A vez da nova esquerda

Aline Santos
Redação Beta
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7 min readJun 14, 2018

Em vias de legalização, a Unidade Popular visa transformar o cenário político e aprofundar pautas socialistas no Brasil.

Em evento realizado no Sindicato dos Municipários, UP elege Diretoria (Aline Santos/Beta Redação).

Aos sábados no trajeto entre Porto Alegre a Novo Hamburgo é possível encontrar um grupo de jovens nos trens. Eles integram o partido político Unidade Popular pelo Socialismo (UP), que tenta por meio de abaixo assinados obter o número de assinaturas necessário para a sua legalização. Aos passageiros, o grupo de esquerda anuncia suas propostas, enfatiza a crise que toma conta da atual política brasileira e convida os presentes a refletirem sobre uma mudança de paradigmas capaz de transformar a política no país.

Material de apoio vendido pela UP para angariar fundos para o partido (Aline Santos/Beta Redação).

A Unidade Popular surgiu em agosto de 2014 nos estados de AL, BA, CE, DF, GO, MA, MG, PA, PB, PE, PI, PR, RJ, RN, RS, SC, SE, e SP, buscando em conjunto coletar assinaturas em seus respectivos territórios para oficializar a sigla no âmbito nacional. A UP precisa obter em torno de 500 mil assinaturas aptas, o que corresponde a 0,5% do eleitorado nacional para a oficialização de qualquer partido no país. Até o fechamento desta reportagem haviam sido consideradas aptas 180 mil no Brasil, sendo 16 mil no Rio Grande do Sul.

O Diretório Estadual do partido foi eleito no dia 6 de maio em um evento realizado no Sindicato dos Municipários em Porto Alegre e os nomes que compõem a Diretoria são: a presidente Priscila Voigt, o vice-presidente Vinícius Stone, a tesoureira Nana Sanches, a secretária geral Thainá Teixeira e o primeiro secretário José Roberto Cruz.

Documento do abaixo assinado é apresentado sempre aos sábados nos trens (Aline Santos/Beta Redação).

Segundo o vice-presidente Vinícius Stone e a tesoureira Nana Sanches, a UP é a união de movimentos sociais, dentre eles o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), o movimento de mulheres Olga Benário, movimento Luta de Classes e a União da Juventude Rebelião (UJR). Suas propostas estão embasadas no combate à violência contra a mulher, pela educação pública e gratuita de qualidade, pela reforma urbana e em defesa dos trabalhadores, dos pobres e oprimidos do país.

Para a legalização do partido, uma organização e divisão de grupos para coleta foram feitas. “É um trabalho árduo, desde a coleta das assinaturas até todo o processo de conferência dos dados. O TRE disponibiliza uma listagem dos eleitores, nela encontramos o título da pessoa, se tiver homônimo pode usar a data de nascimento. Depois devemos cadastrar os nomes em um site do TSE que é o Sistema de Apoiamento a Partido em Formação (SAPF), cadastrar as fichas nesse sistema, fechar os lotes de 100 em 100 fichas, tirar as que estão duplicadas e depois temos que entregar nos cartórios. O fechamento é feito com base na zona eleitoral da pessoa, após esse trabalho as fichas serão consideradas aptas”, explica Vinícius.

À frente Nana (de vermelho) e Vinícius (de branco) (Foto: Aline Santos/Beta Redação)

“Os movimentos sociais são uma escola para pensar um novo tipo de sociedade”

Os membros da Diretoria explicam que o partido surge em um momento em que as alternativas de esquerda já não satisfazem as necessidades do povo, neste sentido a UP traz pautas que já foram discutidas, mas não propostas oficialmente. “A UP pauta o não pagamento da dívida pública, pois entendemos que esse dinheiro pode ser melhor investido em educação, por exemplo. Também pautamos a reforma agrária e a reforma urbana popular, nossa constituição partidária traz o aporte dos movimentos sociais pois entendemos que eles são uma escola para pensar um novo tipo de sociedade. Acreditamos que é muito importante também uma educação política para o povo”, relata Nana.

“A esquerda entrou no jogo de sustentar o capital”

Bandeira com o símbolo da UP (Foto: Aline Santos/Beta Redação)

Nana destaca que alguns partidos de esquerda, enfatizando o último governo, mantêm a política de conciliações de classes e questiona o principal intuito dos programas sociais apresentados. “Não vou generalizar, mas a esquerda entrou no jogo de sustentar o capital, os programas sociais acabam gerando lucro para quem tem dinheiro. O Minha Casa Minha Vida teve vários problemas, não atendeu massivamente à população que precisava, foi muito mais atrelado às demandas do capital do que as demandas dos sem teto. 1% do programa foi destinado aos movimentos sociais e 99% para empreiteiras como a Odebrecht. É importante a partir de agora a reformulação e a união da esquerda, para impedir retrocessos, pois quem paga por erros políticos acaba sendo a população”.

Sobre as práticas partidárias em geral, Vinícius contesta o atual financiamento privado de campanhas em que partidos recebem grandes quantias de diferentes setores. “Tem partidos que se elegem recebendo muito dinheiro de mega empresários, planos de saúde deram 55 milhões em campanha para mais de 150 candidaturas de deputados, vereadores, da própria Dilma e de cinco partidos diferentes. Então é impossível não ligar o sucateamento da saúde pública com isso. A UP não é financiada por nenhuma empresa e por nenhum outro partido existente”, destaca.

Material de apoio do partido (Foto: Aline Santos/Beta Redação)

Lula

Apesar de não concordarem com algumas decisões do PT, a UP acredita que os últimos acontecimentos com o ex-presidente Lula denotam uma perseguição, sendo Lula um preso político, e que o Partido dos Trabalhadores passa por uma espécie de ‘demonização’ midiática. “O principal motivo disso são as grandes chances que Lula tem de vencer a eleição. O fato de ele quase não poder receber visitas mostra que não houve uma desmilitarização da nossa justiça e da nossa polícia. Somos a favor que Lula tenha o direito de se candidatar como qualquer candidato democraticamente. O fator positivo dessa efervescência política pela qual o país passa, faz com que mais pessoas queiram participar da política e entender melhor o que está acontecendo. É uma angústia pessoal que se torna coletiva e a partir disso há um pensamento para buscar uma transformação”, completa Nana.

“É preciso uma nova política”

Vereadora Fernanda Melchionna defende mudanças (Foto: Matheus Piccini/CMPA)

Para a vereadora de Porto Alegre, Fernanda Melchionna (PSOL), a iniciativa da Unidade Popular é válida e importante pelo engajamento com movimentos sociais. Na questão da legalização, a parlamentar questiona a burocracia para implementação de partidos. “O PSOL também passou por isso, há uma burocratização no processo. Eu conheço o pessoal da Unidade Popular e desejo que regularizem sua situação e estejam na luta colocando seus ideais em prática”, relata.

Com relação à configuração da UP, em sua maioria composta por jovens, Fernanda acredita que há um aumento da participação deste público na política e cita como exemplo de engajamento a ocupação nas escolas no ano de 2016.

A vereadora destaca que uma reformulação da esquerda na atualidade é de suma importância para colocar em pauta ideais democráticos. “É preciso uma nova política esquerda que levante bandeiras, que faça um balanço com a velha esquerda e traga à tona práticas mais incisivas. Nós tivemos o PT no governo por vários anos e percebemos que não foi como deveria ser, poderia ter sido melhor. A luta pelo povo é fundamental, temos que apostar em um governo que olhe para os movimentos das mulheres, dos negros, LGBTs e que não fomente a desigualdade social”, destaca.

Juventude contestadora

Tadeu vê nos jovens o desejo de fazer a diferença (Foto: Arquivo pessoal/Benedito Tadeu César)

No cenário político atual, o cientista político Benedito Tadeu César lamenta o desprestígio e generalização da política em que alguns indivíduos e siglas são estigmatizados e diz que a mídia colabora com esse processo. “Há um trabalho de solapamento do PT e de toda a esquerda, mas há um trabalho mais amplo de desprestígio da política de maneira geral. Concentram a corrupção como algo exclusivo dos políticos, fazendo com que a população perca o interesse na política de uma maneira geral”, alerta.

Benedito percebe a esquerda como um âmbito diversificado, repleto de ramificações que se interligam por ideais similares. Ele destaca que os jovens são contestadores e vê com bons olhos que a UP esteja sendo construído por eles. “Muitas pessoas acham que os jovens não querem saber de nada, o que não é bem assim. Faz parte da juventude um certo ímpeto de tentar mudar o mundo, tentar moldar o mundo com relação às suas aspirações”, conclui.

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Aline Santos
Redação Beta

Jornalista, escritora, criativa, mediadora de experiências gastronômicas e afins.