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Grupos extremistas representam nova oferta política em tempos de incerteza

Psicólogo Domenico Uhng Hur explica o fortalecimento da radicalização de posições políticas em um cenário de crise

Lucas Lanzoni
Redação Beta
Published in
5 min readAug 27, 2020

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É quase rotineiro ligar a televisão e assistir no noticiário manifestações ligadas a práticas violentas. Rotulados como “grupos radicais”, esses grupos adotam táticas de enfrentamento físico para buscar aquilo que acreditam, independentemente do lado ideológico que defendem. Dois exemplos bastante comum desses grupos são: 300 do Brasil, encabeçado por Sara Winter e o Movimento dos Sem Terra (MST).

O 300 do Brasil tem em suas ações um viés de extrema direita, em que procuram fazer atos em prol do governo do presidente Jair Bolsonaro. Na contramão, o MST, grupo radical brasileiro com viés de extrema esquerda, é famoso por ocupar propriedades privadas, buscando a redistribuição de terras improdutivas.

De acordo com os entrevistados pela Beta Redação, os problemas sofridos pelo país acaba por aumentar as atividades extremistas. E como os grupos radicais viraram uma maneira de colocar para fora toda a raiva e indignação, as pessoas acabam buscando esse caminho. Entre todos esses grupos é comum encontrarmos os que possuem um cunho ideológico voltado ao preconceito de maneira geral.

Fortalecimento da democracia esvazia o extremismo

Doutor em Ciências Sociais e ex-professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, Benedito Tadeu Cesar explica que, “em tempos de normalidade democrática e social, quanto mais extremadas são as posições defendidas pelos grupos políticos, menos enraizamento social eles tendem a deter”.

Segundo Cesar, há momentos, entretanto, de afloramento de tensões políticas, econômicas, sociais e culturais, em que a opinião pública tende a ser mais permeável a discursos extremos, sejam à direita ou à esquerda.

Uma das causas que podem levar o surgimento desses grupos é o estado em que o país se encontra. Um exemplo é, se o Brasil estiver passando por algum problema específico que esteja prejudicando uma certa parte da população com viés ideológico definido, essa parcela irá protestar da maneira que achar melhor.

“Os momentos de crise econômica, principalmente, são deflagradores dessas tensões, mas elas tendem a ser ampliadas pela adesão dos veículos de comunicação de massa e, atualmente, pela utilização dos veículos eletrônicos e das redes sociais, principalmente pela veiculação de fake news. Teoricamente, ambos os extremos podem se valer desses instrumentos”, explica , levando em consideração que existam dois lados bem específicos dentro da política e que cada grupo defende a sua bandeira com unhas e dentes.

Manifestantes de direita em ato pró Bolsonaro (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

De acordo com Benedito Tadeu Cesar, seria possível ou não a existência de algo benéfico para o país, que esse tipo de comportamento possa trazer. “Em primeiro lugar, não vejo a ação intensa de grupos de extrema esquerda no Brasil contemporâneo. A polarização no Brasil não se dá entre extrema-esquerda e extrema-direita, pois os grupos de esquerda são muito pequenos e com pouca influência sobre a opinião pública”, afirma.

O movimento extremista de direita se tornou mais forte no Brasil nos últimos anos

Doutora em Antropologia e professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Isabela Kalil trabalha com pesquisas relacionadas a grupos radicais. Mais especificamente os grupos de extrema direita. Ela comenta sobre o que esses grupos podem significar para as massas na sociedade e o como são perigosos por terem essa visão extremista. “Ao olhar para o Brasil hoje o que vejo com preocupação são grupos que se autoproclamam de “extrema direita” e grupos que podemos definir como “anti-democráticos” e “anti-direitos”. Isso inclui supremascistas brancos, neofascistas, grupos que se autodenominam opressores, anti-gays, anti-mulheres, transfóbicos, xenófobos - todos os tipos de discriminação”, afirma.

Na visão de Benedito, as atitudes desses grupos são bem discrepantes, pois para ele, um lado está mais na atividade do que o outro. “A cena política extremada tem sido ocupada por grupos de extrema-direita que historicamente não se expressavam publicamente no país, e que atualmente ocupam as ruas e todos os espaços públicos. Os Black Blocs, que seriam a contrapartida na extrema esquerda, atuaram nas manifestações de massa no período compreendido entre os anos de 2013 e 2016, mas estão hoje desaparecidos ou, ao menos, silenciosos”, relata.

O doutor em Psicologia Social, Domenico Uhng Hur, utiliza um exemplo para explicar sobre o que pode levar uma pessoa a abraçar um determinado lado político: Sara Winter e Carla Zambeli. “Ambas outrora tinham um discurso de esquerda, em defesa das mulheres, mas ao constatarem o giro político à direita do cenário nacional, a estratégia midiática, da política de criminalização de esquerda, das feministas, e das minorias e movimentos sociais, acompanharam esse giro assumindo um discurso radical conservador e de extrema-direita”, relata.

Para Isabela, é impossível existir vertentes nesses grupos ditos de direita. “Não consigo entender como isso pode se configurar como dois lados ideológicos da política. Aliás, esses grupos se valem de um rótulo de direita, mas são avessos à própria política institucional”, opina.

Para uma pessoa fazer parte de um grupo radical, ela precisa primeiramente levar ao extremo o cunho ideológico no qual acredita. Domenico procura explicar como esses grupos extremistas conseguem impactar na sociedade. “Os grupos extremistas significam uma nova oferta política em tempos de crise e incerteza social. Na medida em que há um cenário de insegurança social, ruptura das crenças e valores, emerge um grande descontentamento. Assim, as propostas dos grupos extremistas surgem como uma alternativa em crítica ao status quo, em crítica às tradicionais elites políticas”, explica.

Domenico fala sobre o que pode levar as pessoas a aderirem a esse tipo de movimento, pois na visão dele é possível pensar no motivo. “Podemos pensar em dois âmbitos, numa via psicopatológica, ou na via orquestrada, de uma estratégia e retórica política. No que se refere à uma regressão psicológica, podemos afirmar que há um comportamento mais primitivo, afetos mais rudimentares, relacionados a essa sensação de crise e insegurança vivida”, contextualiza o psicólogo.

Segundo Hur, é desta forma que um líder de uma ideologia extremista, de direita ou mesmo de esquerda, pode oferecer uma base segura e “a certeza a estes que estão acometidos por essa crise psicossocial. Tais ideais tornam-se um dogma e ficam inquestionáveis pelos seguidores”, completa.

Famoso grupo de esquerda MST (Movimento dos Sem Terra) durante um protesto (Foto:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Para o psicólogo existe a possibilidade de tentar mudar esse tipo de visão e comportamento das pessoas, mas primeiramente é necessário serem resolvidas uma série de fatores no Brasil. “No que se refere às questões psicopatológicas dos extremismos, é possível sim trabalhar sobre. Mas primeiro deve-se resolver a questão social do emprego, do trabalho e da erradicação da miséria, porque posições extremistas emergem de uma situação de crise concreta”, finaliza.

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