A república e a consagração dos gaúchos

Segunda matéria da série “O perfil político do Rio Grande do Sul” trata dos primeiros anos da república brasileira e como a chegada de gaúchos ao poder marcou história

Lidiane Menezes
Redação Beta
9 min readNov 2, 2018

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Por Bruna Bertoldi, Camila Tempas e Lidiane Menezes

Palácio do Catete sede do governo no Rio de Janeiro, atual Museu Republicano (Foto: Alejandro/Flickr CC)

Após um longo período de revoluções internas e conflitos de interesses políticos e sociais, a monarquia teve de dar lugar à república. Ainda que na época muitas pessoas acreditassem que a partir da instauração da república haveria a conquista de mais direitos civis, a República Velha, como é conhecida, foi marcada pela política centralizadora e elitista.

A Proclamação da República aconteceu em 1889, pelo Marechal Deodoro da Fonseca. É nesse período que as províncias do país se tornaram estados e passaram a ser divididas em Unidades Federativas, ou os Estados Unidos do Brasil. Segundo o historiador Bóris Fausto, essa transição política teve dois vieses: um social e outro ideológico. O primeiro tinha à sua frente os militares com ideais centralizadores e autoritários, e o outro as elites regionais, que através de seus interesses particulares aprovavam a descentralização do governo nacional.

Embora nos primeiros anos de república tenha prevalecido a ação militar com os presidentes marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto — que instauraram a República da Espada (1889 a 1894) — , a representação civil através das elites regionais conseguiu a hegemonia de governar o Brasil. Com a constituição de 1891, que seguia o modelo americano, mais moderna e federativa, é instaurada a divisão dos três poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo). Entretanto foi também instituído o voto aberto, somente para quem fosse alfabetizado, o que propiciou fraudes eleitorais.

O Sul e a Revolução Federalista

Toda mudança de regime político causa desconfortos e estranhezas, mas dentro do contexto em que se formou, a república brasileira o Rio Grande do Sul sofreu grande instabilidade. O doutorando em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Douglas Souza Angeli destaca as principais lideranças no início da república. “Nesse início do regime republicano, o Rio Grande do Sul estava politicamente fraturado: de um lado o Partido Republicano Rio-Grandense, reunindo liberais como Assis Brasil e positivistas como Júlio de Castilhos, e do outro o Partido Federalista, liderado pelo liberal monarquista Gaspar Silveira Martins”, explica.

Com a proclamação da república, em 1889, Júlio de Castilhos assumiu a presidência do Estado. Mas para ter toda ascensão de seu partido Republicano era necessário eliminar os adversários. “Naquele período não significava apenas vencer eleitoralmente: o recurso às armas ainda era visto como um meio legítimo de resolução dos conflitos políticos”, aponta Angeli.

Nesse contexto iniciou, em 1893, a Revolução Federalista conhecida também como Revolta da Degola. De um lado estava Castilho, com apoio do exército de Floriano Peixoto, do outro estavam os federalistas, liderados por Gaspar Silveira Martins, e que contavam com apoio da marinha.

Para Sandra Jatahy Pesavento, em sua obra intitulada República Velha Gaúcha — charqueadas, frigoríficos, criadores, desde sua formação o RS revelou-se um estado com algumas peculiaridades frente ao restante do contexto brasileiro. Uma região fronteiriça, fundamentalmente marcada pela militarização e pelo autoritarismo de algumas classes dominantes.

Durante os dois anos e meio da guerra civil (1893–1895), o exército de Silveira Martins travou diversas disputas por território no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, buscando tirar Castilhos do poder. “Assim, a oposição entre parlamentarismo e liberalismo de um lado, e presidencialismo e autoritarismo de outro, foi o caldo ideológico que animou a luta fratricida pelo poder no Rio Grande do Sul”, frisa Angeli.

O nome de Revolta da Degola se deu pelo fato que os inimigos eram degolados. Durante os 31 meses de revolta, em torno de 10 a 12 mil pessoas foram degoladas; na época a população do estado era de quase um milhão. Para Angeli, a localização do estado ao extremo sul, além de ser região de fronteira, trouxe uma longa tradição de conflitos armas, que aos poucos foi sendo modificada.

Gaspar Silveira Martins e Júlio de Castilhos (Fotos: Reprodução/Wikimedia Commons)

Um gaúcho no cenário nacional

O governo elitista era dividido entre os estados de São Paulo e Minas Gerais, formando o que ficou conhecido como a política do Café com Leite. Segundo Bóris Fausto, embora as principais decisões na área da política acontecessem entre os estados que exerciam a hegemonia, muito dos acordos políticos passavam pela elite do Rio Grande do Sul.

Dessa forma, em 1930, Minas Gerais quebra a aliança com São Paulo e apoia a candidatura do gaúcho Getúlio Vargas à presidência. Esse apoio abriu espaço para o que conhecemos como Aliança Liberal. Esta, por sua vez, foi derrotada nas eleições de 30 pelo candidato de São Paulo, Júlio Prestes. “São Paulo, com quem Minas Gerais mantinha, então, um pacto de governança pelo qual a cada período presidencial um paulista era sucedido por um mineiro — a chamada política café-com-leite — , descumpriu o combinado em 1930, apresentando Júlio Prestes como candidato à sucessão de Washington Luiz”, explica o jornalista e professor universitário, Luiz Antônio Farias Duarte.

Descontentes com o resultado, a Aliança Liberal organizou uma revolução para tirar Prestes da presidência. Assim, buscaram apoio de grupos militares para auxílio na frente armada da batalha. O Rio Grande do Sul foi o centro dessa revolta onde a Aliança teve êxito e formou uma coluna de militantes que percorreu todos os estados da região Sul até chegar na capital da república, o Rio de Janeiro, e tomar o poder.

Getúlio Vargas assumiu a presidência da república como um personagem centralizador e autoritário, embora também tenha sido visto como um modernizador do Brasil. “Revolucionário, ditador, pragmático, liberal, conservador, trabalhista. Ou seja, Vargas circulou por campos políticos diversos e muitas vezes antagônicos, oscilando entre perseguir inimigos, barganhar apoio internacional, criar a legislação trabalhista, o voto feminino e o salário mínimo, e apresentar-se à Nação como o “pai dos pobres” — sendo ele oriundo de famílias de posses”, ressalta Duarte.

Bóris Fausto explica que o gaúcho teve que enfrentar problemas internos, das forças que o apoiavam, e externos, vindos da oposição. Os internos se referiam ao tenentismo, movimento que se organizou como uma disputa política da qual Vargas saiu vitorioso. Já os problemas externos levavam em consideração as elites regionais que não aceitavam a centralização do poder, principalmente no estado de São Paulo. O que originou a Revolução Constitucionalista de 1932, momento em que a elite paulista defendeu o fim da ditadura que Getúlio havia implementado durante o governo provisório.

Mesmo com a derrota paulista, as exigências da população pela convocação de uma assembleia fizeram com que Vargas convocasse eleições em 1933, na qual se elegeu por meio do voto secreto e indireto. Foi aprovada, porém não posta em prática, a nova Constituição em 1934 que institui, entre várias novidades, novas leis trabalhistas que favoreceram o povo brasileiro. Embora tivesse iniciativas importantes sendo tomadas pelo governo de Getúlio, segundo Bóris Fausto, ele também terminou com as iniciativas de organização própria dos trabalhadores. Continuava autoritário, governando da forma tradicional, de cima para baixo.

Ainda na década de 30 começaram a surgir alguns movimentos sociais tanto de extrema direita quanto de esquerda. A última, de oposição e seguindo o viés comunista, criou a Aliança Nacional Libertadora, que originou a revolta intitulada Intentona Comunista de 1935. O governo getulista oprimiu a tentativa de golpe através de lei e declarou estado de sítio — Getúlio aproveitou o momento para ampliar seus poderes, iniciou o regime autoritário e, com isso, institui o Estado Novo em 1937. As forças policiais foram autorizadas a fechar o Congresso Nacional e o governo assumiu, de fato, as feições de uma ditadura.

Autoritário e centralizador, Getúlio foi simpático às ideias desenvolvidas na Alemanha e Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Em contrapartida, considerando sua posição geográfica no globo terrestre, pensou que fosse mais sensato se aliar aos vizinhos americanos. Com o fim da guerra, Vargas enfrentou uma nova crise em seu governo. Com a vitória Aliada na batalha mundial, as ideias de autoritarismo e fascistas do gaúcho caíram, o que desagradou e muito os aliados militares do governante, que fizeram com que ele fosse deposto do cargo em 1945, ano em que voltou para São Borja.

Nos anos seguintes, Getúlio candidatou-se à deputado e senador em São Paulo e Rio Grande do Sul, uma vez que na época isso era permitido por lei. Foi eleito nos dois estados e escolheu ser senador pelo Rio Grande do Sul. Em 1950, concorreu novamente à presidência da república e assumiu o Palácio do Catete no mesmo ano. Mas, segundo Bóris Fausto, dessa vez em circunstâncias muito diferentes do que antes: democracia, divisão dos poderes e economia instável foram algumas delas.

Na década de 50 o populismo também adquire forças, e Getúlio utilizou isso como estratégia de governo, o que acabou assustando alguns grupos conservadores. Logo depois que ele foi deposto em 1945, começaram a surgir partidos políticos e movimentos populares de oposição. Um deles, liderado por Carlos Lacerda, proprietário do jornal A Tribuna de Imprensa, órgão máximo da crítica opositora à Getúlio.

Foi então que dentro do governo getulista surgiu a ideia de atentar contra a vida do jornalista. A ação acabou não dando certo e resultou na morte do major da aeronáutica Rubens Vaz, que acompanhava Lacerda. Com duras críticas ao seu governo pela participação no atentado, Getúlio Vargas se suicida, em 1954, com um tiro no peito.

O jornalista Juremir Machado da Silva, em seu romance Getúlio, descreve com detalhes o que pode ter sido esse momento na vida do gaúcho que se tornou a maior figura política do Brasil. “Pressentia o desastre ou, simplesmente, queria vê-lo descansar”.

“Vem-lhe, então, à mente a frase anotada vinte e quatro anos antes, numa tarde de primavera, 3 de outubro de 1930, no seu diário de revolucionário com a faixa de presidente de Estado: “Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso”. Agosto…, pensa. Já comi muita carne, pensa. Segura o revólver, calibre 32, cabo de madrepérola, leva-o dois dedos abaixo do mamelão esquerdo. Vencera num 24. Partiria num 24. Respira fundo, muito fundo. Se não posso impedir o golpe como homem, eu o farei como cadáver, pensa. A mão treme-lhe por um segundo, antes de petrificar-se numa decisão sem volta. É o último lance. Dispara. Um tiro no coração! Abre-se um orifício no pijama listrado”.

Getúlio Vargas (Foto: Reprodução/Fotos Públicas)

Os caminhos para ditadura

A política brasileira sempre teve forte influência do poder militar. A república, em 1889, emergiu de um golpe militar. Depois, com a entrada de Vargas no poder, o país voltou a passar por um período de autoritarismos e direitos cessados. Depois de 10 anos da morte de Vargas, instaurou-se o Regime Militar.

“A crença de que as Forças Armadas teriam o papel de arbitrar os conflitos e intervir politicamente. Isso se viu em 1889 com o golpe da República. Nos anos 1920 com o tenentismo. Com o apoio dos militares ao movimento de 1930 e ao golpe do Estado Novo em 1937. Ao papel dos militares na deposição de Vargas em 45, na tentativa de deposição em 54. No golpe preventivo de 55, na crise de 61, no golpe de 64 e na ditadura militar”, aponta o doutorando, Douglas Souza Angeli.

Além da tentativa de deposição de Vargas em 54 pela oposição com o apoio militar, no ano seguinte ocorreu a tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek. Em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart — gaúcho de São Borja, terra dos presidentes, conterrâneo e herdeiro político de Vargas — assumiu a presidência do país após tentativa de impedimento por parte de militares e antigetulistas.

A tentativa de impedir que Jango, como era chamado, assumisse a presidência, estimulou a Campanha pela Legalidade. Liderada pelo governador do RS, Leonel Brizola, o movimento foi civil e militar, durou 14 dias e tinha como objetivo a posse de Jango. Devido ao seu posicionamento político e as propostas de Goulart mobilizou militares na luta contra o anticomunismo. Ato que teve apoio da população e dos meios de comunicação, e culminou no golpe militar de 64, que pôs fim à república.

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