Afastada do público, biblioteca de Montenegro cai no esquecimento

Sede oficial está fechada há oito anos e espaço provisório não chama atenção dos leitores

Mateus Friedrich
Redação Beta
4 min readMay 15, 2020

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Jéssica Coitinho e sua vasta coleção de livros. Ela pretende ler até 40 livros até o final deste ano. (Foto: Jéssica Coitinho/Arquivo Pessoal)

Espaço destinado para a história cultural de Montenegro e para grandes personagens da literatura brasileira há 70 anos, a Biblioteca Pública Municipal Hélio Alves de Oliveira enfrenta momentos difíceis. Com a sede oficial fechada desde 2012 para melhorias, o espaço provisório, que fica afastado do Centro da cidade, não chama atenção da população e atrai apenas aqueles que são frequentadores fiéis. Além dessa fonte de acesso aos livros, Montenegro conta com duas livrarias.

A volta da biblioteca ao endereço oficial estava prevista para este ano ainda, mas a pandemia do novo coronavírus e algumas questões burocráticas, como ajustes no Plano de Prevenção e Combate a Incêndios (PPCI), devem adiar o aguardado retorno por mais um tempo. O prédio está com a reforma concluída. Atualmente, o acervo é composto por cerca de 50 mil exemplares, entre livros, revistas e jornais encadernados.

Diretora da instituição há seis anos, Ana Valdeti Martins ressalta a importância da biblioteca para a população. “É um espaço de cultura e de referência cultural, didática e pedagógica para a comunidade. A biblioteca abriga arte, sonho e conhecimentos a serem explorados. A leitura eleva a alma, o espírito, aflora a imaginação, faz a gente pensar e viajar sem sair do próprio espaço”, enfatiza a administradora.

Para Ana Valdeti, o hábito da leitura muda o vocabulário e a vida das pessoas, e transforma o ser humano. A diretora constata que a distância do acervo para o Centro acabou afastando o público da biblioteca, mas ela valoriza os leitores que visitam o espaço provisório com frequência. “Temos os que são fiéis, mas no Centro o movimento era bem maior”, assegura.

A localização do acervo, atualmente, é um dos principais fatores para o “abandono” da Biblioteca Pública Municipal em Montenegro. Mas não é o único. As ações pouco divulgadas e a concorrência com os recursos tecnológicos também colaboram para a instituição ser esquecida por grande parte da população montenegrina.

A educadora física Jéssica Coitinho cita dois aspectos como primordiais para a baixa procura do público em relação à biblioteca da cidade. “Muitas ações promovidas pela Secretaria de Cultura, através da biblioteca, não alcançam parte dos munícipes — a parcela mais carente e que precisa se beneficiar desse tipo de dinâmica de conhecimento”, observa.

O escritor Gerson Kauer afirma que bibliotecas, em geral, não são locais muito frequentados, e o hábito da leitura não é difundido e estimulado no Brasil. Ele lembra que, antes da Internet, as bibliotecas eram o principal recurso para alunos e pesquisadores buscarem dados e informações. Porém, com a facilidade do acesso às pesquisas digitais, vieram as informações rasas, distorções, narrativas enviesadas e as notícias falsas.

O escritor Gerson Kauer considera as bibliotecas essenciais para a população. (Foto: Gerson Kauer/Arquivo Pessoal)

Por isso, Kauer define os acervos, incluindo os de Montenegro, como fundamentais para a população. “Livros e compilações históricas são fontes confiáveis, pois passaram por curadoria, revisões, e há, em geral, o comprometimento do autor que colocou seu nome e prestígio na obra. Claro que há livros com teorias absurdas ou desatualizadas, mas na biblioteca o pesquisador será instruído e conduzido de forma a receber várias fontes sobre o assunto que busca”, destaca.

No entanto, para que as bibliotecas sejam atrativas à comunidade, o escritor entende que os espaços precisam ser acessíveis ao público. “Se os acervos já sofrem com a pecha de estarem ‘fora de moda’, instalá-los longe das pessoas é condená-los ao ostracismo. Um bom espaço, de fácil acesso à população, pode abrigar eventos, exposições, uma cafeteria e grupos que irão usufruir do ambiente da cultura e da leitura. Bibliotecas devem, assim como a arte, estar onde o povo está”, acrescenta.

Gerson Kauer não abre mão de comprar livros físicos, principalmente edições especiais e autografadas. Para ele, que também lê livros digitais — pelo preço e facilidade de pesquisa –, há público para todos os gostos. “O fetiche pelo livro físico permanece em quem ama a leitura. Livro digital não tem cheiro, não tem textura, nem aquelas anotações a lápis nas bordas, que muitas vezes são uma história à parte, mas podemos carregar uma biblioteca inteira em um dispositivo que cabe na palma da mão”, completa.

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