A voz e a vez das mulheres torcedoras nas redes sociais

No Mês da Mulher, a Beta Esporte conversou com cinco apaixonadas pelo futebol para contar a realidade delas nas arquibancadas

Gabryela Magueta
Redação Beta
8 min readMar 22, 2022

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Por Laura Rolim e Gabryela Magueta

Em semana de Gre-Nal, não se fala em outra coisa senão na expectativa e no nervosismo dos torcedores. O futebol é uma paixão que une rivalidade e amor e com os times gaúchos isso não é diferente. Na tarde de sábado, 19 de março, no estádio Beira-Rio, ocorreu o primeiro jogo da semifinal do Gauchão. O clássico 436 foi vencido pelo time tricolor pelo placar de 3 a 0. Os jogos dos Gre-Nais são tradicionalmente vistos como um espaço predominantemente masculino mas, cada vez mais, ganham a presença das mulheres. Elas, que buscam um lugar de respeito e igualdade, almejam os mesmos direitos no futebol. Por isso, nas redes sociais, ganham força e admiração de outras torcedoras que se sentem representadas.

A paixão pelo time, que vem desde a infância, hoje se reflete também no trabalho. A jornalista e apresentadora da Rádio Inferno, Larissa Carlosso, sempre quis trabalhar com esportes. A Rádio Inferno apareceu na carreira de Larissa no momento em que ela estava desacreditada do jornalismo esportivo e de que conseguiria espaço na área. "Recebi um convite de um amigo para fazer uma live após o jogo do Inter, e através dela, ele me convidou para fazer parte do time. Sempre falo para todo mundo que me pergunta como é trabalhar com o Inter que, para mim, é como se eu estivesse assistindo o jogo do estádio e conversando com os meus amigos sobre futebol. É uma coisa que eu amo fazer. Sou extremamente grata em poder fazer parte do time da Rádio Inferno e de tocar esse projeto tão legal e que me faz tão feliz”, conta.

Larissa Carlosso acompanha um dos jogos do Internacional, à esquerda e Larissa em momentos de entrevista, na imagem da direita. (Fotos: Arquivo Pessoal/Larissa Carlosso)

Torcida, um substantivo feminino

A preparação para os jogos começa bem antes das partidas. Segundo Larissa, a partir da definição do calendário a produção da jornada inicia. Cada detalhe é pensado para os momentos pré e pós jogo. Em seguida, é feito o contato com os convidados de cada live.

Para Evelyn Haag, relações públicas e torcedora do Grêmio, o preparo para a cobertura dos jogos acontece todos os dias. Além de gremista, ela é colaboradora da Soccer News Grêmio, uma das páginas mais antigas no Instagram que cobre notícias do time. A paixão pelo tricolor começou cedo, pois o pai e os irmãos sempre foram ligados ao esporte. “Eu não lembro quando começou, porque acho que ela nasceu comigo. A minha família é muito ligada ao esporte e sempre me influenciou e incentivou a acompanhar. É uma coisa que foi enraizada em mim desde a barriga da minha mãe”, expõem.

Nas redes sociais, Evelyn compartilha cliques dos jogos que participa. Com pouco mais de 12 mil seguidores no perfil no Instagram, ela acumula visualizações em sua página voltada à cobertura do Grêmio. Além disso, em seu perfil no Twitter, com 16 mil seguidores, compartilha as comemorações e frustrações de uma torcedora fanática. “Eu comento sobre futebol no Twitter há muitos anos. Começou como um hobbie, mas aos poucos eu comecei a contribuir com algumas páginas, como a Soccer. É um trabalho extra, mas é muito gratificante ser reconhecida a partir de algo que começou como uma brincadeira, comentar sobre os jogos e me conectar com pessoas que têm as mesmas paixões que eu”, relembra.

Evelyn Haag posa com o uniforme gremista na Arena. (Fotos: Arquivo Pessoal/Evelyn Haag)

Apesar de se constituirem enquanto espaço de conexão e troca de ideias, as redes sociais também representam um espaço marcado pela violência e pelo desrespeito. Por conta da exposição e do grande número de seguidores que a acompanham, Evelyn relembra episódios de violência de gênero. “Já ouvi muito comentário dizendo que ‘mulher não entende de futebol’, ‘tá aí só pra chamar a atenção de homem’, e também coisas a nível de fazer um B.O na polícia. Com certeza se fosse um homem comentando os jogos, a pessoa não teria dito aquelas ofensas. Hoje em dia eu tento não me prender a esses comentários negativos e olhar para quem me acompanha e gosta do meu trabalho”, explica.

Para Larissa, desde que escolheu atuar como jornalista esportiva, ela sabia dos desafios que enfrentaria. “Várias vezes homens me questionaram sobre o time, me questionaram se eu sabia o nome do técnico, se eu sabia o que era pênalti e escanteio. Nós, mulheres que gostamos e acompanhamos futebol, sempre temos que provar alguma coisa para algum homem que não acredita que a gente saiba tanto quanto eles”, ressalta.

Representatividade

A discussão sobre o preconceito contra a presença feminina nas arquibancadas representou um caminhou de união para três mulheres: a estudante de Jornalismo e comentarista Thallya Scariot; a administradora e colaboradora do grupo Gurias do Grêmio, Jerusa Santos; e a estudante de Educação Física e idealizadora do projeto Beira News Oficial, Eduarda Junges Teixeira.

Thallya Scariot faz uma publicidade com a marca de cervejas Brahma, uma cobertura pela FGF TV e durante um dos jogos do Internacional no estádio Beira Rio.(Fotos: Arquivo Pessoal/Thallya Scariot)

Jerusa comenta que o ano de 2017 foi marcado por episódios de violência nas redes sociais. Segundo ela, sempre que as mulheres se dedicavam a opinar sobre os jogos eram reprimidas. Na tentativa de reverter esse cenário, elas passaram a se manifestar diante de situações machistas sofridas por torcedoras ou jornalistas. Foi o que aconteceu quando a administradora Jerusa soube da ocorrência de machismo direcionado à jornalista Kelly Costa e se sentiu no dever de defender a profissional e todas as mulheres.

“O futebol é um mundo muito masculino e sofremos muito preconceito para falar e debater sobre ele. Na época respondi a inúmeros comentários machistas. É uma luta diária estarmos ali, pois a todo momento a mulher tem que mostrar que está certa e correta,” afirma Jerusa.

À esquerda, a gremista Jerusa Santos com as amigas durante um jogo do Grêmio. A foto da direita mostra a Arquibancada virtual da RBS na pandemia. (Fotos: Arquivo pessoal/Jerusa Santos).

Para a estudante de Jornalismo Thallya, torcedora do Internacional e comentarista de futebol, o espaço que as mulheres ocupam representa um ato de resistência e presença no esporte. "A oportunidade que temos hoje é dizer sim a nossa presença. Vamos estar nas TVs, nos rádios, nos jogos e onde queremos estar, reafirmando que entendemos de futebol também. Já ouvi muitos elogios como comentadora e torcedora. Já conquistei muitas pessoas. Mas ainda há comentários sobre o meu gênero. Não apenas pelo meu trabalho, não é um comentário que discorda da minha opinião, é por eu ser mulher. São comentários que afetam meu gênero, desclassificando e desprezando as mulheres,” destaca.

Discurso de Thallya Scariot sobre ser mulher dentro e fora do campo. (Vídeo: Thallya Scariot /YouTube)

Thallya protagonizou vários jogos femininos e comenta a sua preparação e a falta de oportunidade de meninas e mulheres nos clubes. “A minha preparação para ver os jogos é o estudo dos dois times (feminino e masculino), o histórico dos times, os atletas, treinadores e as dificuldades. Há um ponto de dificuldade ainda maior nos clubes femininos, pois o futebol feminino não é valorizado como deveria. As meninas do interior, por exemplo, encontram dificuldades ainda maiores pelo preconceito,” afirma a torcedora.

A estudante hoje é encarregada de acompanhar jogos femininos pelo Brasil e escreve sobre as competições que acontecem por aqui. Thallya faz a cobertura dos jogos pela Federação Gaúcha de Futebol Feminino pelo Gauchão Feminino e, recentemente, foi convidada para acompanhar os jogos da CBF. O último editorial produzido por Thallya pode ser conferido aqui! (em espanhol).

A idealizadora do Beira News Oficial, página do Instagram com mais de 20 mil seguidores, Eduarda Junges, descreve as alegrias e os desafios de ser torcedora em um espaço majoritariamente masculino. “É bom e ruim ao mesmo tempo. No começo do projeto, quando começamos as lives, ocorriam muitos comentários de tipo ‘mulher falando de futebol não sabe’, mas eu digo que isso fez eu querer mais e mais aprender sobre o futebol e crescer. Isso nunca me fez desistir do meu sonho e, com o tempo, fui criando a minha credibilidade,” afirma.

O gosto pelo futebol vem de berço para a maioria das meninas. Com Eduarda não foi diferente. “A minha paixão pelo futebol começou desde o berço e o meu irmão foi o principal responsável por isso. Me levava em todos os jogos e, aos poucos, eu fui começando a cada vez mais entender sobre o futebol,” destaca a estudante.

Eduarda atua com o seu amigo e sócio Matheus Veiga no projeto Beira News Oficial, que pode ser acompanhado nas redes sociais. A iniciativa surgiu há três anos, através da publicação de conteúdos no Instagram e Twitter e, atualmente, está em fase de migração para o YouTube. "A maior motivação para ter um projeto foi principalmente poder colocar a própria opinião em alguns fatores do futebol, comentar sobre o futebol. Posso dizer que cada conquista que tenho no ramo jornalístico é muito incrível, pois sabemos que nesse ramo ser reconhecido, e até mesmo poder opinar sobre a sua convicção é muito importante,” explica.

A estudante é uma torcedora e comunicadora assídua nos canais colorados do YouTube. Eduarda e Thallya recentemente participaram dos encontros por videoconferência e lives ao vivo na plataforma de vídeos. Confira a participação delas aqui:

INTER DE TODAS com Eduarda Teixeira — YouTube
Diego Aguirre está de volta! — YouTube

Você sabia?

Em junho de 2017, o Museu do Futebol, em São Paulo, recebeu o primeiro Encontro Nacional de Mulheres de Arquibancada. O evento reuniu representantes de cerca de 50 torcidas organizadas vindas de todos os cantos do Brasil, com o objetivo comum de incentivar a resistência e o empoderamento das mulheres por meio da ocupação de espaços nos estádios.

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Gabryela Magueta
Redação Beta

Jornalista — Formação Unisinos e Mestranda em Artes Visuais UFRGS.