Abandono de animais: um problema de saúde pública

O descarte de cães e gatos em zona urbana é responsável pela superpopulação e contaminação de doenças

Victória Lima
Redação Beta
5 min readNov 20, 2018

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Falta de informação sobre as necessidades do animal, custos para mantê-lo e possíveis doenças são alguns dos motivos que influenciam o abandono de animais domésticos (Foto: Victória Lima/Beta Redação)

Animais são abandonados nas ruas durante todos os dias do ano, mas com a chegada das festas e viagens de férias, esse número descaso cresce ainda mais. Dados da Organização Mundial de Saúde de 2014 estimam que existam 30 milhões de animais abandonados só no Brasil, dentre eles, 10 milhões de gatos e 20 milhões de cachorros. Essa negligência, que parte dos tutores e do poder público, contribui para a superpopulação animal nas ruas, fator que afeta o bem-estar social e aumenta o risco de ocorrências das zoonoses, doenças transmitidas por animais aos seres humanos.

Paulo Casa Nova é médico veterinário da equipe de Antropozoonoses da Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde (CGVS) de Porto Alegre e afirma que o trabalho do grupo consiste em mapear e controlar casos de zoonoses no município. De acorde com o especialista, a doença que requer mais cuidados é a raiva canina. “Apesar de não termos nenhum caso de raiva humana em Porto Alegre, quando a pessoa é mordida por um cachorro, principalmente de rua, precisa nos contatar para direcionarmos a um posto de saúde que fará a vacina contra tétano”, explica.

Outra zoonose comum é a leishmaniose, transmitida por um protozoário. Nesse caso, o cão é um reservatório. “O animal contaminado é picado pelo mosquito-palha, que hospeda o protozoário e contamina os seres humanos também com picada”, descreve Casa Nova. Conforme o mapeamento da CGVS, foi em 2010 que Porto Alegre teve seu primeiro caso canino de leishmaniose. Desde lá, já foram diagnosticados 285 cães com a doença. Já em humanos, as ocorrências começaram a aparecer em 2016 e, desde então, surgiram 11 casos, sendo quatro deles este ano.

Um dos trabalhos da Antropozoonoses é, também, a fiscalização dos locais em que há contaminação de leishmaniose canina ou humana. “Quando os médicos veterinários identificam um caso, eles nos contatam para que possamos ir até o local fazer um rastreamento de todos os animais localizados a um raio de 100 metros”, conta Casa Nova. Nesses casos, se forem encontrados outros cães infectados, eles são condenados a eutanásia ou, quando há um tutor, indicados para tratamento.

Geralmente, os diagnósticos da leishmaniose ocorrem em áreas de vulnerabilidade social, segundo o veterinário da CGVS. Em domicílios localizados próximos a matagais, a exposição ao mosquito transmissor da doença é muito maior.

Nas praias, o abandono também aumenta, pois os turistas utilizam a ida ao litoral para descartar os bichinhos longe de casa. A superpopulação de animais nesses locais pode facilitar a presença de fezes e urina nas areias à beira-mar. O profissional explica que quando pessoas entram em contato com a areia contaminada são expostas a mazelas como o bicho geográfico, uma larva canina que se locomove pelo corpo humano e gera infecções na pele.

Para Denise Marques Garcia, médica veterinária e gerente das ações de adoção da Unidade de Saúde Animal Victoria (Usav), em Porto Alegre, a grande população de animais nas ruas associada a falta de saneamento básico são fatores que contribuem para surtos de doenças como a leishmaniose. A clínica Usav oferece atendimento veterinário para animais de rua ou de tutores beneficiados por programas sociais como o Bolsa Família, residentes na capital gaúcha.

Segundo a Coordenadoria da Unidade de Saúde Animal Victoria, Porto Alegre tem cerca de 200 mil animais em situação de rua (Foto: Reprodução/Prefeitura de Guaxupé)

Como evitar

Falta de informação sobre as necessidades do animal, custos para mantê-lo, doenças, espaço no domicílio, nascimento de uma criança na família e viagens são alguns dos motivos que levam os tutores a abandonarem seus pets. “Abandonam o animal nas estradas, em algum lugar que acham que ele vai sobreviver, o que, muitas vezes, não acontece, porque por ser doméstico, ele não tem mais o instinto selvagem”, lamenta Elizabeth Chittó, presidente de junta governativa interina do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul (CRMV-RS).

Para a presidente, os meios de se evitar o abandono e, consequentemente, a superpopulação animal é a conscientização através da noção de responsabilidade que é adotar ou comprar um animal. De acordo com a veterinária Denise, os cuidados com os pets exigem, principalmente, a castração e a vacinação. “A primeira pode ser feita em torno dos seis meses, o ideal é que ocorra antes do primeira cio, no casos das fêmeas. Já a cirurgia evita possíveis fugas do animal e o aparecimento de tumores”, esclarece.

Denise também destaca que a aplicação de vacinas enquanto filhote, que devem ser feitas em três doses. A vacina é polivalente e protege de vírus como os da cinomose e da parvovirose. “Muitas pessoas compram a vacina no balcão de alguma agropecuária e aplicam em casa. Isso aí é um absurdo”, alerta a veterinária. A vacinação deve ser feita em local adequado e a aplicação tem que ser realizada por um médico veterinário, que fará o controle de temperatura do animal. Quando adultos, a vacinação é recomendada anualmente.

Cadelas de rua não castradas geram duas ninhadas por ano. Em média, uma ninhada canina gera seis filhotes totalizando de 180 cachorros em 15 anos de vida. O número é ainda maior no caso dos gatos. Com a possibilidade de gerar quatro ninhadas por ano, com uma média de cinco filhotes, uma gata pode conceder até 300 filhotes em 15 anos de vida. Por conta disso, a médica veterinária ressalta a importância da castração.

Em ações do Projeto Acumuladores da Usav, Denise realiza visita periódicas a pessoas que acumulam em torno de 60 até 100 animais. Nessas situações, ela conta que já houveram casos em que foi exigido dos tutores a castração somente das fêmeas, questão que, na sua opinião, é decorrente de mitos e do próprio machismo. “A castração de machos, tanto de cães quanto de gatos, é muito mais simples e menos invasiva do que nas fêmeas”, afirma.

O abandono é um ato de irresponsabilidade que Denise lamenta. “É muito triste, pois o animal tem toda uma história. Daqui a pouco, por conta de alguma doença ou desejo de viajar, é visto como descartável”. Para Sandra Schefer, voluntária da ONG A Pata e vereadora do município de Taquara, a maior fiscalização do poder público e o aumento de penalidades para quem abandona poderiam evitar que os casos fossem tão recorrentes.

Procure informação

Para ajudar a evitar a superpopulação de animais nas ruas é importante estar ciente de todas as responsabilidades de custos de adotar ou comprar um animal. Para populações de baixa renda que precisam de atendimento veterinário, algumas cidades contam com esse serviço gratuito como a Unidade de Saúde Animal Victoria de Porto Alegre, o Centro de Bem-Estar Animal de Canoas, ou o Castramóvel em Taquara, Novo Hamburgo e outras. Procure a prefeitura da sua cidade para mais informações.

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