A resistência e os desafios encontrados pelas vereadoras da bancada negra de Porto Alegre

Andressa Morais
Redação Beta
Published in
9 min readApr 28, 2022

A vitória histórica e os projetos importantes das quatro parlamentares não impediram que elas sofressem com a violência de gênero e racial

As quatro vereadoras da Bancada Negra, Laura Sito, Bruna Rodrigues, Daiana Santos e Karen Santos no plenário da Câmara Municipal (Foto: Josiel Rodrigues)

Nas eleições municipais de 2020, foi a primeira vez, desde que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começou a coletar dados sobre raça/cor de candidatas e candidatos em 2014, que registrou-se mais candidaturas negras (50,9%) do que brancas (47%).

Os dados estão no documento postado pela ONU Mulheres, iniciativa que faz parte da campanha #ViolênciaNão — Pelos Direitos Políticos das Mulheres.

Apesar deste avanço, apenas 8% das mulheres negras que se candidataram ao Executivo municipal foram eleitas. Em Porto Alegre, o cenário foi animador e de grandes mudanças com a eleição da primeira bancada negra da história da cidade, composta por quatro mulheres.

A conquista, porém, não impediu que as vereadoras encontrassem dificuldades para aprovar projetos devido à violência política de gênero e racial.

“A política ainda é um espaço muito hostil à presença de corpos como os nossos. Historicamente, mulheres como eu entram aqui apenas para trabalhar na copa, na limpeza e na manutenção. Ainda somos aquele estereótipo que os homens brancos que há tempos ocupam esses espaços de poder encontram nas suas casas na faxina. Tudo isso faz com que a nossa chegada nesses lugares seja um desafio por si só: é uma subversão à lógica de representação que nos exclui”, diz Bruna Rodrigues (PCdoB).

Entre os desafios está o boicote aos projetos importantes, segundo Karen Santos (PSOL). “A política do medo é implícito com a ideia de que a gente desista das nossas ações e objetivos”, relata Daiana Santos (PCdoB). Mesmo com as adversidades, as mulheres da bancada negra seguem resistindo e levando seus projetos adiante para gerar transformações na sociedade a partir do espaço de poder que permite a tomada de decisões.

Avanço nas leis

Em março deste ano, a Delegacia da Mulher de Porto Alegre indiciou o vereador Alexandre Bobadra (PSL) por crime de violência política de gênero contra a vereadora Bruna Rodrigues (PCdoB).

O crime foi enquadrado no artigo 326-B do Código Eleitoral e ocorreu em setembro de 2021, quando o parlamentar teria dito que a parlamentar tinha “tesão” nele, após Bruna reclamar de constantes interrupções do político a uma fala dela durante a reunião.

“Infelizmente já faz bastante tempo que se usa o fato de sermos mulheres para inviabilizar nossas campanhas eleitorais e, quando eleitas, o nosso pleno exercício parlamentar”, diz Bruna.

A violência política de gênero é reconhecida pela lei há pouco tempo. Em agosto de 2021 o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.192/21, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas.

Para Bruna, contar com um dispositivo legal que prevê esse tipo de crime é uma vitória que precisa ser celebrada, pois é um importante passo para combater o machismo na política e, por consequência, na nossa sociedade.

Os avanços nas leis são positivos, mas ainda não são o suficiente para que se tenham grandes mudanças no atual cenário. Entre os exemplos de melhoria, a vereadora sugere que as Procuradorias Especiais da Mulher nas casas legislativas criem dispositivos, campanhas e ações para o combate a essas práticas. Além disso, ela destaca que o tema precisa estar presente nas escolas.

Acompanhe agora o perfil das parlamentares da bancada negra:

Bruna Rodrigues (PCdoB)

Moradora do bairro Alto Petrópolis, Bruna Liege da Silva Rodrigues, de 34 anos, começou na política devido a maternidade. Ela teve sua filha aos 16 anos e precisou lutar para conseguir uma vaga na creche. Foi então que conheceu Manuela d’Ávila, vereadora de Porto Alegre, e a apresentou à política. A partir disso, ela começou a atuar dentro da União da Juventude Socialista e se filiou ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Bruna na marcha realizada no último 20 de novembro (Foto: Ana Carolina Lara / Arquivo pessoal)

Entre os seus projetos está o Pedido de Providência pela criação do Espaço Kids dentro das dependências da Câmara Municipal de Porto Alegre, que está em análise pela Procuradoria Especial da Mulher do Parlamento, para que se pense a possibilidade de implementação desta medida, a qual ela já incluiu em seu gabinete. Além desses, a vereadora também propôs o Projeto de Lei para criação do Programa Maternidade Segura e o de combate à mortalidade materna e neonatal, que se encontra sob revisão da Câmara para inclusão.

O primeiro projeto aprovado dentro da Câmara e, há alguns dias, sancionado pelo Executivo Municipal, foi o Selo Empresa Amiga da Mulher — que prevê a concessão anual da honraria anualmente às empresas que, comprovadamente, contribuem com ações e projetos de promoção e defesa dos direitos da mulher, com sede no Município de Porto Alegre.

Todos projetos da Bruna encontram-se no site da Câmara de Porto Alegre.

Karen Santos (PSOL)

Filha do meio de três irmãs, moradora do bairro Cristal, Karen Morais dos Santos, de 33 anos, sempre teve contato com movimentos sociais.

Quando criança, ela fazia capoeira no Grupo Farol, frequentava o Floresta Aurora, uma instituição sem fins lucrativos, fundada em 1872, que tem como objetivo ser um espaço onde a comunidade negra possa se encontrar e gerar transformações na sociedade. Seu pai era conselheiro da entidade.

Karen discursando na Câmara Municipal de Porto Alegre (Foto: Luiza Dorneles | CMPA)

Em 2010 ela viajou para o norte do Estado e morou durante 40 dias com uma família de agricultores para vivenciar a luta dos movimentos campesinos: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Movimento de Mulheres Camponesas e Movimento de Pequenos Agricultores. Já em 2012, ela passou a participar do movimento estudantil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde contribuiu para a criação do primeiro coletivo de estudantes cotistas da universidade.

A filiação ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) aconteceu em 2013, época em que lutava contra o aumento das passagens. É co-fundadora do coletivo Alicerce, uma organização política que pretende não ser só movimento estudantil, mas também fazer uma discussão de sociedade.

No mesmo ano, conseguiu a primeira suplência na Câmara de Vereadores e seguiu na carreira política. Em 2018, Karen concorreu a deputada federal com Fernanda Melchionna. Já em 2020, foi a candidatura mais votada da cidade e a quinta mais votada da história de Porto Alegre.

Durante a pandemia, Karen aprovou projetos que visavam facilitar o acesso aos transportes e manter a segurança da população como a garantia de máscaras PFF2 para os trabalhadores rodoviários, disponibilização pública dos dados referente ao contágio por COVID-19 e aos falecimentos em decorrência da doença, destacando-se a raça/cor das pessoas vitimadas, controle das linhas de ônibus 610 (Minuano), 611 (Lindoia), 615 (Cairu) e 715 (Sarandi/Sertório) e solicitação que que estes transportes não tivessem alteração de horário pelo período que durar a pandemia do Covid 19.

A vereadora também aprovou o projeto de inserção de psicólogos e assistentes sociais nas escolas e o plano de apoio emergencial às famílias atingidas pelas cheias do Guaíba pelo comitê anticrise popular de defesa civil.

Todos projetos da Karen encontram-se no site da Câmara de Porto Alegre.

Laura Sito (PT)

Laura Soares Sito Silveira, de 30 anos, moradora do bairro Sarandi, também teve os primeiros contatos com a política cedo. Aos 13 anos, entrou para o movimento negro e também se aproximou do movimento estudantil, mais especificamente na luta pela implementação da política de cotas, e assumiu como Presidenta do Grêmio do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, mais conhecido como Julinho.

Laura na Câmara Municipal de Porto Alegre (Foto: Lucas Leffa)

Na Universidade, intensificou seu contato com a política. Durante o período que estudava Jornalismo na UFRGS, foi secretária-geral da União Estadual dos Estudantes (UEE) e, depois, diretora de Direitos Humanos da União Nacional dos Estudantes.

Quando filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT), passou pela direção municipal, estadual e nacional, além de integrar a Secretaria Nacional de Mulheres. Em 2014, foi candidata a deputada estadual, em 2016 a vereadora e ficou como terceira suplente. Já em 2020, Laura foi eleita.

Recentemente ela teve um de seus projetos aprovados, que institui o Programa de Aquisição de Alimento no município de Porto Alegre, que visa incentivar o consumo de alimentos da agricultura familiar e fortalecer o circuito local e regional de comercialização a partir de compras públicas.

“Eu que venho da periferia sei o que a fome representa no cotidiano da cidade, e sei também como políticas públicas podem alterar a realidade e o rumo das nossas vidas. Foi por elas e por muita luta que cheguei até aqui”, desabafa.

O projeto foi aprovado na Câmara e sancionado pela prefeitura. Agora a vereadora e sua equipe estão em contato com o Executivo para definir as linhas da sua implementação.

Além desse, outro projeto da vereadora foi aprovado, que tem como objetivo garantir que o Município de Porto Alegre ofereça salas de apoio ao aleitamento materno para suas servidoras em seus locais de trabalho.

Todos projetos da Laura encontram-se no site da Câmara de Porto Alegre.

Daiana Santos (PCdoB)

Educadora social e sanitarista formada pela UFRGS, lésbica e moradora da periferia de Porto Alegre, Daiana Silva dos Santos, de 40 anos, iniciou muito jovem no movimento negro e LGBT.

A vereadora foi fundadora e coordenadora do Fundo das Mulheres POA, projeto social que atende mulheres chefes de família em situação de vulnerabilidade e, assim como Bruna, filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Daiana na marcha Zumbi e Dandara no dia 20 de novembro de 2021 (Foto: Divulgação / site Daiana Santos)

Entre os seus projetos, Daiana criou o Indicativo para criação da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres e o Programa TransCidadania Finalidade, que visa o acesso a direitos e empregabilidade para a comunidade trans e travesti de Porto Alegre e está aguardando aprovação do poder executivo.

Todos projetos da Daiana encontram-se no site da Câmara de Porto Alegre.

Além dos projetos citados, a Bancada Negra, composta pelas quatro parlamentares e o vereador Matheus Gomes (PSOL), criou a campanha permanente de enfrentamento ao assédio e à violência sexual no município de Porto Alegre, que foi aprovado, e o Dossiê das Mulheres em Porto Alegre, que tem como objetivo publicar estatísticas periódicas sobre as mulheres atendidas pelos serviços públicos do município e foi aprovado.

Mulheres negras que marcaram a história da política

Linha do tempo com um pequeno resumo de mulheres negras que foram importantes para a política

De acordo com pesquisa feita pela equipe do Memorial da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, solicitada pela vereadora Karen Santos, da primeira legislatura em 1947 até 2020, 31 negros ocuparam uma vaga no Legislativo, boa parte como suplentes.

Vinte e um eram homens e dez, mulheres. Segundo Andréa Ávila, Assistente Legislativo III, faltam alguns nomes para compor a lista, que passará por revisão e postarão a listagem completa.

A primeira vereadora negra, Teresa Franco, em março de 1997, ao discursar pelo Dia Internacional da Mulher em sessão na Câmara, fez uma fala que ainda reverbera.

“Penso que a minha luta pode servir de exemplo para muitas mulheres que não acreditam em dias melhores. A igualdade, o trabalho e a dignidade são obrigações do Estado e da sociedade, mas somente se tornarão realidade com a nossa luta. Agradeço muito a Deus por, no meio de tantas negras professoras, ele foi lá no fundo do poço buscar essa Negra para fazer dela uma Vereadora”.

Hoje, as quatro vereadoras da Bancada Negra falam para aquelas que virão depois e acreditam na ocupação dos espaços de poder.

“Como mulher preta e lésbica, eu acredito na luta por ocupação de espaços, que mais jovens e mulheres possam ocupar esses espaços de poder público”, diz Daiana.

“Nós percebemos que a política se faz ocupando espaços. Nós compreendemos as urgências e necessidades do nosso povo, e precisamos ocupar os espaços de decisão para que essas urgências e necessidades sejam atendidas. Tenham coragem e fortaleçam as lutas coletivas”, reforça Laura.

Para Bruna, a Bancada Negra é um fenômeno exclusivo e importante na cidade. “A eleição de uma Bancada Negra faz com que a discussão da pauta e da luta antirracista tome outra proporção na nossa cidade, colocando-nos como uma vitrine de esperança do movimento negro pela superação da baixa representação das pessoas negras nos espaços de poder, mas também como a oportunidade de discussão de assuntos e de apontamento de políticas públicas para esse segmento da sociedade brasileira”, comenta.

Os discursos das vereadoras e o feito pela Teresa em 1997 se complementam e seguem carregados de resistência, como finaliza Karen: “Aqui dentro, nós somos só mais um, mas a nossa força mesmo vem da nossa união, do nosso povo”.

Leia também: Da campanha à eleição: a necessidade de uma política com igualdade de gênero

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