A influência e as diferenças das manifestações de 2013 para as atuais

Atos da época foram o estopim e retomaram o caminho de mobilizações pelo país

Elisa Ponciano
Redação Beta
4 min readJun 7, 2019

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As manifestações de 2013 e as atuais apresentam pautas semelhantes, mas hoje são mais polarizadas (Foto: Tiago Lourenço)

O que iniciou como um movimento de protestos contra o aumento das passagens até hoje se faz presente na memória da população. De 2013 para cá, o cenário político brasileiro se modificou, mas as manifestações daquele período foram propulsoras para as atuais.

A ocupação das ruas pela sociedade para reivindicar demandas sociais ou demonstrar insatisfações não é de agora. No início do século passado, a população já ia às ruas. É o caso da população do Rio de Janeiro, que em 1904 se rebelou contra a lei que tornava a vacinação obrigatória. As greves trabalhistas da década de 1920 também são exemplos da organização da própria população para expor suas pautas e protestos.

Um dos movimentos mais lembrados foi o das Diretas já, que reivindicavam o retorno de eleições diretas para presidente, interrompidas em 1964 com a Ditadura Militar. As jornadas de 2013, como ficaram conhecidas as manifestações daquele ano, conseguiram reunir grupos com ideologias diferentes com um objetivo comum inicial, o que também trouxe à tona outros temas sociais com o passar do tempo.

As jornadas de 2013

O professor de Sociologia e doutor Antonio David Cattani é o organizador do livro “#protestos: análises das ciências sociais” (Tomo Editorial). Lançado em 2014, a obra reúne artigos de pesquisadores que buscam analisar a onda de manifestações do ano anterior.

Para Antonio, as manifestações de 2013 se caracterizam inicialmente pela participação e organização de estudantes que protestavam contra os abusivos aumentos das passagens de ônibus. “Até meados de junho de 2013, tratava-se de mobilizações populares com foco específico, levadas por jovens de forma espontânea e democrática”, comenta.

Em um primeiro momento, os atos foram condenados por setores e organizações mais conservadores, porém a proporção e notoriedade dos eventos ganharam destaque e atraíram esses grupos inicialmente contra. Assim, eles acabaram se integrando na grande massa que tomava as ruas, incluindo suas demandas e insatisfações.

O professor comenta que essas organizações já estabelecidas da sociedade se deram conta que as manifestações poderiam ser recuperadas a seu favor e passaram a estimulá-las como forma de fazer críticas ao Governo Federal. “As pautas foram ampliadas para muito além das reivindicações anteriores. Somaram-se protestos contra a realização da Copa do Mundo de Futebol, contra a corrupção, contra a política e os partido”, lembra Antonio. Para ele, em resumo, o processo mais expressivo dos protestos de 2013 foi a remobilização da extrema direita e de conservadores.

A Beta Redação realizou o contato com os grupos Movimento Brasil Livre (MBL) e Brasil Conservador — que surgiram a partir das manifestações de junho de 2013 — mas não obteve resposta.

O jornalista e mestre em Comunicação, Alexandre Haubrich, 32, lançou recentemente o livro “Nada será como antes: 2013, o ano que não acabou, na cidade onde tudo começou” (Libretos). No livro, ele recapitula os atos de 2013 sob o olhar de seis ativistas, e também de sua própria experiência e participação nas mobilizações do período.

“Em 2013, as pessoas passaram a se sentir à vontade se manifestando.O que é muito importante, mas essa participação política precisa ser qualificada, senão ela desqualifica a democracia. Não estou falando qualificado no sentido acadêmico, mas sim de forma organizada.”, comenta Alexandre.

A influência nas manifestações posteriores

Com a repercussão de 2013, movimentos e setores da sociedade, como o estudantil, feminista, negro e demais organizações e ativistas, passaram a se organizar cada vez mais e defender seus interesses sociais, com o apoio de grupos políticos e partidários específicos. Esse movimento ganhou força a partir de 2014, o que impactou fortemente nas eleições do mesmo ano e na polarização política no país.

Em 2016, outro tipo de manifestação ganhou destaque, com a insatisfação da população com o governo, ações que impulsionaram o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Nesse momento o país já apresentava fortes indícios de polarização política, que começou a influenciar na forma como os protestos se organizaram e no público que participava dos atos. Exemplos foram os protestos contra e a favor do governo do período.

O comerciário e presidente da CTB/RS, Guioimar Vidor, 56, explica que a atuação da organização nas manifestações: “em 2016, tivemos participação ativa nas manifestações em defesa da democracia e contra o golpe institucional […]. Tínhamos claro e denunciávamos na época que o afastamento da presidenta se daria para abrir caminho ao processo de desconstrução dos direitos sociais e trabalhistas e um duro golpe na democracia brasileira”, relata.

Três anos depois, com a mudança e turbulência do cenário político atual, movimentos retornam com força e a polarização segue presente de forma nítida, tanto no público e nas demandas reivindicadas, quanto nas organizações e grupos que iniciam as mobilizações. Durante o período de eleições em 2018, já aconteciam protestos e mobilizações de diferentes grupos e movimentos, intensificados nesse período e retomados em 2019.

Recentemente, em março, três manifestações marcaram o mês. As manifestações realizadas no dia 15 e 31, à favor da educação e contra os cortes nesse setor, foram mobilizadas por entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e centrais sindicais como a CUT e a CTB. Já os atos do dia 26, à favor do presidente Jair Bolsonaro, contaram com representantes do Movimento Brasil Conservador (MBC) na organização, defendendo pautas como a reforma da previdência e o pacote anticrime de Sérgio Moro. O MBL, movimento que já participou da organização de atos favoráveis ao governo Bolsonaro em outras manifestações surpreendeu ao não demonstrar apoio ao ato.

Alexandre Haubrich acredita que a polarização que ocorre nas diferentes manifestações é natural numa sociedade de classes, mas explica que não pode ocorrer a polarização entre grupos com os mesmos interesses, como os trabalhadores, por exemplo. Para ele, o cenário político acaba influenciando em como os atos se organizam, fazendo surgir inclusive novas formas de mobilizações. É o caso do “ato contra ato”, que seria uma resposta de determinados grupos a uma manifestação anterior.

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Elisa Ponciano
Redação Beta

Jornalista por profissão, escritora nas horas livres. Aqui posto meus Escritos de Gaveta, para compartilhar com o mundo a escrita, que me faz tão bem.