A desconstrução musical dos amores idealizados

Banda Lítera aposta em experimentações musicais e formatos diferenciados para a divulgação dos seus trabalhos

Graziele Iaronka
Redação Beta
6 min readApr 26, 2019

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A banda aproveita até os intervalos do almoço para ensaiar. (Foto: Graziele Iaronka/Beta Redação)

Bateria tocada com uma só peça. Lixas de ferragem usadas como instrumento. Adesivos colados pelas cidades para divulgar um disco. Clipe lançado pela ferramenta Story, do Instagram. Esses são alguns dos elementos que a banda Lítera, que aposta na mistura dos ritmos indie rock com pop, usa para conseguir se reinventar no cenário musical atual. Atualmente, o recurso “diferentão” que o grupo está usando para lançar ao mundo seu novo disco — Arquétipos — é produzi-lo previamente ao vivo, lançando vídeos no Youtube antes mesmo de gravar as músicas em estúdio.

Originada há 10 anos no bairro Sarandi, na capital gaúcha, a banda já teve diferentes formações. Hoje, a Lítera ganha vida e som a partir dos músicos André Neto (voz, violão e guitarra), Elaine Foltran (piano e teclado), James Pugens (baixo, escaleta e teclado) e Renata Crawshaw (bateria e percussões diversas). Para dar vida visual às produções, Martina Mombelli é responsável por cuidar das divulgações e filmagem dos vídeos da banda.

Com dois discos lançados— Um Pouco de Cada Dia (2009) e Caso Real (2015) — , a experimentação e a vontade de mudar são duas vertentes que a Lítera abraça. Última a entrar na banda, Renata conta que precisou mudar, se reinventar e pensar em formas de trazer um som diferente do que estava acostumada a tocar. Ou seja, teve que fazer várias adaptações. As lixas de papel, por exemplo, foram usadas na composição da música Nessa Casa, que vai fazer parte do terceiro álbum. O vídeo da faixa, aliás, foi o primeiro clipe do Brasil a ser lançado no formato Story, no perfil do Instagram da banda.

Música faz parte do terceiro disco da Lítera. (Vídeo: Canal oficial da banda no Youtube)

“Antes da Lítera, eu sentava numa bateria montada e tocava rock. Nesse projeto atual, por exemplo, eu toco cajón em uma das músicas. A única peça da bateria que eu uso mesmo é caixa e o tambor principal. Utilizo o bumbo leguero, que é bastante utilizado em bandas nativistas”, enfatiza a baterista sobre as mudanças do seu instrumento.

Com diversificadas referências, Elaine, que traz nas suas raízes o amor pelo piano, além de se adaptar ao teclado, agregou a sua voz às canções. A mudança de cada um tem como objetivo mostrar um trabalho em que todos estejam se desconstruindo, destaca Neto, que é o único integrante da formação original da banda. “O que fazemos não é nada novo mas, ao mesmo tempo, não é nada muito palpável e, sim, experimental”, diz.

A difícil tarefa de passar o chapéu

Sem shows no momento, cada integrante da Lítera possui uma profissão paralela. Tirando os direitos autorais das músicas anteriores, a banda não recebe nenhum valor. “Sem ter show, a gente não está ganhando dinheiro. Mas, ao mesmo tempo, a gravação é um processo que precisa acontecer, porque é preciso parar e se dedicar a isso”, explica o vocalista.

Com mais de 10 anos, Lítera está na pré-produção ao vivo do terceiro disco “Arquétipos”. (Foto: Martina Mombelli/Divulgação)

Com ensaios realizados nas casas dos integrantes, que podem acontecer durante o final de semana ou até em horários de almoço, a banda comenta sobre a busca de um investidor-anjo (apoiador que, além de investir financeiramente, acompanha o projeto), para a Lítera. “Tratamos a banda como um negócio. Queríamos encontrar um investidor-anjo para que possamos fazer tudo o que temos na cabeça com o mínimo possível. A ideia é fazer a gravação e depois fazer turnê”, explica Renata.

Além disso, hoje, no mercado musical, os músicos são a ponta do iceberg, opina Neto. Por trás de shows e gravações, há muitas batalhas. “Na verdade, existe uma montanha de coisas. A música em si é só a ponta. A Ivete Sangalo falava que o show é 2% da vida de um artista. O pré e pós é muito trabalhoso”, complementa Neto.

Você já viveu um amor impossível?

Adesivos ganharam espaço por diferentes lugares do mundo. (Foto: Martina Mombelli/Divulgação)

Ao caminhar nas ruas da capital gaúcha, não é raro encontrar adesivos pelos postes e pelo chão com a pergunta “Você já viveu um amor impossível?”. Por trás dos adesivos está uma das músicas da Lítera, que apostou nos souvenires como uma forma de se aproximar das pessoas. Ligado ao disco Caso Real, a frase faz parte da canção que fala do caso de amor de Domitila e Dom Pedro I que viveram um amor impossível durante sete anos. A escolha da frase veio da ideia de instigar as pessoas a pensar: o que é impossível? Quais são os amores impossíveis atualmente? Para a banda, essa é uma maneira, também, de atrair a curiosidade das pessoas.

“Impossível, na verdade, dentro da música, muitas vezes é combustível para você tentar. É impossível até alguém ir lá é fazer. Muitas coisas no mundo já foram impossíveis até alguém decidir que tem que ser feito”, explica Neto.

Frase faz parte da música do segundo disco da Lítera. (Foto: Graziele Iaronka/Beta Redação)

A primeira tiragem teve aproximadamente 800 adesivos. Os primeiros foram colocados de madrugada e de dia. Os integrantes contam que ficaram receosos com a possibilidade das pessoas interpretarem o gesto como vandalismo. Porém, depois de alguns dias, os adesivos começaram a ser bem vistos, ganhando ainda mais apreço. “Os guris colocaram muitos no chão, porque as pessoas não olham para cima, vivem olhando para o celular”, contextualiza Renata.

Os adesivos não ganharam espaço apenas em Porto Alegre, mas também no mundo. As frases foram colocadas em outras cidades brasileiras e até mesmo em outros países — como Portugal e França, por exemplo — por meio das turnês que foram feitas anteriormente pela banda, no início da carreira.

Pugens com a placa “Você já viveu um amor impossível?” durante o Carnaval de Porto Alegre. (Foto: Martina Mombelli/Divulgação)

A partir dos adesivos, muitas pessoas começaram a responder sobre os seus amores impossíveis. Renata explica que não foram respostas romantizadas, mas sobre as relações como um todo, por exemplo, entre mães e filhos. Pugens conta que, durante uma ação de Carnaval, carregava uma placa com a pergunta e distribuía pedacinhos da música em troca de um like nas redes. Até que, em determinado momento, ele foi abordado por duas moças. Uma delas contou que, por causa do trecho da canção, havia se declarado para a sua amiga.

Diante do impacto dos adesivos, Neto traz a questão do legado da música, em que essa vai além de uma letra e, por isso, os artistas devem pensar no que querem deixar para a sociedade pois, na sua opinião, tudo está muito efêmero. Além disso, ele enfatiza a importância da união de uma banda.

“Tenho um respeito muito grande por todos que já trabalharam na Lítera. Não foi ignorado nada do que já foi feito desde o início. Por exemplo, a Renata escuta coisas que já foram feitas e mescla com os conhecimentos dela. O James, na divulgação dos adesivos, colocou um cartaz ‘Você já viveu um amor impossível?’ e foi caminhar no meio da Avenida Paulista em um Carnaval para conversar com as pessoas. Todos entendem, respeitam e contribuem para a história da banda. Porque a Lítera não é de alguém. Ela serve como uma ferramenta para nós, em conexão com o público.”

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Graziele Iaronka
Redação Beta

Estudante de Jornalismo e criadora da Costurinhas de Amor