Entenda em quais circunstâncias a decisão do STF coloca sentenças da Operação Lava Jato em xeque

Beta Redação entrou em contato com especialistas para analisar as consequências da decisão da Corte e apontar o que pode acontecer de agora em diante com os condenados em Curitiba

Tamires Trescastro
Redação Beta
8 min readOct 4, 2019

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Com Bruna Lago e Stefany Rocha

Em clima de indecisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o desfecho do debate que vai estipular quais condenações são afetadas pelas discussões que ocorrem desde a última semana de setembro. Por sete votos a quatro, os ministros da corte definiram que os réus delatados poderão se defender após a acusação dos réus delatores, mas falta entrarem em consenso sobre quais casos já julgados serão reabertos — e que decisões podem ser revertidas.

Em agosto, foi anulada pela primeira vez uma sentença do então juiz Sérgio Moro, referente ao ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, no âmbito da Lava Jato — a maior operação contra a corrupção já ocorrida no País. Depois de receber uma delação, a defesa de Bendine questionou a necessidade de uma nova resposta e julgamento. Com o consentimento, outros advogados reivindicaram o mesmo direito e o debate cresceu até chegar ao Supremo.

Agora, o ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, que havia sido condenado a 10 anos e quatro meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, teve a sentença revogada. A decisão fez com que o ministro do STF Edson Fachin mandasse soltar o ex-gerente, já que a decisão anterior cai em contradição com o princípio de ampla defesa.

A discussão não consiste em um caso isolado que poderia ser tomado como habeas corpus, mas, sim, em uma postura que viola o direito ao contraditório e ampla defesa, assegurado no artigo 5º da Constituição Federal, como uma possibilidade de responder a uma acusação.

Para tentar compreender um pouco mais esse cenário e acompanhar os possíveis desdobramentos que têm se estendido ao longo da última semana, a Beta Redação foi atrás de especialistas que pudessem traduzir a enredada trama que se desenrola no STF: o doutor em Direito Clório Traesel, o cientista político William Nozaki e o mestre em Direito Público Leonardo Grison.

Decisão não absolve condenados

Em março deste ano, a Operação Lava Jato completou cinco anos. Desde sua criação, o trabalho investigativo teve como resultado 242 condenações que envolveram 155 pessoas. Os 50 processos feitos pela operação têm, como origem, corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organizações criminosas.

Com a decisão do STF, cerca de 32 processos poderão sofrer mudanças ou ser anulados por ferirem a Constituição. Porém, em conversa com a Beta Redação, Clório Traesel ressaltou que, pela forma que as notícias vêm sendo espalhadas, o público tende a compreender a tese de forma errada.

“A decisão — a ter confirmada a sua extensão para demais processos — é em relação a um processo, cujo efeito prático é anular todos os atos processuais praticados desde o momento em que ocorreu a ofensa ao contraditório e a ampla defesa. Tais atos deverão ser repetidos. A decisão do STF não absolve nenhum dos condenados, apenas lhes garante direitos fundamentais”, enfatiza.

Embora a decisão do STF vá a favor da democracia e dos princípios presentes na Constituição, isso não favorece a operação que, anteriormente, era vista pela população como um dos maiores feitos em prol da restauração da dignidade na política brasileira. Clório explica que, no direito de defesa, as posições políticas não devem importar.

“O que se deve afirmar sempre no Estado Democrático de Direito é o ordenamento jurídico. Independentemente de posições ideológicas, a Constituição deve ser respeitada nos seus termos, sob pena de gerar uma profunda insegurança jurídica”, conclui.

STF coloca "herói" entra na linha de tiro da oposição

Ainda assim, não é possível ignorar o fato de que o atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, vai para a berlinda e entra na linha de frente como alvo preferencial da oposição do governo em um momento delicado. O ex-juiz, que comandou o julgamento dos réus em primeira instância, em Curitiba, era ovacionado durante as ações da Lava Jato e manteve seu prestígio com o convite do atual Jair Bolsonaro (PSL) para ir para a Esplanada dos Ministérios.

Entretanto, uma das sentenças anuladas pelo STF era de Moro e serve como pontapé para iniciar uma série de acusações contra ele — por ter ferido a Constituição. De tal forma, partidos contrários podem ter isso como carta na manga. No entanto, segundo Clório, “os limites do político não se confundem com os limites do jurídico pois este não comporta opinião, já que deve estar sempre adequado à Constituição”.

Já para o mestre em Direito Público, Leonardo Grison, teme que o STF acabe se tornando o vilão dessa história justamente pelo fato de Moro ser visto como sinônimo de justiça e heroísmo. Ele ainda ressalta que, quando as temáticas incluem, de alguma forma, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as reações do público tornam-se mais intensas.

Indo de encontro com a ideia de herói e vilão apresentada por Leonardo, o cientista político William Nozaki afirma que este cenário se dá, num geral, pela instabilidade apresentada nos últimos tempos, envolvendo os escândalos políticos. Para ele, com o discurso de combate à corrupção, o grupo da Lava Jato se apresentou para a população como “detentor de um monopólio moral”. E, apesar de não ter funcionado desta forma, fortaleceu o atual presidente e sua candidatura.

“Por meio de métodos jurídico-políticos no mínimo heterodoxos, para não dizer heréticos, as normas e as instituições brasileiras foram derretidas e se converteram em uma geleia geral. Desse caldo emergiram, de um lado, desencanto e apatia e, do outro, violência e polarização. Em suma: o caos permanente, a ração perfeita para a ascensão de Bolsonaro. Nunca é demais ressaltar: em certa medida, o lavajatismo é uma das causas do bolsonarismo, e não o contrário”, afirma William.

Entenda o que foi decidido no Supremo até agora

“Esta Corte defende o combate à corrupção, mantém as decisões tomadas dentro dos parâmetros do Estado de Direito. Mas repudia os abusos e os excessos e tentativas de criação de poderes paralelos e instituições paralelas. Volto a dizer, se não fosse esse STF, não haveria o combate à corrupção no Brasil”, declarou Antonio Dias Toffoli durante seu voto a favor dos réus alvos de delação premiada. “Não é de pouca coisa que estamos falando, é do maior direito de todos, a liberdade”, afirmou.

O resultado obtido na última votação, no dia 2 de outubro, assegura que os réus que foram atingidos por delação premiada tenham o direito de apresentarem sua defesa posteriormente aos réus delatores. É com esse resultado que dezenas de sentenças emitidas em julgamentos de primeira instância, investigados no âmbito da Operação Lava Jato, podem acabar sendo anuladas e os processos podem retornar aos seus inícios.

Nesta, que foi a terceira sessão da votação iniciada em 25 de setembro, foram ouvidos os votos do ministro Marco Aurélio Mello e do presidente do STF, Dias Toffoli. Posicionando-se contra a tese que pode atingir a Lava Jato, Marco Aurélio alegou que ambos, delator e delatado, seguem sendo réus de um processo-crime e por isso necessitam de um tratamento igualitário.

“O Supremo não legisla. Assim, entender que o delatado deve falar depois do delator é esquecer que ambos têm posição única no processo, ou seja, de réus, estabelecendo-se ordem discrepante da legislação de regência”, constatou.

Votando de forma contrária a Marco Aurélio, Toffoli afirmou que o direito de defesa assegura a democracia, alegando entender que os prazos devem ser diferenciados para que o delatado possa confrontar as acusações que lhe incriminam. “O delator não é um acusador qualquer, ele colabora com o órgão investigador”, reconheceu.

Na primeira sessão do julgamento do STF, o único ministro que proferiu seu voto foi Edson Fachin, que votou contra a tese e defendeu que a delação é uma “das possíveis formas do exercício da ampla defesa”, afirmando que não considera haver prejuízos quanto à manifestação simultânea do réu delator e do réu delatado. Já na segunda sessão, em 26 de setembro, o placar fechou em 6 votos a 3, formando maioria a favor da tese que vai contra a Lava Jato.

Os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Werber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli votaram pela tese de que os réus delatados devem se manifestar depois dos delatores. Já os ministros Edson Fachin (relator do caso), Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Marco Aurélio votaram contra a tese e defenderam o prazo conjunto para a manifestação de delatores e deletados.

Conheça a regra sugerida por Toffoli para anular as sentenças

O presidente da corte, ministro Dias Toffoli, interrompeu o julgamento do dia 2 prometendo dar seguimento nesta quinta-feira, 03. No entanto, ainda na mesma noite, com a justificativa da falta de alguns ministros, a assessoria do tribunal confirmou que a votação estava novamente adiada. Apesar de ainda não ter data confirmada, deve ser concluída ainda neste mês, de acordo com o Toffoli.

Até então, o que já está valendo como tese geral em todos processos criminais é o direito de que os réus delatados devem manifestar suas alegações finais após os réus delatores, assegurando, assim, o direito à ampla defesa nas ações penais. Porém, por 8 votos a 3, a maioria dos ministros decidiu que, para evitar banalização sobre o resultado do julgamento, seja criada uma regra que restrinja quais casos serão beneficiados por uma revisão.

Devido ao adiamento da sessão, o STF ainda não definiu quais serão as orientações que devem ser seguidas para que a tese seja aplicada ou não. Ao final da última sessão, o ministro Toffoli sugeriu que a anulação da condenação seja aplicada em três circunstâncias:

  • quando a defesa dos réus em questão tiver levantado questionamentos em relação às alegações finais ainda na primeira instância;
  • quando for comprovado que a defesa do réu foi prejudicada;
  • quando as delações estiverem homologadas pela justiça.

O condenado mais famoso da Lava Jato pode ser beneficiado?

Alguns nomes conhecidos ficaram marcados por suas condenações, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB) e o ex-presidente da República Michel Temer (MDB). Porém, o mais comentado é o do ex-presidente Lula, preso desde abril de 2018 no Superintendência da Polícia Federal no Paraná, por esquema de corrupção do triplex no Guarujá.

No auge do debate da tese, esta semana a Lava Jato propôs que Lula cumprisse o restante de sua pena em regime semiaberto ou aberto. Tal decisão se deve pelo fato de que o ex-presidente já cumpriu um sexto de sua pena em regime fechado. Embora tal ação seja resultante da fidelidade à lei, em alguns veículos, como El País, foi divulgado que poderia ser uma alusão à fragilidade tanto da Lava Jato quanto de Moro pelas denúncias realizadas pelo The Intercept.

Entretanto, em relação a esta tese que está em discussão no Supremo, o ex-presidente não seria beneficiado pelo crime que o mantém detido, pois nesta condenação não houve delator. Mas, como Lula também responde pelos processos do sítio de Atibaia e pela doação do terreno do Instituto Lula, nestes poderia vir a ter maneiras de recorrer.

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