Os brechós são sementes de futuro

Conceito de moda circular vem sendo adotado como opção sustentável para renovar o guarda-roupa

Milla Lima
Redação Beta
5 min readOct 4, 2022

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A fast fashion trata-se de um modelo em que as roupas e demais produtos são confeccionados, comprados e descartados rapidamente. (Imagem: Pexels/Tom Fisk)

A cada segundo que passa, um caminhão de lixo cheio de sobras de tecido é queimado ou descartado, sem chance de ser reciclado ou reutilizado. Além disso, a maneira como a indústria da moda funciona, popularmente chamada de “fast fashion”, é responsável por 1,2 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa por ano pelo fato de não aderir a um sistema circular, tendo roupas sendo desenhadas, produzidas e comercializadas em países diferentes do mundo a todo momento. Esses dados são do relatório desenvolvido pela fundação Ellen MacArthur, em parceria com a estilista Stella McCartney, e mostram o quanto a parte da indústria que ainda não está se conscientizando contribui com a falta de cuidado com o nosso planeta.

Porém, não são todos os amantes da moda que colaboram para essa destruição. Em contrapartida, os brechós online têm se popularizado rapidamente sendo o mais novo costume entre os jovens, o que auxilia na remodelação de tendências. Buscando “#brecho” no Instagram, a somatória de publicações é de cerca de 6,5 milhões.

Para Laura Manzoni, que por dois anos foi dona do Pêssego Brechó, mas continua uma compradora assídua, a narrativa sustentável foi um dos motivos que a inspirou a colocar a mão na massa e entrar na onda de ter o seu próprio brechó online. Com a abundância de conteúdos sobre consumo na plataforma e a grande facilidade de abrir uma conta, não foi difícil para a estudante de relações humanas se sentir influenciada por esta onda.

“O que eu via me fazia refletir sobre nossos hábitos e como eles impactam o mundo. Depois que comecei a acompanhar muitas páginas falando sobre sustentabilidade e mostrando o consumo desenfreado da fast fashion, fui percebendo que aquele não era mais o caminho que eu queria seguir", comenta Laura.

"Depois de ler que a produção de uma calça jeans consome mais de 5 mil litros de água, criei o Pêssego Brechó. Tive muitas trocas legais e notei que mais gente está pensando no impacto ambiental da indústria da moda”, destaca Laura, que tem orgulho de possuir um armário com mais roupas vindas de brechó do que de lojas de departamento.

Foi durante o levantamento feito pela Vicunha Têxtil, a maior indústria têxtil da América Latina, que se soube que a produção de uma calça jeans, desde o plantio do algodão até o consumidor final, necessita de mais de 5 mil litros de água. (Imagem: Pexels/ MART PRODUCTION)

Mas o que são esses conteúdos que têm se destacado no Instagram? Uma ótima pessoa para explicar isso é Luana Guerra, fundadora da Guerra Customs, que trabalha com upcycling e rework, ou seja, ressignifica peças em desuso e cria roupa através de roupa, resultando em peças únicas e exclusivas, além de muito mais benéficas para o meio ambiente.

“O upcycling consiste, basicamente, em dar um novo propósito a materiais que seriam descartados, com criatividade e qualidade igual ou até melhor que a do produto original. Transformar através do upcycling, além dos incentivos ambientais, é propor que cada peça seja feita e pensada de maneira original, podendo envolver técnicas artesanais, integrando cultura e trazendo um novo conceito a roupa. Já o rework é reaproveitar a peça e trabalhar no design dela, como cortar um blazer e transformá-lo em um cropped. A peça é apenas modificada”, explica Luana. A jovem também revelou ter como uma de suas motivações durante o início de sua marca, o incômodo de saber que o jeans é um dos tecidos mais poluentes.

A Guerra Customs tem 1.612 seguidores no Instagram e, ao trabalhar com upcycling, pode transformar uma peça em outra, como uma saia feita de gravatas, como mostra o editorial de moda. (Imagem: Reprodução/ Guerra Customs)

Kati Jardim não se diferencia. A proprietária do Garimpoa Brechó frisa a ideia de um guarda-roupa consciente e acredita que esse é um começo para muitas pessoas. “Eu estou muito feliz com o Garimpoa, to dando meu sangue e já estou vendo o resultado dessa dedicação. Acho que devemos ser a mudança que queremos no mundo. Todos os brechós são sementinhas que vão render muitos frutos. Eu sempre fico refletindo sobre o que eu posso fazer na prática quando algo me incomoda na sociedade, e essa questão do brechó é a maneira que eu vi de contribuir, é muito gratificante. Ver as peças chegando na casa das clientes e tendo elas felizes com a compra, é mais uma roupa que não vai ser descartada e ter uso por mais tempo, ganhando uma nova história na vida de alguém”, explica Kati.

A jovem defende o processo da moda circular, que passa pela fabricação, varejo, consumo, reutilização e customização e, finalmente, vai para a indústria de reciclagem, onde é transformada, retornando novamente para o primeiro passo, a fabricação.

“É a única maneira de eliminar o desperdício e frear este descarte descontrolado, a moda circular faz a gente contribuir para a moda sustentável, não tem outra maneira”, destaca Kati.

Faça parte desta conscientização

Com o relatório da fundação Ellen MacArthur afirmando que muita coisa precisa mudar para que o setor da moda não seja, até 2050, responsável por 1/4 das emissões de carbono do planeta todo, existem propostas para cada um fazer a sua parte. Laura, Luana e Kati são três mulheres que estão conscientemente colaborando para uma das soluções sugeridas, defendendo que a indústria deve se aproximar da economia circular, garantindo que as peças sejam passadas de mão em mão, sendo ou não, modificadas e ressignificadas a partir das novas tendências.

Porém, a fundadora da Guerra Customs teme que só isso não seja suficiente. “Essa previsão para 2050 é bem otimista. Com a aceleração do consumo, acredito que até 2030 vamos sofrer todos os danos por não sermos assertivos no meio de produção. Precisamos sair da zona de conforto e ver que a moda que nós conhecemos não tem mais como existir. Precisamos buscar novos meios de produção e consumo. Isso leva a pensarmos além da caixa e em conjunto, buscando alternativas benéficas, como comunidade e como um todo”, explica a designer.

Luana também acredita que essa mudança deve partir de todos que atuam no ramo, pois somente assim poderá ter o efeito esperado. “Eu como designer, fico feliz quando conheço novas marcas se adaptando com o segmento sustentável, inclusive, até quando vejo grandes magazines levando essa pauta a sério, não usando apenas como marketing para se vender como uma marca green (ou verde). Precisamos ter consciência que fazemos parte desse sistema, aqui é a nossa casa, não temos uma segunda casa, e depende apenas de nós para sermos a mudança que queremos ver. Pode ser lento o processo, mas está acontecendo”, opina.

Ou seja: você leitor ou leitora, na próxima vez que for renovar o seu guarda-roupa, entre no Instagram em vez de ir para o shopping. Confira a marca @guerra.customs e o brechó @garimpoa_ que ajudaram a realizar esta matéria, e siga outras indicações sustentáveis a seguir.

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