A história sem palanque: Esquina Democrática vazia em dia de eleição denuncia descaso
Tombado pela Prefeitura de Porto Alegre, espaço carece de atenção e fomento pelo setor público
Política, comícios, discursos, arte de rua e muita gente. Esta é a descrição que remete todo porto-alegrense à Esquina Democrática. Pelo menos, deveria ser. Hoje, o ponto de encontro da cidadania e democracia em Porto Alegre serve mais como endereço para um número enorme de vendedores ambulantes. A famosa esquina que cruza a rua dos Andradas com a avenida Borges de Medeiros passou o dia praticamente vazia, neste domingo (2) de eleição.
No mês passado a Esquina Democrática completou 25 anos de tombamento histórico, ocorrido em 17 de setembro de 1997, pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc). O espaço cumpriu papel marcante e fundamental no movimento das Diretas Já, na luta contra a ditadura, como ponto fixo da resistência nos anos 1980.
“Isso aqui lotava de gente. Nós reuníamos milhares de pessoas. Seguíamos também para a frente da prefeitura. Ali, em 13 de abril de 1984 teve o comício das Diretas Já ‘O azar é deles’, em uma sexta-feira 13, com mais de 100 mil pessoas”, conta Hamilton Garcia Leite, 54 anos, artista, que trabalha com artes cênicas de rua e discursou no local em 84. Para ele, o reconhecimento deve ir além de um tombamento simbólico. “Aqui deveria ter um grande memorial pela democracia, com atividades periódicas. Aqui que a gente lutou contra a ditadura e pela democracia do país. E é aqui que continuamos lutando. É extremamente importante, aqui foram construídos os primeiros discursos e movimentações pela redemocratização do país e do acesso à cultura”, disse.
Sobre o processo eleitoral de 2022, Leite defende: “Nós não estamos em uma eleição, estamos em um plebiscito. Ou a gente quer arte, educação, saúde ou quer arma, genocídio, preconceito”.
Arte e política unidas pela democracia
O Ói Nóis Aqui Traveiz é um dos grupos de teatro de rua que tiveram a Esquina Democrática como palco infinitas vezes. “Tu imaginas como é triste pra gente ver este lugar antes da obra, quando foi liberada para tráfego de automóveis e nós tínhamos que nos apresentar em disputa com os carros”, relata Tânia Farias, 48 anos, integrante do grupo teatral. Ela destaca quão emblemático e marcante foi o momento de retirada do púlpito público que havia ali. “Nós, da arte de rua, pouco usávamos o púlpito. Mas o fato dele estar ali era um marco de que este lugar na cidade não à toa se chama Esquina Democrática. Hoje nós vemos um símbolo importantíssimo da democracia que foi completamente esvaziado, sucateado e destruído”, lamenta.
Saudosista dos anos de ouro da Esquina Democrática, o artesão Raul José Rodrigues, 70, que há 40 anos comercializa sua arte no centro da Capital, sente falta das antigas manifestações. “Eu estou achando muito quieto. A juventude era mais fervorosa em defesa dos seus ideais. Hoje eu não vejo isso, nem muito patriotismo. Porque ser patriota não é ser militar, né? Meu pai era militar, da Marinha, então eu passei tudo isso. Por isso eu não quero ditadura nunca mais.”
Atualmente a região tem trechos fechados para canteiro de obras do projeto Centro+, da prefeitura. Contudo, ainda que sem o púlpito, há espaço para que se retome o uso deste espaço que marcou a história da política na capital gaúcha.