A situação dos cinemas em meio a uma pandemia de incertezas

Empresas tentam driblar a crise e as novidades no streaming, mas futuro ainda é incerto

Mateus Friedrich
Redação Beta
8 min readMar 25, 2021

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Com Isabelle Castro

Cine + Arte Tanópolis passou por adequações para receber o público durante a pandemia. (Foto: Mateus Friedrich / Beta Redação)

Quando a pandemia do novo coronavírus foi decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em março de 2020, ninguém imaginava que a situação duraria tanto tempo. No Brasil, em fevereiro do mesmo ano, quando o primeiro paciente infectado foi confirmado, algumas cidades adotaram a quarentena, estratégia utilizada para diminuir a propagação do vírus no país.

A situação foi agravando-se ao longo dos meses e o aumento rápido de casos fez com que o comércio não essencial fosse fechado, a fim de controlar o contágio e diminuir a circulação de pessoas nas ruas das cidades. Com o comércio fechado ou parcialmente aberto durante, agora, um ano, inúmeros setores foram prejudicados.

A indústria cinematográfica foi imensamente prejudicada. A pandemia atrasou lançamentos, divulgações e interrompeu bilheterias de vários filmes ao redor do mundo. A crise forçou uma revolução no mercado dos filmes. Até o ano de 2019, marcas mundialmente conhecidas como Warner, Disney e Universal, mantinham um acordo para que os filmes fossem lançados nas plataformas digitais apenas 90 dias depois de terem estreado nos cinemas. A pandemia modificou esse acordo.

Em 2020, devido ao avanço do streaming, as empresas se viram obrigadas a lançar seus filmes nas plataformas para conseguir organizar as finanças, como fez a Warner com “Scooby! O Filme”. A animação estava prevista para ser lançada nos cinemas dos Estados Unidos em 15 de maio de 2020, mas a Warner Bros cancelou a estreia e decidiu lançar o filme nas lojas digitais da Warner.

No final de 2020, quando os casos diminuíram, os cinemas conseguiram retomar suas atividades, mas com restrições. A maioria estava atendendo com até 50% de ocupação, e o uso de máscaras era obrigatório. Para avaliar o impacto da crise que atingiu o setor, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) publicou um edital de contas no ano passado, além de disponibilizar uma linha de crédito emergencial.

Segundo a Ancine, dados do Sistema de Controle de Bilheteria (SCB) apontaram uma redução de 77% de público no ano passado no Brasil, em relação a 2019. O público total foi de 39 milhões de espectadores, com uma receita de bilheteria em torno de R$ 630 milhões.

Em relação aos filmes brasileiros, os números de 2020 indicam um público de 9,1 milhões de espectadores e uma arrecadação de R$ 144,7 milhões, uma redução de 61,8% e 55,8%, respectivamente, em relação a 2019. Com a chegada da pandemia, o SCB apontou que cerca de 3.381 salas de cinema estavam abertas no início de março, mas em abril foram registradas apena cinco em funcionamento.

Queda de receita dos cinemas caiu de forma drástica em 2020. (Foto: Reprodução/Ancine)

Em dezembro de 2020, o Sistema de Controle de Bilheteria registrou o funcionamento de 2.378 salas abertas, o que corresponde a cerca de 70% do total de salas registradas em dezembro de 2019. Porém, enquanto São Paulo e Rio de Janeiro o percentual de salas abertas em dezembro foi de quase 80% em relação ao mesmo período de 2019, em outros, como Rio Grande do Sul, esse valor não chegou a 10%.

Nas duas primeiras semanas de 2021, o Sistema de Controle de Bilheteria registrou queda de 95,23% do público das salas de cinema, em relação às duas primeiras de semanas de 2020, atingindo apenas 756 mil espectadores, com uma receita de bilheteria em torno de R$ 12 milhões, uma redução de 95,12% para o mesmo período em 2020.

A Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec), em todo o Brasil, estima, neste ano, uma perda 70% na receita de bilheteria em 2020 em relação a 2019. No passado, as salas de cinema de todo o País registraram 177 milhões de espectadores, com um faturamento de R$ 2,8 bilhões. Em contato com a Beta Redação, o presidente da Feneec, Ricardo Difini Leite, afirmou que a estimativa “é perder 125 milhões de espectadores e R$ 2 bilhões em receita por conta da pandemia”.

Em nota divulgada à imprensa, Ricardo ainda reforça que a saúde da população é a prioridade no momento. “O bem-estar dos espectadores de cinema e dos funcionários das empresas de cinema é hoje a nossa prioridade total”.

O impacto nos cinemas do Rio Grande do Sul

Sistema Drive-In foi uma das saídas encontradas pelos empresários a partir do início da pandemia no Brasil. (Foto: Arquivo Pessoal / Ewerton Brandolt)

No Rio Grande do Sul, ainda segundo a Feneec, a perda estimada das exibidoras de filmes é de R$ 140 milhões, contando apenas os dados de 2020. Atualmente são 192 salas de cinema em 32 municípios gaúchos. Apenas em Porto Alegre são 71 salas. A sobrevivência de várias delas ainda é uma incógnita. Ainda de acordo com a nota, o presidente explica: “O Brasil tem um mercado de exibição bem capitalizado, com várias empresas de pequeno porte. Ainda não sabemos quais vão conseguir retomar atividades”.

No início, a saída encontrada para diminuir as perdas foi retomar o cinema drive-in (uma opção de cinema onde se assiste ao filme dentro do carro). No começo, os filmes eram o foco, mas o formato deu certo, atraiu clientes e foi adaptado para shows e outros espetáculos. Porém, com o agravamento da pandemia, essa opção também cessou.

Com as atividades suspensas, a situação no Estado se tornou crítica. Em Santo Ângelo, o tradicional Cine Cisne acabou encerrando suas atividades. Segundo a Feneec, a estimativa é que os cinemas tenham redução de 30% em público e renda em 2021, comparado ao ano de 2019.

Procurada pela Beta Redação, a rede UCI Cinemas, que possui diversas salas pelo país, entre elas em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, afirmou que: “Infelizmente devido à pandemia, estamos sem força de trabalho para auxiliar em sua pesquisa”.

Especialista e professor da Unisinos fala sobre o assunto

Milton do Prado Franco, coordenador do curso de Realização Audiovisual da Unisinos e editor da revista Teorema — Crítica de Cinema, conversou com a Beta Redação sobre a situação dos cinemas no Rio Grande do Sul. “Meu ponto de vista é focado em relação ao ano passado, e posso dizer que a situação dos cinemas é muito complicada”, afirma.

Milton do Prado analisa que o cinema já estava passando por uma fase de transição antes mesmo da pandemia. (Foto: Arquivo Pessoal)

O professor faz um comparativo com os serviços de tele-entrega, que vem trazendo certo alívio para vendedores na pandemia. Quando o serviço não chega até a casa das pessoas, não funciona. “É o caso dos cinemas. Antes da pandemia, os cinemas já estavam enfrentando uma situação de transição e de testes, devido às novidades da área, como o streaming. O que faz do cinema algo especial não são os filmes, mas a experiência que as pessoas só encontram nas salas de cinema”, salienta.

Milton observa, no entanto, que ir até o cinema para assistir a um filme já estava se tornando caro há algum tempo, não só no Brasil. Ele acredita que Porto Alegre possui uma vantagem nesse aspecto, já que possui muitas salas de cinema por habitante na cidade — entre cinemas de empresas maiores e cinemas de rua. Milton prevê que as salas de rua que são menores e contam com apoio do governo devem se manter nessa situação.

“A Casa de Cultura Mário Quintana e a Cinemateca Capitólio são alguns exemplos. Já as empresas maiores, que possuem salas de cinema nos shopping, têm desconto no aluguel das salas durante a pandemia. Mesmo assim, as empresas foram muito prejudicadas e houve inúmeras demissões”, complementa.

Foram menos de três meses de cinema aberto no final de 2020 no Estado, com apenas 50% da capacidade. O respiro nas finanças não foi o suficiente para cobrir parte do prejuízo causado durante todo o ano em virtude da pandemia. Conselheiro da Cinemateca Capitólio, de Porto Alegre, Milton explica que, em alguns lugares do mundo, como na França, os cinemas possuem ajuda financeira do Governo, e mesmo assim, a situação está longe da normalidade.

O professor acredita que a pandemia deve se estender no Brasil por todo o ano de 2021, o que deve acarretar em ainda mais prejuízos em diversas empresas de cinema. “Não sabemos qual será o futuro das nossas salas de cinema”, conclui.

Proprietário de rede de cinemas minimiza prejuízos financeiros

Ewerton Brandolt garante que o prejuízo financeiro e cultural é insignificante comparado com as vidas perdidas na pandemia. (Foto: Arquivo Pessoal / Ewerton Brandolt)

O empresário Ewerton Brandolt é proprietário do Cine + Arte Tanópolis, rede de cinemas que tem salas em Montenegro, Capão da Canoa (duas) e Sombrio-SC (duas). Nos primeiros meses de pandemia, mesmo com a dificuldade financeira enfrentada pelo setor, Ewerton manteve 100% do quadro de funcionários e criou um projeto para drive-in.

No final de 2020, o proprietário pode reabrir as salas, mas por pouco tempo. Entretanto, ele entende que a prioridade, no momento, é a saúde da população. “Infelizmente conseguimos operar por apenas dois meses desde o começo da pandemia. Apesar disso, o prejuízo financeiro e cultural se torna insignificante comparado às vidas que perdemos com a pandemia. Neste um ano, a meta foi apenas sobreviver”, ressalta.

O Cine + Arte Tanópolis está ‘off-line’ — em virtude dos protocolos da bandeira preta — e continuará assim nas próximas semanas. Ewerton salienta que a equipe possui funcionários que integram o grupo de risco e, por isso, o mais seguro é manter as salas inativas até que a situação melhore. Ele admite estar preocupado com o futuro, mas garante que a sala do seu município não será fechada. “Posso fechar todas as salas da rede, mas a de Montenegro nunca irá fechar. Montenegro é a cidade das artes e isso nunca vai mudar”, declara.

O proprietário também acompanha de perto a ascensão dos canais de streaming, que ganharam ainda mais força com a pandemia. Contudo, esse crescimento não o preocupa. “Não é uma preocupação a longo prazo. A pandemia, um dia, vai acabar e a vida vai voltar ao normal. A experiência de assistir a um filme no cinema é diferente. Pode demorar um pouco, mas os grandes lançamento vão lotar as salas de cinema de novo, como Avatar em 2022, por exemplo”, completa.

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