A morte de forma mais leve

A partida de alguém envolve burocracias. Saber quais medidas tomar em diferentes casos facilita o processo do luto

Tamires Trescastro
Redação Beta
6 min readOct 22, 2019

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Falecimentos acontecem todos os dias. Seja de um parente próximo, de alguém que você já não vê há anos ou então de um desconhecido. De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde, no Rio Grande do Sul, em 2017, foram registradas 86.139 mortes em hospitais e 86.241 em residências. Quando lidamos com a morte, a instabilidade emocional pode acabar dificultando o exercício das tarefas obrigatórias para este momento. Portanto, é necessário compreender as diferenças entre cada situação.

Informação certa na hora certa

A cada falecimento são necessários registros em cartório, além da organização com a funerária. Em meio a tantos sentimentos, aos avisos de familiares e às palavras de consolo, ainda se torna necessário arrumar os papéis. Estar ciente sobre como prosseguir antes que, de fato, tenha que vivenciar isso, gera um mínimo de conforto num momento tão delicado.

Funcionário da Funerária São José, em Sapucaia do Sul, Juliano Marques explica que, nesses casos, a primeira responsabilidade da família é contatar um serviço funerário. Assim, os profissionais poderão agilizar os processos que lhes competem. Não é necessário ter em mãos o atestado de óbito fornecido pelos médicos para realizar, juntamente da funerária, a escolha dos locais de velório e de sepultamento. Porém, quando se tem o documento, é necessário fazer o registro em cartório para receber a Certidão de Óbito.

Juliano ainda destaca que as circunstâncias do óbito têm relação direta no trabalho prestado pela funerária, bem como nos documentos que devem ser providenciados pelo declarante. “A causa da morte tem impacto, pois é a partir dela que veremos a preparação do corpo. Os procedimentos variam de acordo com o corpo e com a causa do óbito”, explica.

Para entender as variações do que se deve fazer, a Beta Redação traz os passos detalhados, com base em informações da Organização Valorize a Vida e do Ministério da Saúde.

  • Morte natural: Se um médico estava presente na residência, ele pode atestar o óbito. Do contrário, a polícia deve ser acionada. Caso seja necessário, ocorre investigação para confirmar se não houve tentativa de homicídio ou alguma outra causa não natural.
  • Morte no hospital: O próprio médico pode confirmar e atestar o óbito caso não haja nenhum impedimento legal.
  • Morte violenta: A polícia investigará o caso e o corpo será enviado ao IML, que fará o atestado de óbito e a necropsia para, então, liberar o corpo. Em alguns casos, quando não há informações sobre a vítima, é necessário o reconhecimento do corpo.
  • Doação de órgãos: Basta, em vida, dizer à família que quer ser doador. Se não for o caso, a família pode entrar em acordo para decidir o que fazer. É realizada uma cirurgia para a retirada dos órgãos. Após, o corpo pode ser velado normalmente pois não fica com marcas visíveis.
  • Cremação do corpo: A cremação precisa ser autorizada em vida com documento registrado em cartório. Quando o velório se encerra, o corpo é levado para uma câmara fria por 24h. Então, é realizada a cremação e o familiar recebe as cinzas dentro de uma urna funerária.

Amparo legal em casos de negligência, imperícia e imprudência

O desconhecimento sobre os procedimentos cabíveis esteve presente na vida de Maristela Bernardes que, há três anos, perdeu o marido Wanderlei Bernardes. Tudo começou quando ele ingeriu Ibuprofeno, remédio ao qual era alérgico e, por consequência, desenvolveu uma lesão nos rins e passou a fazer sessões de hemodiálise.

A situação foi piorando e Wanderlei precisou ser internado na UTI. Poucos dias depois, acabou falecendo em decorrência de uma infecção generalizada. A família, então, ficou sabendo que a infecção foi ocasionada por falta de cuidados no manejo dos materiais utilizados em uma das sessões de hemodiálise. Contudo, pela fragilidade do momento, e pela falta de informações sobre as formas de recorrer, os familiares optaram por não acionar a Justiça Civil.

“Foi bem difícil para a família lidar com a perda por erro médico da clínica”, lamenta Maristela.

De acordo com a lei, em casos de erro médico, os responsáveis devem responder integralmente pelos atos profissionais que resultem em dano ou que levem o paciente a morte. Para isso, é necessário identificar o profissional responsável e em qual conduta o médico se encaixa para ser penalizado. As origens se dividem em três casos:

  • Negligência: que se caracteriza pela falta de atenção ou de cuidados;
  • Imperícia: quando o médico realiza procedimentos sem ter preparo para fazê-los;
  • Imprudência: que é quando o médico realiza procedimentos que causam riscos ao paciente.

Tendo as informações corretas sobre a sua situação, é necessário registrar boletim de ocorrência, procurar um advogado e, então, com acompanhamento profissional, abrir processo na Justiça Civil. De acordo com o advogado especializado em Direito Civil, Khauê Maciel, a família pode tomar vários caminhos em diversas esferas. No direito administrativo, estão denúncias no Conselho de Medicina ou abrir sindicância no hospital, o que seriam medidas internas e administrativas. Já na parte criminal, as medidas podem variar de acordo com o caso, pois é necessário comprovar a conduta dolosa do profissional. Entretanto, as famílias podem realizar denúncias na delegacia. E, então, a resolução fica sob responsabilidade da polícia.

Mas, para Khauê, o caminho mais viável é o direito civil, na microárea do direito do consumidor. “Existe uma responsabilidade do médico, do enfermeiro e dos profissionais de saúde para com aquela pessoa(paciente). De qualquer forma, tu és um consumidor, porque aquela pessoa está tendo uma remuneração, está trabalhando. Existe uma relação de consumo”, explica Khauê.

Na esfera do direito do consumidor, os profissionais que atuaram com o paciente é que precisam se defender, provando que realizaram todos os procedimentos de forma correta. Khauê ressalta que pode surgir o assunto de que os médicos não tem o poder ou a obrigação de manter uma pessoa viva, no entanto, possuem o dever de utilizar todos os meios e as técnicas corretas no tratamento diário. “Quando a família desconfia de erro médico, entra com processo por danos morais. Se é uma pessoa que estava trabalhando também é possível pedir uma pensão, e então é realizado um cálculo para ver quantos anos a vítima trabalharia”, expõe o advogado.

Embora existam opções para recorrer, Khauê afirma que os processos são demorados e acabam desanimando as famílias que esperam uma compensação pelo prejuízo que tiveram. “Infelizmente, nenhuma destas três áreas do direito está com efetividade para resguardar a família. Tudo demora muito”, conclui.

A experiência da repórter

Em uma sexta de feriado avisaram que minha avó havia passado mal. Dali para frente, as coisas não melhoraram. Um AVC. Uma internação. Coma induzido. Sete filhos, 17 netos e ninguém podia fazer nada — a não ser esperar. Morte encefálica. Luto.Na segunda-feira os médicos pediram que a família se despedisse. O primeiro atestado de morte encefálica nos foi dado na terça-feira pela manhã, e o segundo deveria ser entregue às 19h do mesmo dia. Às 21h, o segundo médico disse que não atestaria o óbito por ter encontrado vestígios de sangue no cérebro e, embora isso não mudasse o quadro, o corpo precisava ficar no hospital. Horas depois, a família teve uma auditoria sobre possíveis saídas e, então, foi dada a opção de retirar as medicações que a mantinham respirando.

A liberação do corpo só veio na quarta-feira. Ou seja, dois dias depois que os médicos haviam informado a família. A situação, que nos pôs em total vulnerabilidade, poderia ter sido encerrada um pouco mais cedo se soubéssemos do que era possível fazer. A morte é um fenômeno natural. Acontece na nossa frente o tempo todo. É necessário falar sobre ela para que, quando precisarmos encará-la, saibamos como agir tornando este momento menos doloroso.

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