Alerta à saúde: consumo de tabaco é a principal causa do câncer de boca

Mais de um bilhão de pessoas ainda fazem uso de substâncias que só geram prejuízos severos ao organismo

Eduardo Vidal
Redação Beta
10 min readMay 24, 2023

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Por Vitória Drehmer e Eduardo Vidal

De acordo com estimativa da OMS, há mais de 1 bilhão de fumantes no mundo. (Foto: Pawel Czerwinski/Unsplash)

A consultora de negócios femininos, Raquel Mazuco, 38, fumante dos 14 aos 37 anos, tinha a certeza do desejo de abandonar o vício e entedia, de forma muito racional, os riscos gerados à saúde. Para ela, conhecer a gravidade do hábito é, inclusive, uma característica da pessoa fumante. Com a atividade física inclusa na rotina há muitos anos, ela já sentia certo prejuízo no fôlego, nas aulas de treinamento funcional e dança. “Via meus colegas de treino desenvolvendo atividades melhor do que eu, em menor tempo e menos cansados”, recorda.

Assim como Raquel, existem ainda 1,1 bilhão de fumantes adultos no mundo, de acordo com o relatório da Organização Mundial de Saúde, Global Report on Trends in Prevalence of Tobacco Smoking 2000–2025. O documento aponta que, mesmo com uma queda de 27% para 20% entre os anos 2000 e 2016, o consumo de cigarros ainda é alarmante. Neste sentido, datas como 31 de maio, Dia Mundial Sem Tabaco, servem como alerta às pessoas sobre o uso da substância.

O tabaco é apontado como o principal responsável pela morte de mais de oito milhões de pessoas por ano, de acordo com a OMS. É também um dos maiores causadores de doenças crônicas não transmissíveis e de outras enfermidades, incluindo tuberculose, infecções respiratórias, úlcera gastrointestinal, impotência sexual e infertilidade.

O estudo Tobacco Atlas, de 2018, mostra que os custos com assistência médica e perda de produtividade por morte prematura e doenças ligadas ao consumo são impressionantes. O valor é de cerca de US$ 2 trilhões por ano. A pesquisa afirma ainda que, em 2016, estima-se que 5,7 trilhões de cigarros tenham sido consumidos em todo o mundo. No Brasil, o consumo per capita foi reduzido em 65% entre 1980 e 2010, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA).

O cigarro e suas variantes representam um dos principais causadores de problemas respiratórios. (Foto: Alexa/Pixabay)

Peça ajuda para deixar de fumar

Raquel Mazuco conta que teve o primeiro contato com a nicotina muito cedo, aos 14 anos de idade. Na época, ela morava no interior gaúcho, onde o consumo de cigarros era muito comum e todos os seus amigos fumavam. Aos 26 anos, depois de 12 anos seguidos fazendo o uso do tabaco, veio a primeira tentativa de interromper o vício.

“Fiz tratamento psiquiátrico com remédios e consegui me manter longe do cigarro por um ano e meio. Porém, esse produto é uma droga que lhe dá uma falsa sensação de controle sobre ele. Então, quando você consegue se libertar no primeiro momento, que é o mais difícil, começa a ilusão de que pode fazer o uso de forma esporádica”, desabafa.

Neste período, Raquel conta que, em festas, quando consumia bebida alcóolica, a vontade de fumar era maior. Nos dias difíceis no trabalho, ela pedia um cigarro para algum colega, como forma de se tranquilizar. “Estava iludida, achava que não era uma volta para o vício. Na verdade, eu já tinha retornado. Foi uma questão de tempo para eu voltar a fumar uma quantidade fixa por dia. Então, foi assim, dos meus 28 até os 37 anos, quando parei, em julho de 2022”, conta, agora orgulhosa pelo resultado atual.

“Percebo que muitas pessoas tentam parar de fumar por conta, do jeito mais difícil, quase como uma forma de punição. Isso gera sofrimento e recaídas. Hoje, a medicina disponibiliza meios suficientes para que tenhamos o menor prejuízo possível para nossa sanidade mental”, destaca.

O caminho foi árduo. Em conversas com seu psicólogo e psiquiatra, a empresária falou sobre a vontade de parar de fumar e os efeitos do cigarro que vinha sentindo quando praticava atividades físicas. Foi então que deu início a um tratamento com remédio prescrito, associado ao uso de adesivo de nicotina. Raquel avalia que, com o uso correto dos dois produtos e com acompanhamento médico, o tratamento se tornou mais fácil e eficaz.

“Na primeira vez que tentei parar de fumar, só utilizei o remédio, que é indicado em tratamentos contra depressão. No primeiro mês, só chorava, sentia muita falta. O processo de desintoxicação foi muito difícil. Com o uso do adesivo de nicotina, que começa com uma dosagem maior e vai diminuindo, foi incrível. Eu passava por pessoas que fumavam e tinha a sensação de que eu nunca tinha fumado na vida”, lembra.

Ajude na conscientização: compartilhe seu sucesso nas redes sociais

Outra ferramenta importante para Raquel foi o uso de um aplicativo de celular, o Kwit, que mostra a evolução do processo de abandono do vício. O app, disponível para Android e IOS, aponta o número de dias sem fumar e de unidades que o usuário deixou de consumir, além da economia financeira gerada e dos benefícios à saúde.

Raquel observa que a trajetória é motivadora, ao mostrar o mal que a substância faz, não só a quem consome diretamente, mas também àqueles a sua volta. “Compartilho tudo isso em minhas redes sociais para, de alguma forma, auxiliar pessoas próximas que também querem deixar esse vício de lado e ter uma melhor qualidade de vida”, resume.

Aplicativo mostra o progresso de quem luta para deixar o cigarro; informações são mostradas como forma de incentivo. (Imagem: Reprodução)

Acione sua rede de apoio e fume zero

De acordo com uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), em 2020, o consumo de cigarro no Brasil aumentou em 34%, crescimento atribuído à pandemia do Coronavírus, junto a quadros de depressão, ansiedade e insônia. Especialista em tabagismo, o médico Luiz Carlos Corrêa, pneumologista da Santa Casa de Misericórdia Porto Alegre, explica que, no período, observou-se que fumantes sofreram mais complicações e mesmo assim passaram a fumar mais.

“Esse cenário, de certa forma, mantém-se com menos intensidade, pois quando as pessoas se isolaram afloram os problemas comportamentais e incertezas quanto ao futuro. Assim, para gerar uma sensação de calma e alívio, como acreditam os fumantes, eles acabam por fazer o uso da nicotina”, aponta o especialista.

Luiz Carlos atua à frente de uma ação para conscientização de pessoas que ignoram os males do tabagismo. O médico é responsável pelo projeto Fume Zero, da Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS). A iniciativa funciona por meio da divulgação da causa e interação com o público e autoridades, no sentido do cumprimento das leis antifumo e da prevenção e luta por ambientes livres de fumaça.

O médico fala das reações causadas pelas substâncias contidas na fumaça, como alterações celulares, por exemplo. Ele explica que as células inflamatórias causam danos a diversas partes do organismo, atingindo praticamente todos os órgãos do corpo. Esses problemas podem impactar também os fumantes passivos. De acordo com Luiz Carlos, isso depende do tempo de exposição dessas pessoas às substâncias presentes no cigarro.

O especialista dá quatro dicas para deixar de vez o vício do cigarro. “Primeiro: a pessoa deve estar sensibilizada, com entusiasmo e com o real objetivo de parar de fumar. Segundo: tem que haver uma preparação, algo que possa ser auxiliado por um profissional com experiência na área. Terceiro: marcar o dia D, uma data que seja simbólica e importante para a pessoa. E, em quarto, é a manutenção, porque muitas pessoas até param de fumar sem dificuldade, mas recaem na primeira oportunidade que houver uma contrariedade ou um grande trauma emocional. Então, o que as socorre é fumar”, explica.

Cigarro eletrônico ainda é cigarro

Em março de 2022, um homem quase teve seu pulmão perfurado por um cigarro eletrônico em Manaus, situação que voltou a ser notícia em abril deste ano, em um caso mais grave, ocorrido na Virgínia, Estados Unidos. O crescimento do uso de dispositivos eletrônicos para fumar, principalmente entre os jovens, é mais um cenário preocupante, segundo o pneumologista. De acordo com uma pesquisa divulgada recentemente pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC), o consumo de cigarros eletrônicos aumentou consideravelmente entre 2018 e 2022.

O estudo mostra que 2,2 milhões de adultos (1,4% da população brasileira) afirmaram já ter utilizado os dispositivos eletrônicos 30 dias antes da pesquisa recente — que saiu em maio deste ano. Em 2018, o índice era de 0,3%, menos de 500 mil usuários. Além disso, cerca de 6 milhões de pessoas confirmam ter experimentado o cigarro eletrônico — 25% do total de fumantes de cigarros convencionais.

“Os jovens utilizam muito cigarros eletrônicos por acharem que está na moda e acabam não tendo noção dos riscos que este produto pode causar. O vapor inalado contém diversas substâncias cancerígenas e causadoras de inúmeras doenças correlacionadas”, afirma o pneumologista.

No Brasil, a Resolução nº 46, de 28 de agosto de 2009, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a comercialização, importação e a propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, entre eles o cigarro eletrônico. (Imagem: Lindsay Fox por Pixabay)

O fumo é a principal causa do câncer de boca

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a doença afeta mais de 15 mil brasileiros por ano. Só em 2022, foram mais de seis mil pessoas vitimadas por este tipo de câncer no país. A enfermidade afeta mais homens do que mulheres: em 2020, quase cinco mil pessoas do sexo masculino foram diagnosticadas, enquanto o número para a população feminina foi mais de três vezes menor, com pouco menos de 1.500 casos. Talvez a explicação esteja nos dados do Ministério da Saúde, de que os homens fumam mais. Em 2021, o percentual total de fumantes com 18 anos ou mais no Brasil era de 9,1%, sendo 11,8% entre homens e 6,7% entre mulheres.

De acordo com o médico estomatologista Humberto Thomazi Gassen, especialista no diagnóstico de doenças da boca, o fumo é justamente o responsável por 95% das causas do câncer de boca. No entanto, outras razões também devem ser consideradas. “O álcool é um potencializador, por exemplo. Isso acontece porque esse líquido desidrata a mucosa e torna ela mais permeável para receber os efeitos do tabagismo”, explica.

Outra característica do perfil do paciente com câncer de boca é a idade. Humberto ressalta que o comum é que as pessoas tenham mais de 40 anos. “Essa é a idade mais frequente, porque é preciso de tempo [sendo] dependente. Fumar por um ano não vai fazer alguém ter câncer de boca. É preciso tempo para que essa doença se desenvolva”.

Em outras situações de diagnóstico, as causas podem estar relacionadas à fatores virais, genéticos ou até mesmo à exposição solar. “Pessoas com pele clara também têm mais chances de ter câncer de boca em função do lábio, que não tem tanta proteção no núcleo celular em relação ao sol. Então, obviamente, a radiação solar pode ser uma das causas”, diz Humberto Gassen.

Cuide de sua saúde bucal

Os sintomas do câncer de boca podem ser observados na frente do espelho. Os principais sinais da doença são machucados na boca que não cicatrizam por mais de 15 dias, como placas brancas e manchas avermelhadas. Em casos mais raros, o sintoma é a perda da cor tradicional do lábio, assim como a aparição de fissuras, feridas e casquinhas na região.

Manchas na mucosa bucal são os principais sintomas do câncer de boca. (Foto: Banco de imagens/Flickr)

É justamente por esses motivos que a ida ao dentista de seis em seis meses é essencial. Normalmente são esses profissionais que identificam se há algo anormal na boca dos pacientes, mas as pessoas também podem realizar o chamado autoexame.

“A minha dica é ir a um local iluminado e analisar os próprios lábios, bochechas, língua e céu da boca para identificar se não há manchas ou machucados. Claro que o diagnóstico visual não é uma confirmação. A hipótese só é confirmada através de um exame laboratorial”, explica o estomatologista Humberto Gassen.

Em casos positivos, os pacientes são encaminhados para iniciar os tratamentos. Em um primeiro momento, o fator mais importante é a remoção da causa. Ou seja, quem fuma e bebe álcool com frequência, por exemplo, precisa perder esse hábito. Em seguida, um oncologista analisa quais são os próximos passos, que podem incluir cirurgias, radioterapias e até quimioterapias. Quanto mais precoce for o diagnóstico, maiores são as chances de cura.

A dentista Caroline Rohers ressalta que o câncer de boca não tem tanta relação com a higiene bucal, mas que esse é um fator que pode agravar a situação antes e depois da descoberta.

“Uma boca sem higiene é a porta de entrada de bactérias. Ou seja, isso pode acabar potencializando o câncer de boca. Mas também é importante lembrar que o dentista sempre aparece antes da radioterapia ou quimioterapia porque a saúde bucal precisa estar em dia. Se a saúde bucal não está em dia, também acaba sendo um agravante”, elucida Caroline.

O Inca ainda informa que o Rio Grande do Sul é o 5º estado brasileiro com a maior incidência de casos de câncer de boca. Por isso, a dentista Caroline dá algumas dicas de como prevenir essa doença para baixar esse índice.

“As principais formas de prevenção estão associadas ao estilo de vida mesmo. Levar uma vida mais saudável, evitar ingerir bebida alcoólica em excesso, não fumar e usar protetor solar no lábio são os fatores que podem colaborar. Além de, claro, sempre procurar um dentista”, finaliza.

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