Agroflorestas: conheça as florestas de comida que regeneram o solo

Preservação da mata, produção de alimentos e qualidade de vida fazem parte do conceito

Laura Blos
Redação Beta
6 min readSep 16, 2020

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Florestas de comida auxiliam na regeneração do solo. (Foto: Sívlia Zoche Borges)

Florestas de comida. Você já ouviu esse termo? Tecnicamente chamados de sistemas agroflorestais (SAFs) e também conhecidas como agroflorestas, esse conceito vem sendo cada vez mais estudado a fim de diminuir os impactos ambientais da agricultura e cultivar alimentos cada vez mais saudáveis. Segundo pesquisa realizada pela WWF (World Wide Fund for Nature), Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e governo do Acre, os SAFs geram mais lucro do que soja e gado na Amazônia, com rendimento de R$ 4,5 mil por hectare ao ano, enquanto a soja chega a R$ 2,5 mil ano.

Esse tipo de cultivo está entre os mais sustentáveis, podendo ser implementado em pequenas áreas de terra. Mas, afinal, o que é uma agrofloresta? “No sistema de agrofloresta, a agricultura utiliza processos biogeoquímicos no lugar de insumos (adubos, venenos etc.). Ou seja, imita o funcionamento do ambiente natural, sem acréscimos de materiais industrializados. É um sistema que utiliza os processos da própria natureza”, explica o biólogo do Centro Municipal de Estudos Ambientais de Sapiranga, Antoninho Alves Portilho.

Nas palavras do jornalista Fábio Radke, que há quatro anos implementa um sistema agroflorestal na propriedade da sua família, em Vale Real, “o SAF é um sistema onde se combinam árvores e arbustos, junto com hortaliças e outras variedades de plantas, que vão ser cultivadas obedecendo princípios de melhor aproveitamento dos recursos naturais, como solo, água e luz”.

No sítio Radke, a agrofloresta produz pimenta, aipim, inhame, banana, hortaliças, laranjas, limas, cará-moelas, araçá, eucalipto, mamão, erva-mate e até mesmo café.

Cará-moela cultivada no Sítio Radke em sistema agroflorestal. (Foto: Fábio Radke)

Fábio conta que tudo começou quando participou de alguns cursos e oficinas sobre permacultura, em que aprendeu técnicas e as aplicou no sítio da família.

Tubérculos e raízes cultivados no sistema agroflorestal de Radke. (Foto: Fábio Radke)

“Quero reproduzir cada vez mais padrões que acontecem no meio ambiente, unindo ideias inovadoras e conhecimentos antigos. Desta forma, consigo reduzir esforços físicos e, aos poucos, intensificar o desenvolvimento produtivo, sem agredir a mim e minha família e ao meio ambiente”, afirma.

Na área de 11 hectares do sítio Radke, a família investe em diversos tipos de produção sustentável. Da criação de abelhas e de demais animais como galinhas e porcos, ao cultivo de sementes crioulas, a propriedade é um lar de ações de cuidado com a natureza e as pessoas.

Hortaliças fazem parte da produção agroflorestal no Sítio Radke. (Foto: Fábio Radke)

“Se a universidade me tornou jornalista, a família me fez agricultor. Não aquele convencional, e sim um transformador. No exercício da profissão de jornalista nasceu a oportunidade de ser um agente de transformação, e hoje tenho a consciência que posso ser praticante de uma transformação”, declara Fábio.

Já Mateus Farias de Mello, engenheiro agrônomo e extensionista da Emater, em Sapiranga, conta que a implantação de sistemas agroflorestais é complexa e precisam de conhecimentos específicos que permitam que a ação rume para um sistema sintrópico. “Sistemas sintrópicos são um ideal que a gente tem a alcançar. É um sistema autossustentável, que se sustenta sem o incremento de nenhum tipo de insumo. É preciso conhecimento de botânica, espécies nativas, espécies de exploração que não são nativas e de exploração econômica”, explica Mateus.

O planejamento é necessário, e o trabalho, intenso, principalmente na implementação do sistema agroflorestal, no “ano zero”. Além disso, apesar de ser uma floresta, ela não segue padrões aleatórios. “Todas as mudas vão para a plantação no ano zero. Implementamos mudas, sementes e espécies em alta densidade e diversidade, em um modelo um pouco mais racionalizado, com linhas e entrelinhas, diferentes da mata. A gente observa como é o funcionamento natural deste sistema, como funciona na mata e traz essa informação para o sistema, qual o lugar que ela ocupa”, esclarece Mateus.

Como funcionam as agroflorestas e seu impacto no meio ambiente

Mateus conta que alguns ecologistas, considerados puristas, divergem do impacto benéfico das agroflorestas, pois consideram que são introduzidas espécies não nativas e exóticas, mas o extensionista afirma: “Para o sistema, para a promoção da vida na área onde está sendo implementado o sistema agroflorestal, o ganho de vida é muito grande, por isso são sistemas regenerativos, eles se regeneram e regeneram o ambiente. Também trazem animais”.

Comparação entre agricultura convencional e agroflorestal. (Foto: Adriano Lizieiro)

Diferentemente da agricultura chamada de convencional, a agrofloresta traz diversos benefícios à área em que está instalada, já que não necessita de agrotóxicos, não derruba a mata nativa, se sustenta com os próprios elementos que a compõem, preserva nascentes, rios e bacias hidrográficas, através de suas raízes e retenção provocada pelas folhas, além de atrair espécies nativas de animais, que também auxiliam na sua propagação.

Cafeeiro é protegido pela sombra do eucalipto. (Foto: Fábio Radke)

Fábio fala um pouco sobre essa ideia. “Haverá árvores que serão cortadas, podadas, e tu usa essas estruturas para delimitar canteiros, de modo que eles fiquem junto ao solo, fazendo com que ali cresçam micro-organismos que irão tornar o solo mais fértil. Há reciclagem de nutrientes, de modo que a própria natureza vai alimentar esse sistema. Tu não precisa entrar com adubo químico, por exemplo. Ele vai funcionar como uma floresta, e uma floresta funciona sozinha, uma planta auxilia a outra”, conta o jornalista.

Ele exemplifica: “O eucalipto quando está plantado junto à bananeira, auxilia ela a conseguir água. Também tenho o café que está plantado junto ao eucalipto, que faz sombreamento para o cafeeiro. E ainda a cará-moela, que é uma trepadeira que cresce em determinado período do ano, que vai se apoiar em algumas árvores”.

Cará-moela escala árvores da agroflorestas em seu desenvolvimento. (Foto: Fábio Radke)

O extensionista da Emater reforça: “O impacto é positivo em relação à biodiversidade, à qualidade do solo e à qualidade do alimento. Outro ponto é que a captação de carbono do ar é muito intensa, porque a gente tem sempre plantas em crescimento. Em relação às águas também é bastante positivo”.

Folhas e podas das árvores retêm água no solo e fornecem nutrientes com a sua decomposição. (Foto: Fábio Radke)

Com a retenção da água no solo pelas folhas que caem das árvores e dos espaços abertos pelas raízes das plantas, o solo torna-se uma grande esponja, fazendo a manutenção de mananciais, bacias hidrográficas, sustentação de fontes e de rios, já que esta “esponja” absorve a chuva e solta essa água aos poucos para os rios.

“O que vemos hoje são sistemas convencionais de agricultura e indústria que provocam a morte dos solos, o que acaba com essa esponja e aí sofremos com enchentes, porque toda a água que cai na bacia escorre em pouco tempo no rio, e depois temos seca porque não há retenção”, declara Mateus.

O biólogo Antoninho concorda: “O impacto é menor e com saldo ambiental positivo. A produção será menor, em volume, mas com mais qualidade. Os custos de produção reduzem, mas o volume também. Já as monoculturas demandam muitos insumos e são prejudiciais ao meio ambiente”.

Apesar da complexidade dos processos, as agroflorestas podem ser implementadas em áreas não muito grandes, podendo, inclusive, ser criadas “mini-agroflorestas” em quintais. Mateus elenca algumas espécies que podem ser utilizadas nas áreas menores: cítricos, banana, abacate, maçã, noz pecã, pitanga, jabuticaba, amoreira, feijão guandu, capins, hortaliças em geral, raízes, temperinhos, brócolis, repolho e couve-flor são algumas das espécies que podem ser cultivadas em áreas urbanas.

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