A luta das deputadas gaúchas pela representatividade

Mulheres ocupam 9 das 55 cadeiras da Assembleia Legislativa, mas lideram poucas comissões, relatam preconceito e buscam avanços

Gabriela Stähler
Redação Beta
5 min readApr 29, 2020

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As mulheres representam 51,3% da população gaúcha, de acordo com o Censo do IBGE de 2010. No parlamento do Rio Grande do Sul, porém, elas são 16,33%. Mesmo quando chegam à Assembleia Legislativa, elas têm de lutar para conseguir espaço. Das 11 comissões parlamentares, 9 são presididas por homens. E somente três têm mulheres como vice-presidentes.

Foram oito deputadas estaduais eleitas em 2010, sete em 2014 e nove em 2018 (Arte: Gabriela Stähler/Beta Redação)

Ainda que a participação feminina seja a maior da história da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, com nove mulheres eleitas em 2018, há muitos avanços pela frente. A deputada Luciana Genro (PSOL) observa que as atividades com a família e o lar ainda afastam as mulheres da política. “Os maridos muitas vezes não aceitam que as mulheres participem de reuniões, que são em geral noturnas. Não tem com quem deixar o filho, quem faça a janta”, observa.

Já a deputada Sofia Cavedon (PT), que hoje preside a Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia na Assembleia, lamenta que ainda exista uma cultura sexista no país, mas se mostra otimista com o futuro. “As cotas estabelecidas por lei, de candidaturas femininas exigidas recentemente aos partidos, começam a fazer efeito”, afirma.

Mas, para a deputada Kelly Moraes (PTB), as cotas para mulheres também trazem seus problemas. “Mulheres, principalmente nos pequenos municípios, só são procuradas para participar da política e concorrer para preencher a cota de candidaturas. Além de absurdo, isso é um crime”, lamenta.

Além do pouco incentivo às mulheres dentro dos partidos, a dupla jornada, causada pelas horas de trabalho doméstico que viram obrigação da maioria das mulheres, também é mencionada pela deputada Franciane Bayer (PSB) como um entrave à representatividade. “A política ainda é vista como um lugar hostil para as mulheres e, para piorar, existe uma pecha de que todo político é corrupto”, comenta.

“Acho que a melhor forma de incentivar é através do exemplo”, diz a deputada Franciane Bayer (PSB) (Foto: Acervo pessoal)

Silvana Covatti (PP) também vê essas tarefas como um empecilho. “Nós mulheres temos três turnos, o de nossos trabalhos e o com os compromissos em casa. O serviço público exige muita dedicação. Mas é recompensador mudar a vida das pessoas com a política”, afirma.

Para a deputada, que em 2016 se tornou a primeira e até agora única mulher a assumir a presidência da Assembleia Legislativa, coragem é o que falta para as mulheres ingressarem na vida pública.

Doutoranda em Políticas Públicas, a pesquisadora Manoella Treis observa que o próprio sistema faz com que haja pouca representatividade na política. “Você até vota na pessoa na prática, mas com a forma em que é somado e organizado, há poucas chances de você ser eleita e ocupar a cadeira, ainda mais por partidos que não são grandes”, explica.

Pouca representatividade nas comissões

Presidir uma comissão na Assembleia Legislativa é uma forma de se ampliar a representatividade do mandato das deputadas gaúchas. Elas, porém, acabam perdendo espaço, pois são os próprios partidos que fazem as indicações para esses cargos.

Sofia Cavedon (PT) e Zilá Breitenbach (PSDB) são as únicas que presidem comissões (Arte: Gabriela Stähler/Beta Redação)

De acordo com Sofia Cavedon, o Partidos dos Trabalhadores (PT) faz tentativas de equilibrar esse cenário. “Foi feita uma construção política para que todos tivessem algum espaço de visibilidade. Estou no segundo ano de presidência da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, com muito orgulho”, conta.

A deputada Silvana Covatti atualmente é vice-presidente da Comissão de Finanças e conta que a função exige dedicação e responsabilidade, como todas os cargos públicos. “No início, tudo era mais difícil. Hoje, tudo mudou. Todos sabem da nossa competência, da nossa capacidade”, diz.

Além disso, Silvana é membro titular da Comissão de Saúde, líder partidária da bancada PP, presidente da Procuradoria Especial da Mulher e membro da Comissão do Câncer Infantil. “As mulheres são integrantes e também lideram comissões de forma brilhante e competente, mas ainda somos apenas 9 em um cenário de 55 deputados”, comenta.

No ano de 2017, Silvana Covatti, que era presidente da Assembleia, foi governadora em exercício durante quatro dias (Foto: Acervo pessoal)

Ainda que não seja presidente de comissão, Franciane Bayer é membro titular de três delas: a Comissão Permanente de Saúde e Meio Ambiente, a Comissão Permanente de Segurança e Serviços Públicos e a Comissão Mista Permanente do Mercosul e Assuntos Internacionais. Ela vê essa participação como uma oportunidade de pedir audiências públicas sobre os temas que trabalha em seu mandato.

A pouca representatividade em comissões não é um problema local. “Um fator importante é que na prática, em assembleias, as comissões podem ser direcionadas para partidos. Elas geralmente são em âmbito federal, e os líderes de partidos tendem a presidir a comissão”, afirma Manoella Treis, que reforça que as mulheres só começaram a ocupar mais cargos públicos recentemente.

Preconceitos enfrentados na carreira política

Muitas vezes o preconceito contra as mulheres acontece de forma disfarçada, sem grandes ofensas ou alardes. Kelly Moraes lembra de seu mandato como deputada federal, em 2003. “São pequenos gestos, ações, olhares que deixam nítido o preconceito”, lamenta.

Outras vezes o preconceito fica na memória por um acontecimento específico. Franciane Bayer fala de uma reunião em que foi acompanhada de um assessor. “Nos receberam como se ele fosse o deputado e eu a assessora”, conta.

Para Luciana Genro, os desafios de começar na política jovem e ser filha de um ex-governador do Estado, Tarso Genro (PT), somaram-se ao fato de ser mulher. “Os preconceitos a gente enfrenta sempre no dia a dia. São velados, são disfarçados, aquela conversa de lado, ‘Aquela ali é a filha do fulano, não sabe o que está falando’…”, diz Luciana ao lamentar que as mulheres sempre precisem se afirmar mais.

Luciana Genro (PSOL) acredita que creches noturnas podem facilitar a entrada das mulheres na vida política (Foto: Acervo pessoal)

Soluções para um futuro mais igualitário

A maior participação das mulheres na política passa por uma mudança de cultura e um mundo menos sexista, de acordo com Sofia Cavedon. “Sexista é a predestinação das mulheres para determinadas funções, modos de se comportar, que as leva para atividades da esfera privada acumuladas com atuação profissional majoritariamente vinculada às áreas do cuidado e dos serviços”, explica a deputada.

De forma prática, Franciane Bayer, que apoia a participação das mulheres dentro do PSB, decidiu fazer a diferença ao contratar apenas assessoras mulheres. “Não porque as julgo mais competentes que os homens, mas sim porque entendo que são capazes de desempenhar de maneira satisfatória as funções dentro da Assembleia”, diz.

Para a pesquisadora Manoella Treis, é necessário um incentivo à atuação política das mulheres desde a infância, além do apoio da população por meio do voto. Manoella acredita que as mulheres ainda precisam ocupar mais espaços, ser ouvidas e engajar outras mulheres.

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