Placa que homenageia configuração familiar tradicional foi derrubada em março como forma de protesto. (Foto: Deivid Duarte/Beta Redação)

A defesa da família tradicional na política e seus impactos sociais

Deivid Duarte
Redação Beta
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4 min readApr 26, 2019

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Manifestações políticas que defendem o modelo familiar normativo acendem debate sobre o direito de outras configurações familiares.

Placa recolocada em 2019 traz o mesmo conteúdo do projeto de lei de 2000. (Foto: Deivid Duarte/Beta Redação)

No dia 23 de janeiro, foi recolocada em Porto Alegre a placa que oficializa o cruzamento da Avenida Princesa Isabel com a João Pessoa como a “Esquina da Família”. Nela consta o seguinte texto: “Pai, mãe e filhos: um modelo simples e distinto repetido infinitamente em toda a natureza”. A retomada da celebração da família tradicional foi proposta pela então vereadora, hoje secretária do Desenvolvimento Social e do Esporte de Porto Alegre, Comandante Nádia, PMDB.

Em uma transmissão ao vivo via Facebook, Nádia celebrou a recolocação da placa. Durante a live, a secretária declarou: “É uma placa, né, gente? Mas que tem um sentido extremamente enorme, um sentido de reposição dos valores, reposição da nossa cultura, reposição das coisas que nós de Porto Alegre tanto cultuamos e cuidamos”.

A Esquina da Família foi oficializada 19 anos antes de sua recolocação, resultado da Lei Municipal 8578, proposta pelo vereador João Antônio Dib, sancionada em 2000 pelo prefeito Raul Pont.

Ela está localizada em frente a um antigo ponto de tráfico da capital, o popularmente conhecido Carandiru, e ao lado do templo mórmon da Igreja Jesus Cristo Santos Últimos Dias. Para o presidente do eixo porto-alegrense da igreja, Alexandre Darif da Silveira, é difícil dizer se o projeto teve alguma ligação com a congregação, pois é algo antigo, mas a defesa da família tradicional é uma das bases da religião.

A família brasileira

A ação da secretária Comandante Nádia está em consonância com as políticas defendidas pelo atual Governo Federal. A tomada do poder por Jair Bolsonaro, em 2019, e a nomeação da pastora Damares Regina Alves para o recém criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, retomaram as discussões sobre o Estatuto da Família. O projeto de lei, desenvolvido em 2013, busca restringir a visão política da família àquela formada a “partir da união entre um homem e uma mulher”.

Apesar dessa onda política, hoje a família formada por pai, mãe e filhos, não é mais maioria. Essa configuração representa apenas 42% dos lares brasileiros, segundo dados do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em 2015. Além disso, desde 2011, o Supremo Tribunal Federal reconhece as famílias frutos de união homoafetiva como um núcleo familiar idêntico a qualquer outro.

Direitos da família

Para Cintia Burille, advogada e pós-graduanda em Direito da Família e Sucessões, não há espaço para as limitações previstas no Projeto de Lei do Estatuto da Família no direito de família contemporâneo.

Ao seu ver, projetos como esse representam “não apenas violação à Constituição Federal, que não exclui qualquer modalidade familiar, mas também, profundo retrocesso tanto para a sociedade quanto ao Direito de Família, que a passos de formiga vem ganhando, pouco a pouco, espaço e proteção jurisdicional”.

A advogada explica que a chamada Constituição Cidadã, aprovada em 1988, já previa a monoparentalidade (quando apenas um membro da família está presente) e dava abertura jurídica para outras modalidade familiares. “O entendimento da doutrina e dos Tribunais vem sendo cada mais frequente no sentido de reconhecer a existência de outras composições familiares, com base na interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988, em harmonia com princípios e garantias constitucionais”, comenta.

Da mesma forma, Paola Loureiro Carvalho, assistente social e especialista em Gestão de Políticas Públicas na perspectiva de Gênero e Etnia, vê essas medidas políticas com um certo alarme. Para ela, debater a família tradicional - formada por mãe, pai e filhos - é também um retrocesso sócio-histórico, que foge em absoluto da realidade das famílias no país.

Isso pois, a área do Serviço Social enxerga família como “um sistema aberto e vivo, em constante transformação. Heterogênea e cada uma com demandas específicas, mesmo que o foco seja um trabalho conjunto”, destaca Paola.

Segundo a assistente social, a família está em constante movimento, acompanhando as evoluções sociais. “A prova disso, é o crescimento acelerado de mulheres chefes de família, não só como responsável financeira, mas com total autonomia de decisão”enfatiza. Dessa forma, o governo deve acompanhar e espelhar as novas realidades sociais. “Além disso, o Estado não substitui a família, portanto ele deveria dar apenas suporte com políticas públicas e não restringir suas denominações”.

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