(Foto: Estephani Richter/Beta Redação)

Mundo da moda aposta em projetos de consumo sustentável

Marcas e consumidores buscam formas mais conscientes de compra e produção, se opondo à indústria têxtil

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6 min readMay 15, 2019

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Segundo publicação de 2018 da Organização das Nações Unidas (ONU), para se produzir um par de calças jeans são usados 3.781 litros de água. Além disso, o tingimento e tratamento de produtos têxteis equivalem a 20% da poluição das águas do mundo, sendo que 8% das emissões de gases do efeito estufa provêm de indústrias de vestuário e calçadista. Como se não bastasse, a cada segundo, em média, um caminhão de lixo com têxteis é incinerado ou despejado em aterros. Estes são apenas alguns dados que evidenciam o impacto no modo de produção das empresas do setor.

O documentário Minimalism a Documentary About the Important Things, de Matt D’Avella, produzido pela Netflix, traz à tona a moda fast fashion, que tem o objetivo de estimular clientes a consumir muito e instantaneamente. Na obra, a PhD em economia e sociologia, Juliet Schor, salienta que “produzimos roupas com trabalho abusivo porque não pagamos o custo monetário e nem o ecológico. Reduziu tanto o preço do vestuário que roupas usadas perderam o valor”.

A modelista e professora universitária Thays Neves Costa, 31, explica que os impactos ambientais são causados, em grande parte, pelo descarte de tecidos altamente poluentes, como o poliéster, que pode levar até 400 anos para se decompor. Nesse sentido, a moda sustentável surge com o objetivo de causar menos danos ao meio ambiente, mas com um produto de qualidade, mão de obra e preços justos. “Esse movimento pode ser em relação à customização, ao estímulo à compra mais consciente ou à aquisição de produtos atemporais. Temos um milhão de possibilidades”, argumenta Thays.

A revolução no mercado da moda

A Coletivo 828 é um projeto que acolhe marcas gaúchas que produzem peças sustentáveis. (Foto: Estephani Richter/Beta Redação)

A profissional também explica que existem muitas maneiras das marcas produzirem roupas de forma menos agressiva à natureza. “Algumas empresas têm optado pelo tratamento da água. Outras por alternativas que poluem menos, como o conceito zero waste, que gera menos resíduos. Matérias-primas como tecidos reciclados também são opções, além de tingimentos naturais”, destaca.

Pensando nisso, a design de moda Tatiana Stein, 31, após anos trabalhando em lojas com o segmento fast fashion, percebeu que poderia fazer a diferença a partir de seus conhecimentos. Ela relembra como esse método de produção a incomodava. “Recebíamos planilhas com 50 mil looks para criar, mas não eram produtos que necessitavam estar no mundo”, opina.

Na época, Tatiana morava em um sítio de permacultura, onde produzia tudo que consumia. Lá ela viveu de perto o real conceito de sustentabilidade. “Foi no revirar de uma composteira, quando vi um pedaço de moda sintética, que conectei tudo. Ali tive a prova viva de que minhas criações ainda impactariam as próximas gerações”, recorda a design, que não queria ser mais responsável pelos resultados negativos gerados pelo mercado da moda.

A partir dessa experiência ela criou a Brisa Slow Fashion, uma marca que não segue tendências e nem coleções, mas busca suprir as necessidades da mulher. A empreendedora explica que as roupas são produzidas apenas com materiais orgânicos, naturais e compostáveis, retornando para a terra depois de descartados. “A história da Brisa é que ela promove um ciclo, iniciando na produção orgânica, que é justa, pois remunera bem os produtores da matéria- prima”, completa.

Buscando ainda mais sustentabilidade, junto com a sócia Roberta Abrantes, responsável pela empresa Squam, Tatiana deu início, há três anos, em Porto Alegre, ao Coletivo 828, que reúne marcas gaúchas que trabalham com a moda consciente, dando prioridade para negócios com gestões femininas. Atualmente, o local conta com 22 marcas instaladas, vendendo roupas e acessórios para todas as idades.

Tatiana Stein (D) e Roberta Abrantes (e) idealizaram o Coletivo 828, localizado em Porto Alegre. (Foto: Estephani Richter/Beta Redação)

Uma das participantes da iniciativa é a marca Tsuru Alfaiataria, da empresária Carolina Rovani, 27, que fornece roupas femininas com modelagem zero waste. “A Tsuru nasceu em maio de 2018, só que a ideia veio antes, quando ainda estava na graduação de Moda. Durante o TCC, percebi que tinha encontrado um assunto desafiador e inspirador”, relembra.

Ela explica que o estilo das roupas não segue tendências e cita a principal diferença em comparação aos concorrentes. “Na modelagem tradicional, quando cortamos uma peça, são gerados retalhos que acabam sendo descartados, criando resíduos e desperdiçando recursos. O zero waste propõe utilizar o tecido integralmente, por isso, as partes dos moldes se encaixam perfeitamente. Isso influencia na forma e nos tamanhos das peças”, detalha.

Outra empresa que defende a conscientização do consumo é a Sapato Sem Nome, projeto da design de calçados Pamella Magpali, 30, criado em 2018. Com um processo totalmente artesanal, usando produtos reciclados, ela desenha cada um dos sapatos para aproveitar os retalhos. “O próprio cliente pode montar seu calçado, fazendo a combinação de acordo com seu gosto”, esclarece.

“Pensei em fazer algo que fosse realmente genuína de amor e dedicação ao ofício de sapateiro que está sendo esquecido. Reaproveitamos os materiais de forma real, muito mais do que levantar uma bandeira. Vivemos hoje em uma disputa tão sangrenta de marketing, que, muitas vezes, os produtos e processos ficam em segundo plano”.

A moda da reutilização

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), há cerca de um ano, conta com o Plano de Gestão Logística Sustentável, iniciado por um decreto que diz que todas as empresas e órgãos do Governo Federal precisam ter uma comissão de sustentabilidade. O Plano contempla 80 ações para aumentar a sustentabilidade na Conab, por meio de pequenas mudanças, coordenados pela secretária de Recursos Humanos, Martha Rahn, 28, o assistente da superintendência, Carlos Bestetti, 67, a assistente de operações, Aline Procedi, 29, e a engenheira agrícola, Iracema Duval, 50.

Todos os integrantes do grupo são compradores de brechós, que mudaram seus hábitos de consumo por questões econômicas e, também, para contribuir com alguma ONG.

“O nosso trabalho influenciou muito minha vida. Comecei a olhar para tudo de forma diferente. Desde então, eu não estou comprando nada de roupa, acho que adquiri três peças de roupas nos últimos dois anos”, observa Martha.

Carlos ainda comenta que em brechós é possível comprar roupas de qualidade por um preço acessível. “Vão durar muito mais tempo que uma nova barata que logo estraga, criando o problema de acúmulo de lixo”. Ele ainda acredita que as marcas deveriam especificar bem a forma de produção e quais os produtos utilizados, como vemos em alimentos.

O Década Brechó trabalha com a moda vintage, aproveitando o máximo de todas as peças que consegue. (Foto: Estephani Richter/Beta Redação)

O dono da Década Brechó, Rodrigo dos Santos, 27, conta que começou as vendas com suas próprias roupas pelas redes sociais. O negócio cresceu, e, então, passou a frequentar bazares e feiras de igrejas e bairros para garimpar novos materiais. O seu primeiro ponto de venda foi a sua própria casa, em Novo Hamburgo, até conseguir um espaço melhor no centro de São Leopoldo, onde focou na moda vintage, buscando um diferencial.

O empreendedor explica que existem roupas boas para venda e outras nem tanto, virando descarte. Rodrigo encontrou na customização uma forma de reaproveitar roupas estragadas e, assim, criando uma nova peça. Do mesmo modo, aquelas que ficam muito tempo paradas na loja são enviadas para doação.

Olhando para o futuro

A modelista Thays Neves Costa comenta que é possível perceber um movimento na sociedade, principalmente entre os mais jovens. “Eles prezam por uma compra de qualidade ou valorizam o ‘antigo’, como no caso dos brechós que estão aí para mudar o ciclo de vida de uma peça que seria descartada”, enfatiza.

Já Carlos acredita que, para que mais pessoas percebam a importância do consumo consciente, ainda vai levar um tempo, pois é um “trabalho de formiguinha”. “Tudo é cultura e, para estabelecê-la, demora, mas, no momento que progredir, mais pessoas vão aderir”, opina.

Para Tatiana é extremamente importante que o consumidor perceba o poder que tem em suas mãos ao decidir comprar um produto. Segundo a design, o tema sustentabilidade virou um status e necessidade, mas acredita que muitas empresas passam uma imagem do que não são, seguindo o movimento greenwashing, e que deveriam ser mais transparentes sobre suas produções.

“Se a marca não tem nada a temer, ela vai mostrar. Talvez seja a parte feia da moda que ninguém quer ver, mas talvez seja isso que precisamos ver, que a moda não é tão linda”, destaca a design de moda.

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