Adiamentos no Censo travam avanços econômico e social no Brasil

Cortes no orçamento também põem em risco, principalmente, planejamentos de pequenos municípios

Sara Nedel Paz
Redação Beta
6 min readJun 7, 2021

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Tainara Pietrobelli e Sara Nedel Paz

Quantas histórias cabem em uma década? Se em apenas um ano uma vida pode virar de cabeça para baixo, o que dizer das mudanças de uma nação em dez anos? É para isso que serve o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE): mapear o progresso econômico, profissional e educacional de cada cidadão brasileiro, trazendo à tona a realidade nua e crua do país.

A Lei 8.184/91 determina que o Censo Demográfico deve ser realizado a cada dez anos no Brasil. No entanto, no ano de 2020, datado como ano de Censo, o levantamento não foi realizado por conta da pandemia de coronavírus. A pesquisa sofreu outro adiamento em 2021, agora pela falta de verbas públicas. Apesar de altamente prejudicial, a justificativa de que os recursos seriam utilizados no combate ao coronavírus seria plausível. Entretanto, para a segunda suspensão a realidade tem outro tom, já que a confirmação do corte nos repasses para a realização do Censo aconteceu um dia depois do presidente Jair Bolsonaro sancionar o Orçamento de 2021, com previsão de R$ 17 bilhões em emendas parlamentares. A reforma nos valores para o projeto do IBGE impactou cerca de 90% do orçamento, que era de R$ 2 bilhões e foi reduzido para R$ 71 milhões. O levantamento, feito desde 1940, nunca havia sido adiado por dois anos consecutivos.

Nota informativa do IBGE relata o segundo adiamento do Censo Demográfico para o ano de 2021. (Imagem: Divulgação/IBGE)

Segundo explica o Coordenador Operacional do Censo no Rio Grande do Sul, Eduardo Puchalski o adiamento terá impacto negativo em diversos pontos do país. Realizamos o último Censo em 2010 e já estamos muito distantes dele. Por isso precisamos realizar de novo um levantamento para atualizar o quantitativo da população. Esse dado é importante por várias questões. Uma delas é o Fundo de Participação dos Municípios, que é uma das principais receitas, especialmente dos pequenos e médios municípios do país”.

O FPM, citado por Puchalski, é uma transferência constitucional da União para os Estados, composto de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A distribuição dos recursos aos municípios é feita de acordo com o número de habitantes, considerando as faixas populacionais e cabendo a cada uma delas um coeficiente individual. Os critérios utilizados para o cálculo dos coeficientes de participação de cada localidade estão baseados na Lei n.º. 5.172/66 (Código Tributário Nacional) e no Decreto-Lei N.º 1.881/81.

Nos anos em que o Censo Demográfico não é previsto, o IBGE lança uma estimativa de habitantes para cada cidade. Apesar disso, só há precisão nos dados coletados diretamente com a população. Sendo assim, o atraso do levantamento pode comprometer o avanço econômico, social e educacional de milhares de municípios, principalmente os menores. “Um município pode, por poucos habitantes, trocar de uma faixa para outra e receber mais ou menos recurso para administrar a localidade. Então, ter o quantitativo exato de pessoas é importante do ponto de vista da economia e dos recursos que o poder público municipal recebe para sua gestão”, conclui o coordenador do Censo no Rio Grande do Sul.

Eduardo Puchalski trabalha no IBGE desde 2002 e atua no cargo de coordenador desde 2017, (Foto: Arquivo Pessoal)

Puchalski argumenta que o segundo grande objetivo do Censo é apresentar informações a respeito de como a população vive. Por isso a pesquisa possui questionários relacionados à própria infraestrutura dos domicílios e demais necessidades básicas da sua estrutura como água, luz e esgoto. “Há questões muito importantes nesse aspecto, de que só é possível planejar ou readequar políticas públicas com um diagnóstico atualizado da situação da população. Com o Censo é possível saber qual o melhor local para instalação de uma creche ou de um hospital, em quais regiões do país é necessário investir na geração de empregos mais do que em outras, por exemplo. Então, esses indicadores que são produzidos pelo Censo são absolutamente fundamentais para criar políticas públicas em todas as esferas do governo. Não realizar esse diagnóstico é como um voo cego que não se sabe para onde está indo”, explica o coordenador.

Além disso, ele explica que ter um diagnóstico da situação de vida da população é fundamental também para a iniciativa privada. Para determinar investimentos, decidir o local de instalação de uma fábrica, de um supermercado, conhecer a população ou a média de renda daquela área é necessário observar os dados do Censo Demográfico. “A única pesquisa que vai a 100% dos domicílios, ao contrário de outras pesquisas amostrais que nós realizamos, que também são importantes, é o Censo”, complementa Eduardo.

A coleta de dados do Censo Demográfico é realizada através de visitas domiciliares— Foto anterior a pandemia do novo coronavírus (Foto: Arquivo/IBGE)

Em São Leopoldo, de acordo com o secretário da Secretaria Geral do Governo da cidade, Nelson Spolaor, existem vários pontos prejudiciais com a não realização da pesquisa. Em relação a municípios, ele pontua que todas as prefeituras recebem os recursos federais com base nas informações coletadas. Porém, São Leopoldo especificamente, pode estar sendo ainda mais prejudicado. “Tudo leva a crer que São Leopoldo tenha crescido consideravelmente, mais do que as cidades vizinhas. Sem o Censo não dá para dimensionar o retorno dos impostos municipais para a cidade. Sem os dados fica difícil criar projetos pautados em dados precisos, principalmente no que diz respeito a programas relacionados ao saneamento e habitação”, explica o secretário.

Outro cenário impactado pelo adiamento do Censo é a vacinação para a Covid-19. Vários municípios da região metropolitana e litoral do Rio Grande do Sul receberam doses de acordo com os níveis do programa de imunização do Ministério da Saúde, mas precisaram lidar com a demora no avanço das vacinações, já que o recebido foi inferior ao número atual de habitantes.

Segundo Eduardo Puchalski, a interferência nos dados atesta a estimativa da população e que, consequentemente, afeta as faixas de vacinação. “Saber o quantitativo de população em cada porção de território é de extrema importância para várias políticas públicas, inclusive para o repasse de vacinas. Se a estimativa de população estiver um pouco distorcida em função do longo período desde a realização do último Censo, podemos ter um repasse equivocado”, argumenta.

Porém, apesar da importância que especialistas dão ao Censo, desde 2019 o IBGE vem realizando reajustes significativos no orçamento da pesquisa. No inicio de 2019, o governo federal decidiu que o orçamento para 2020, que era de R$ 3,4 bilhões, seria reduzido para R$ 2,5 bilhões. Para 2021, a redução ocorreu novamente e o orçamento foi estabelecido no valor de R$ 2 bilhões, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual.

Buscando conter os prejuízos dos adiamentos o IBGE passou, imediatamente, a traçar estratégias que viabilizassem o levantamento neste ano. O método permaneceria muito semelhante, mas com a inclusão da coleta de dados via telefone. Cerca de 2 mil entrevistadores estão trabalhando em suas residências telefonando para os 70 mil domicílios selecionados para fazerem parte da pesquisa, por mês.

Em 2020, já havia sido planejado um novo formato de acesso aos dados da população via internet, por conta dos riscos de transmissão do Coronavírus. Um exemplo dessa ação tomando forma ocorre com a pesquisa de PNAD contínua, já que a coleta tradicionalmente realizada de forma presencial nos domicílios passou, em função da situação excepcional atual, a ser feita através do uso do telefone.

A coleta de dados está sendo realizada via telefone para evitar o contágio com a Covid-19 (Foto: Arquivo/IBGE)

Risco de demissões no IBGE preocupa funcionários

Se por um lado o IBGE entende que no ano de 2022 boa parte da população já estará vacinada, o que gera mais segurança aos trabalhadores, por outro lado o medo se estende em relação ao risco de perder o emprego. Acontece que o orçamento liberado para este ano não é suficiente para manter toda a equipe que compõe a instituição.

Eduardo Puchalski explica que existe uma negociação em andamento com o Ministério da Economia para viabilizar os custos e complementar o orçamento que foi proposto para 2021. Essa espécie de reajuste é chamada de crédito extraordinário e é fundamental para manter equipes trabalhando no planejamento da operação de 2022. Somente no Rio Grande do Sul existem vários servidores e analistas temporários contratados que são coordenadores regionais e que trabalham na sede em Porto Alegre. O IBGE entende que seria um desperdício perder essas pessoas por falta de recursos financeiros, já que foram feitos vários investimentos em treinamentos e capacitações. Além disso, também existe a crise financeira e o alto índice de desemprego no país. “Por enquanto o IBGE tenta preservar os empregos, mas tudo depende de quanto receberemos do Ministério da Economia”, explica Eduardo.

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