Alfabetização infantil não sofrerá impacto irreversível durante pandemia, diz pedagoga

Estudantes estão desde 19 de março sem ir à escola no Rio Grande do Sul

Émerson Santos
Redação Beta
4 min readSep 15, 2020

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Alfabetização é uma das pautas mais discutidas sobre ensino remoto. (Foto: Santi Ved/Unsplash)

J á faz 180 dias desde que o governador Eduardo Leite (PSDB) assinou o decreto de suspensão das aulas no Rio Grande do Sul em decorrência da pandemia causada pela Covid-19. Nesse período, muitas questões sobre impactos causados pelo sistema de aulas remotas foram levantadas, principalmente aquelas que remetem aos anos iniciais do ensino fundamental e à alfabetização. No entanto, a pedagoga e doutora em Educação Suzana Moreira Pacheco afirma que as crianças não sofrerão perdas educacionais irreversíveis enquanto precisarem ficar longe da escola.

“Não há como negar a importância do ambiente escolar”, inicia Suzana, que é professora do curso de Pedagogia na Unisinos. De acordo com ela, é na escola que acontece a socialização das crianças e dos jovens, e a ausência das interações que se dariam naquele espaço causa impactos negativos. Nesse sentido, a professora alerta para os prejuízos de ordem emocional, já que em relação à alfabetização não há tanta preocupação, segundo ela.

“O ambiente escolar é o ambiente da alfabetização, mas nesse momento não está sendo possível disponibilizá-lo às crianças”, afirma. Para Suzana, visto que a sociedade atual é grafocêntrica, ou seja, é centrada na escrita, as crianças estão em contato com as letras a todo momento e a alfabetização também pode ser desenvolvida fora da escola.

Recomendações aos pais

Em Campo Bom, o prefeito Luciano Orsi (PDT) assinou, em 18 de março, decreto que suspendia as aulas da rede municipal a partir de 23 de março. Os pais, entretanto, poderiam optar pela suspensão imediata, e assim o fez Maria Seroi dos Santos, mãe de Anderson Davi dos Santos — sete anos de idade e aluno do primeiro ano do ensino fundamental. Desde então, a escola tem disponibilizado atividades impressas para estudo remoto. “Tem sido um pouco difícil. Ele não quer fazer as atividades e acredito que se estivesse na escola já estaria lendo”, comenta a mãe.

Anderson Davi estudando em casa durante a pandemia. (Foto: Arquivo Pessoal)

A pedagoga Suzana ameniza a preocupação da mãe. “Se a criança demorar um pouquinho mais para aprender, isso não vai trazer nenhum prejuízo para a vida dela”, explica. Ela recomenda que os pais proporcionem momentos de leitura e escrita além das atividades disponibilizadas pela escola, como deixar a criança escrever a lista do supermercado ou ler algumas linhas do jornal diário, por exemplo. “Essas práticas também são importantes no processo de alfabetização”, salienta.

Outro alerta é para o fato de que os pais não são professores. “A família tem sido muito convocada pelas escolas para ministrar o ensino, e isso vejo com muita preocupação”, revela. Sem a experiência de ministrar aulas, os pais acabam pressionando demais os filhos e trazendo estresse à interação familiar. Isso deve ser evitado, diz Suzana. É o que tem feito Vanessa Genehr da Rosa. Ela é mãe de Andrei Gehner da Rosa, que tem seis anos de idade e também é aluno da rede municipal campo-bonense. “Lemos as atividades, ele faz e nós apenas conferimos”, relata.

Por fim, Suzana afirma que o conteúdo que não foi visto pelos alunos neste ano, vai ser visto no ano que vem. “É possível pensar numa organização dos próximos anos letivos que compense os conteúdos perdidos em 2020”, ressalta. Ainda não há previsão de retorno das aulas presenciais no Estado, mas debates sobre o tema já estão acontecendo.

Desigualdade social

O sistema de aulas remotas também reacendeu discussões sobre a desigualdade social. “Não há como não enxergar a desigualdade entre o ensino público e o ensino privado”, aponta Suzana. A última pesquisa PNAD-Covid, do IBGE, mostrou que 5,8 milhões de alunos da rede pública estão sem acesso às atividades escolares durante a pandemia no país.

Segundo levantamento feito pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a maioria deles são negros, pardos e indígenas. “Tenho percebido a preocupação das mães que têm filhos em fase de alfabetização na rede pública e que não estão tendo acesso aos conteúdos. Eu entendo isso. É uma questão que foi totalmente desmascarada durante a pandemia, a desigualdade social”, destaca a pedagoga.

Maria Seroi conta que nos encontros online que passaram a ser feitos semanalmente com a professora, poucas crianças acessam a plataforma digital. “Na última aula tinha apenas meu filho e mais quatro alunos.”

A Beta Redação tentou contato por duas vezes com a Secretaria de Educação e Cultura de Campo Bom para saber se há algum tipo de monitoramento e auxílio às famílias a fim de que a presença dos alunos no ambiente digital seja maior, mas não obteve retorno.

Suzana revela que tem orientado as mães cujos filhos estão sem acesso às atividades escolares para que envolvam as crianças em situações onde a escrita esteja presente e não se angustiem. Ela afirma que o momento exige que as mães se cuidem e cuidem de seus filhos, e que a educação escolar será retomada sem prejuízos tão breve a pandemia termine e as crianças possam voltar às escolas.

Para mais dicas sobre os desafios da alfabetização durante a pandemia, confira a aula aberta ministrada pela pedagoga Suzana Moreira Pacheco:

(Vídeo: Escola de Humanidades/Unisinos)

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