A polêmica do papel higiênico preto

Beta Redação traz pontos de vista mercadológico e publicitário diante da campanha que polemizou ao longo da última semana

Leonardo Ozório
Redação Beta
3 min readOct 31, 2017

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Campanha apropriou-se de slogan histórico — e se deu mal. Foto: Divulgação.

Lançado oficialmente durante a última semana (23/10), o novo produto do catálogo da linha Personal, um papel higiênico de cor preta, tem provocado rebuliço por todos os lados. Tudo por conta de seu slogan, Black is Beautiful (Negro é Lindo, em inglês), interpretado por muitos como uma iniciativa racista e que afronta, por exemplo, o histórico movimento de resistência afro-americano da década de 1960, que criou o slogan com o ideal de valorização do negro.

Com a intenção de anunciar um produto “sofisticado” e exclusivo no mercado brasileiro, a Santher, indústria responsável pela fabricação do produto, foi alvo de menções nos principais sites de notícias do país, proporcionando discussões de âmbito social e, até mesmo, mercadológicas — sobrando, neste caso, para a agência publicitária responsável pela sugestão da frase, a Neogama.

Procurada pela Beta Redação, a Santher, bem como a Neogama, por meio de nota, negou “qualquer insinuação ou acusação de preconceito”, lamentando “outro entendimento que não seja o explicitado na peça”. Ambas as partes ainda informaram que a frase sairá de circulação.

Produto é estrelado pela atriz Marina Ruy Barbosa. (Foto: Divulgação)

Ponto de vista publicitário

Na visão da publicitária e diretora de arte Fernanda Stecanela, a repercussão tornou-se infeliz principalmente pela utilização de uma mulher branca como modelo.

“Mesmo que tenha se concentrado em ressaltar o preto como diferencial por ser uma cor considerada muitas vezes elegante, não podemos esquecer que a população negra, que luta até hoje para ser representada, acaba se decepcionando ao ver uma causa sendo utilizada como um argumento de venda para um produto que serve para limpar fezes e urina”, avalia.

Para ela, o produto tem grandes chances de ser “derrubado” do mercado, tendo em vista o olhar do consumidor para marcas que, por exemplo, valorizam as diferenças, pensam em sustentabilidade e, principalmente, não praticam o racismo.

“O racismo na publicidade é muito mais expansivo que um papel higiênico. Nas agências, na maior parte das vezes, são mínimos os funcionários negros que não trabalham no setor de limpeza. Os que estão em agência precisam provar muito mais o quanto são bons. Acredito que faltou ter mais negros no processo de criação dessa campanha. Se tivesse, talvez, haveria a prevenção da polêmica que a utilização da hashtag gerou”, considera a publicitária.

E o mercadológico

Administrador de uma fábrica de papéis higiênicos situada na Região Metropolitana de Porto Alegre, Lucas Almeida comenta que, mesmo sofrendo represálias, o risco para a Santher é “válido”, dado seu tamanho e alcance no mercado. Mesmo assim, reprova a ideia.

“Na condição de consumidor eu jamais compraria. Não acho que a estética seja o primeiro critério observado na aquisição de produtos de higiene. Qualidade comprovada é sempre o ponto principal”, esclarece.

Outra discussão originada a partir do assunto diz respeito à saúde. Segundo Almeida, o tingimento do produto na cor preta não significa necessariamente riscos ao consumidor. Ele explica que o próprio papel higiênico original passa por um processo de branqueamento antes de ser empacotado.

Também procurado pela reportagem para debater a questão no ponto de vista racial, o Levante Negro, um dos principais coletivos de combate à opressão da população negra no Brasil, não retornou até o fechamento da matéria.

Confira a nota emitida pela Santher e pela Neogama:

“A mensagem criativa da campanha para o produto Personal Vip Black foi selecionada com o objetivo de destacar um produto que segue tendência de design já existente no exterior e trazida pela Santher para o Brasil. Nenhum outro significado, que não seja esse, foi pretendido.

Refutamos toda e qualquer insinuação ou acusação de preconceito neste caso e lamentamos outro entendimento que não seja o explicitado na peça.

Desta forma, Santher e Neogama vêm a público informar que tal assinatura foi retirada de toda comunicação da campanha e apresentar suas desculpas por eventual associação da frase adotada ao movimento negro, tão respeitado e admirado por nós.”

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