Eleitores com deficiência ainda encontram dificuldades para votar

Em 2018, persistiram os problemas de acessibilidade nos colégios eleitorais

Arthur Marques
Redação Beta
6 min readNov 2, 2018

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Com Juan Gomez

Deficiente visual, Giovani França votou no Colégio São Victor. (Foto: Arthur Marques/Beta Redação)

Domingo de eleições. Segundo turno. Em cheque o futuro do Rio Grande do Sul e do Brasil. Ansioso em definir seu voto, Giovani França chegou à Escola Municipal de Ensino Fundamental São Victor, no bairro que leva o mesmo nome, em Caxias do Sul. O encontro com a reportagem, anteriormente marcado para 8h40 da manhã, acabou sendo antecipado para 8h. Em ponto. Acompanhado por sua mãe, dona Clair de Lourdes França, o jovem de 25 anos, com a ajuda de seu bastão, rumou para o local em que votaria.

Logo de cara, o estudante de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, que possui deficiência visual, foi atendido pelo presidente da mesa da seção 285, o único treinado para este tipo de ocasião. “Deixa eu ver o seu título de eleitor, por favor”, diz o homem de cabelo grisalho. “Vou chamar o rapaz para lhe acompanhar até a sala”, completa. No trajeto de trinta e dois passos, ele precisou do auxílio da mãe para poder chegar à sala. Na primeira classe, entregou seu título de eleitor e sua identidade ao mesário. Encaminhado à mesa ao lado, colocou o dedo indicador direito no aparelho biométrico e foi autorizado a votar. O mesmo não aconteceu em Campo Grande-MT, onde cegos precisaram assinar a ata na hora do voto. Para França, foram disponibilizados fones de ouvido, que o auxiliaram a digitar os números desejados. Ele precisou de cinco minutos para exercer o seu papel como cidadão.

Outros 21 portadores de deficiência votaram na seção de Giovani. (Foto: Arthur Marques/Beta Redação)

Mesmo com a acessibilidade garantida pelo TRE, Giovani acredita que o processo ainda necessita de melhorias. “Quando eu digito, uma voz diz qual número estou apertando”, comenta. “ Ainda acho que, antes de confirmar, deveria dizer o nome do candidato e descrever a imagem dele, para poder ter certeza na hora de confirmar”, explica.

Para votar, França utilizou fone de ouvido como auxílio (Foto: Arthur Marques/Beta Redação)

Por outro lado, o vereador pelo Partido dos Trabalhadores Brasileiros (PTB), e cadeirante, Paulo Brum, não encontrou a mesma facilidade em seu local de votação.

Brum, se dirigiu até o Colégio Bom Jesus São Luiz, onde costuma votar. Ao chegar na escola, foi surpreendido por uma placa, que informava que o local de votação havia sido transferido. Essa mudança causou transtornos para o vereador, pois o novo endereço possui acessibilidade precária. “Era horrível! O lugar onde a urna estava ficava depois de uma descida íngreme. Chegando lá, não havia ninguém para me atender. Se eu não estivesse com o meu carro, não conseguiria votar”, conta.

Vi muitas pessoas chegando de muletas, cadeiras de roda e com outras dificuldades, que precisaram até ser carregadas no colo. Pior foi com quem até mesmo nem se arriscou a enfrentar o trajeto”, lembra.

Paulo Brum é militante na causa das pessoas com deficiência (Foto: Juan Gomez/Beta Redação)

O vereador entende que existem soluções para problemas relacionados a pessoas com deficiências. “Temos ONGs e associações, como a ACERGS (Associação de Cegos do Rio Grande do Sul), por exemplo, que lutam pelos direitos das pessoas com deficiência. Acredito que apenas uma reunião entre todos os responsáveis dessas instituições poderia ser suficiente para evitar novas situações desconfortáveis”, reflete.

Importância dos mesários para o processo

A cada eleição, novos mesários são convocados para atender a demanda de deficientes no Brasil, que, segundo o IBGE, é de 940.630 pessoas. Para os que são chamados antes do prazo final, existe um curso de preparação para o atendimento nas eleições, porém, o mesmo não abrange nada específico no que se refere aos deficientes. Por outro lado, muitos mesários são convocados em cima da hora, o que inviabiliza a participação no curso.

Bruna Fumagalli Raffainer, 20 anos, convocada para ser mesária na eleição de 2018, está incluída entre as pessoas que não fizeram a preparação. Estudante de Engenharia Civil, da PUCRS, ela reconhece a falta de conhecimento para atender pessoas com deficiências. “No dia, entregaram instruções que explicavam possíveis situações. Ninguém leu, pelo menos na minha seção”, destaca. “Em nenhum momento o presidente da mesa, ou qualquer outra pessoa, se posicionou para nos instruir caso tivéssemos dúvidas. A única coisa que foi passada é que gestantes e trabalhadores que estão de plantão teriam preferência na hora de votar”, comenta.

A jovem acredita que em alguns casos, além do despreparo, falta também boa vontade da parte de quem trabalha nas seções. “Pela experiência que tive, vejo que vai muito do bom senso da pessoa em ajudar quem realmente precisa”.

Em um momento, tive que me meter em uma seção porque era um absurdo deixar uma pessoa com deficiência em pé, no sol, por mais de 20 minutos”, diz.

O TRE entende acessibilidade como:

  • Todas as urnas eletrônicas possuem teclado em braille.
  • Todas as urnas eletrônicas tem marca de identificação da tecla 5.
  • As urnas eletrônicas instaladas nas seções com acessibilidade possuem recurso de áudio e fone fornecidos pela Justiça Eleitoral, se o eleitor preferir poderá conectar seu próprio dispositivo para fazer uso do recurso de áudio.
  • O eleitor com deficiência ou mobilidade reduzida, ao votar, poderá ser auxiliado por pessoa de sua confiança, ainda que não tenha requerido antecipadamente ao Juiz Eleitoral.
  • As Zonas Eleitorais dispõem de cédulas-guia para utilização pelo deficiente visual, caso exista necessidade de votação por meio de cédulas.
  • A Justiça Eleitoral cadastra voluntários com conhecimento em Libras para auxiliar no atendimento às pessoas com deficiência auditiva no dia da votação.

Bruna conta que muitos problemas no atendimento às pessoas com deficiências ocorrem por falta de conhecimento dos próprios mesários sobre o funcionamento dos acessórios das urnas, como fones de ouvidos, cédulas-guia ou outros. “Na minha seção, 60% dos eleitores possuíam alguma deficiência. Um senhor (até então não se sabia qual era a sua deficiência) estava esperando há algum tempo para ser atendido. Depois de 30 minutos ele foi encaminhado para a urna. Já no local, lhe entregaram um fone de ouvido para votar. Houve uma falta de comunicação, pois o eleitor era deficiente auditivo e até então pensávamos que era deficiente visual”, relata.

Acessibilidade como desafio social

Visando melhorias quanto ao acesso de pessoas com deficiência em locais públicos, como em colégios eleitorais, a Coordenadora de Acessibilidade da FADERS (Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e com Altas Habilidades no Rio Grande do Sul), Ana Flavia Beckel, reconhece que a acessibilidade é um desafio social antigo dos brasileiros. “Pensando que as zonas eleitorais se dão em sua maioria em escolas e que as mesmas, em grande parte, não são acessíveis, podemos perceber a dificuldade para o votante com deficiência. Além disso, o translado até as seções pode representar um desafio para o eleitor”, avalia.

Apesar do site da Justiça Eleitoral trazer algumas informações quanto aos procedimentos necessários para uma pessoa com deficiência poder votar, pouco chega ao usuário de fato. “Seria ótimo se a justiça Eleitoral intensificasse a divulgação desses direitos para toda a população. A capacitação dos envolvidos no momento da eleição facilitaria o processo”, declara.

Ana Flavia acredita que, assim como em várias instâncias, o país não está preparado para ser exemplo, quando o assunto é acessibilidade. “Precisamos pensar em mudanças que internalizem esse conceito, compreendendo que não se resume ao aspecto arquitetônico, mas também ao desenvolvimento da acessibilidade atitudinal. Com isso, a sociedade de forma geral se beneficiará”, finaliza.

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