bryan Cranston), professor de química em uma escola pública norte-americana recebe a notícia que está com câncer inoperável no pulmão. Após o prognóstico de uma morte certa e não tão distante, ele então resolve entrar no mundo do crime como fabricante de metanfetamina com o objetivo de deixar dinheiro para a mulher grávida e o filho com deficiência. O que se segue é uma história impecável sobre ego, escolhas e mentiras, idealizada por Vince Gilligan.
1º Temporada: Renascimento
A primeira temporada explora o começo da trajetória de Walter White no mundo do crime e o aparecimento de seu alter ego Heisenberg. O alter ego de Walter não é seu “lado malvado”, como acontece em Star Wars com Anakin Skywalker/Darth Vader. Na realidade, Heisenberg sempre esteve presente na vida do protagonista sendo sua contraparte parte ambiciosa e egocêntrica. Uma passagem que prova esse ponto é a fala de Walter para o parceiro Jesse Pinkman (Aaron Paul) ao ser questionado sobre o motivo de estar entrando na vida do crime. “Eu me sinto acordado”, ele responde. Heisenberg acordou.
Além disso, a temporada nos introduz ao principal fator que irá ditar os passos de Walter ao longo de toda a série: suas escolhas. No quinto episódio, temos o embate dele com sua família sobre não fazer o tratamento para o câncer. Durante a reunião familiar, Walter explica: “O que eu quero, o que eu preciso, é de uma escolha”. E isso reflete na ambição de Heisenberg ao longo do programa — de estar no controle e de tomar suas próprias decisões.
As escolhas feitas por Walter são sempre focadas em seguir em frente, ele nunca recua. O único momento em que demonstra o contrário é quando busca o menor dos motivos para poupar a vida do traficante Krazy-8 (Max Arciniega). Porém, é forçado a assassiná-lo para que ele mesmo possa sobreviver. Já no quinto episódio temos o primeiro vislumbre do que viria a ser Heisenberg nas temporadas seguintes, quando Walter encontra o traficante Tuco Salamanca (Raymond Cruz) e destrói seu esconderijo ao exigir uma parceria. O protagonista almeja distribuir a metanfetamina para mais regiões e assim gerar mais dinheiro, mesmo que isso ponha em risco a sua própria vida e a de Jesse.
2º Temporada: Adaptação
A segunda temporada desenvolve a vida particular de Walter enquanto ele se desdobra para conciliar as obrigações familiares e como fabricante de drogas, ao mesmo tempo em que foge das investigações de seu cunhado Hank (Dean Norris), policial que trabalha no departamento antidrogas. Sua relação com Jesse é estreitada, e é aqui que Walter começa a ver seu sócio como um filho. A série expõe que Walter Jr. (RJ Mitte), filho biológico do protagonista, idolatra Hank, que aos olhos do adolescente possui uma vida muito mais interessante que a de seu pai.
No nono episódio, quando Walter leva Jesse para uma viagem de quatro dias no deserto com o pretexto de produzir um estoque de drogas antes que o material supostamente estragasse, a verdade é que White pensa ter pouco tempo de vida, devido a um exame radiológico feito anteriormente. Nesse momento, ele vê em Pinkman não apenas um sócio, mas como o aprendiz que irá seguir seu legado e honrar a qualidade do produto que o mentor oferece. Além disso, a metanfetamina começa a ser produzida com a cor azul, que representaria a exclusividade de Walter. Ele não produz um produto qualquer, é especial e único.
No décimo episódio, Walter confronta Hank pela primeira vez na frente de toda a família. Durante uma festa para comemorar a remissão do câncer, ele serve bebida alcoólica para o filho adolescente, estimulando o garoto a beber sucessivos copos. Em determinado momento Hank tenta impedir, contrapondo Walter e levando a uma breve discussão entre ambos. A cena termina com Walter Jr. vomitando na piscina, enquanto Hank e Skyler (Anna Gunn), a mãe do menino, o socorrem. Heisenberg apenas aprecia o momento em que ele finalmente “venceu” o cunhado, obtendo o controle da situação e impondo sua autoridade, mesmo que a custo do bem-estar do próprio filho.
E também é nessa temporada que temos a cena mais difícil que Bryan Cranston precisou gravar, segundo o ator: a morte de Jane (Krysten Ritter), namorada de Jesse. Segundo o intérprete, para fazer a cena ele pensou em razões para salvar a garota e razões para deixá-la morrer, e no momento da gravação ele viu o rosto da própria filha, tornando a reação do ator mais legítima. E é compreensível, pois retrata a quebra da humanidade de Walter, ao assistir Jane ter uma overdose e não oferecer ajuda. Nesse momento, Vince Gilligan nos avisa que a partir daqui Heisenberg não terá escrúpulos nas suas escolhas.
A temporada termina com a colisão de dois aviões causada pelo pai de Jane, um controlador de voo abalado pela morte da filha. As ações de Walter agora não afetam apenas a ele e ao seu sócio, mas todos a sua volta.
3º Temporada: Embate familiar
Enquanto a vida secreta de Walter decola após começar parceria com o megatraficante Gus Fring (Giancarlo Esposito) — dono da rede de fast-food Los Pollos Hermanos — sua vida familiar afunda cada vez mais. Skyler pede o divórcio e descobre as atividades criminosas de Walter, enquanto é questionada por Walter Jr., que não entende o motivo que fez a mãe separar-se do pai.
É nessa temporada que vemos o polêmico episódio “A Mosca”, um divisor de opiniões entre os fãs. Apesar de alguns o considerarem dispensável, por quebrar o ritmo da narrativa, este é um dos melhores episódios da série. “A Mosca” trabalha os personagens através do simbolismo.
Aqui vemos que Jesse e Walter ainda não superaram a morte de Jane. Pinkman guarda em seu carro um cigarro com marca de batom usado por ela. Walter quase conta a verdade quando pede desculpas para seu sócio enquanto está sob efeito de remédio para dormir.
Por fim, a temporada encerra com um momento crucial para o futuro da série. À mando de Gus, com objetivo de substituir Walter por seu antigo fabricante de drogas Gale (David Costabile), o megatraficante ordena ao seu braço-direito Mike (Jonathan Banks) o assassinato de White. É nesse momento que vemos o quanto Walter mudou desde o início do programa.
Ao implorar por sua vida, Walter se transforma em Heisenberg em questão de segundos para tomar o controle da situação. Se o objetivo de Gus era substituir seu fabricante, Walter antecipou sua jogada ao procurar a residência de Gale para matá-lo antes. Mesmo quando o plano original dá errado, ele ainda tem a frieza de readequá-lo ao enviar Jesse para que matasse Gale.
4º Temporada: Uma partida de xadrez
Gale está morto e, consequentemente, Gus está impossibilitado de matar Walter sob pena de ficar sem um fabricante. Essa temporada é focada no embate estratégico entre os dois personagens. Ao mesmo tempo em que Gus tenta convencer Jesse a comandar o laboratório de metanfetamina sozinho, Walter pensa em uma forma de se livrar de Gus.
Com a morte de Gale, Hank mira em Gus como o principal suspeito de ser Heisenberg. Walter ajuda o cunhado nas investigações, mas sempre sabotando-o sem que ele perceba, provocando inclusive um acidente de carro para que Hank não chegue ao seu laboratório.
Com Jesse trabalhando diretamente para Gus e Mike, Walter envenena uma criança — o enteado de Pinkman — , para que pudesse retomar o controle emocional de Jesse. A relação deles sempre foi problemática, com Walter frequentemente utilizando de manipulação emocional e psicológica contra o jovem.
A temporada é concluída com a morte de Gus, planejada por Walter através de uma explosão em um asilo cheio de idosos e funcionários. O homem que no início da série era medroso e “certinho” não existe mais. Após assistir a namorada de Jesse morrer sem tentar salvá-la e envenenar uma criança, Walter transgrediu todos os limites éticos. Tudo o que importa para Heisenberg é estar no controle da situação.
5º Temporada: A queda
Hank — “Eu não sei quem você é, eu nem ao menos sei com quem estou falando”.
Walter — “Se isso é verdade, se você não sabe quem eu sou, então é melhor você agir com prudência”.
Esse é o diálogo entre Hank e Walter, quando o policial finalmente descobre a verdadeira identidade de Heisenberg. Todas as temporadas possuem um grande vilão definido. Na primeira é Krazy-8, na segunda Tuco, na terceira os primos de Tuco e finalmente na quarta com Gus sendo o principal antagonista de Walter. Na quinta, o jogo vira e Walter se torna o vilão, sem nada nem ninguém capaz de impedi-lo. Ele próprio diz para Jesse: “Você me perguntou se eu estava no negócio da metanfetamina ou do dinheiro. Nenhum, eu estou no negócio do império”.
Aqui é visto que o principal motivo de Walter permanecer como fabricante de drogas não é mais acumular dinheiro para sua família, pois isso ele já conseguiu há muito tempo. Agora o que move Heisenberg é o ego, é ver seu trabalho ter o reconhecimento que ele merece, é ser tratado como um gênio.
No sétimo episódio isso é demonstrado quando Walter relembra que foi ele que matou Gus e que ele é o criador da metanfetamina azul. Heisenberg faz Declan (Louis Ferreira), um competidor de Gus, dizer seu nome em alto e bom som, apenas com o intuito de proclamar seus feitos.
Se as mortes causadas durante o decorrer da série sempre eram justificadas por Walter como situações extremas para proteger a si mesmo e sua família, no sétimo episódio ele mata Mike por puro ego.
Diferente de como acontecia com Gus, Mike não confia e não respeita Walter. Isso o coloca em uma situação de inferioridade se comparado a seu antigo chefe. Nas palavras de Mike: “só porque você atirou em Jesse James, não faz de você um Jesse James”. Walter então contrata assassinos de aluguel para executar os homens que trabalhavam para Mike.
Porém, a mania de grandeza de Heisenberg também é a sua ruína. Após Walter ser enganado por Jesse, que agora está colaborando com Hank, ele acaba colocando acidentalmente o cunhado ao encontro dos assassinos. Walter implora sem sucesso pela vida do cunhado, que é morto friamente na sua frente na cena mais impactante da série.
Com a justificativa de dar uma vida digna para sua família, a empreitada criminosa de Walter acaba causando justamente o contrário: a destruição da vida daqueles que ele mais ama. Imediatamente, após a morte de Hank, em um último ato de fúria, Heisenberg admite para Jesse que viu Jane morrer e poderia ter salvado a garota, mas não o fez.
Então, depois de ser poupado pelos assassinos contratados, Walter sequestra sua filha bebê para chamar a atenção da polícia. Em uma ligação para Skyler monitorada pela a polícia, Walter livra a esposa de qualquer possibilidade de ser acusada como cúmplice de suas ações.
O fim
O câncer de Walter avançou, e após passar seis meses foragido das autoridades, White retorna à sua cidade para acertar contas com sua família e inimigos, e assim, concluir sua jornada.
Walter arma um elaborado plano para assegurar que o dinheiro acumulado por ele seja entregue aos filhos no futuro. Além disso, entra na casa onde Skyler mora e lhe entrega a localização do corpo de Hank. O diretor Vince Gilligan usa o enquadramento da câmera para mostrar como as escolhas de Walter o separaram da sua esposa e da sua família, simbolizando que não há mais volta (imagem abaixo).
Por fim, Walter mata os assassinos de Hank e liberta Jesse, que estava sendo mantido em cativeiro por eles e usado para produzir metanfetamina durante os seis meses em que esteve escondido. A série se conclui com a morte de Walter por suas próprias ações. Antes de morrer ele caminha pelo laboratório de metanfetamina, no lugar onde mais amava estar, mais do que com sua própria família.
