Algoritmos em redes sociais criam bolhas de notícias políticas

Direcionamento de conteúdo pode influenciar na percepção das pessoas sobre temas que circulam no ambiente digital

Mariana Blauth
Redação Beta

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Acompanhar o noticiário político hoje em dia não é tarefa fácil. Além de um momento conturbado no cenário brasileiro, o país vivencia um estado de bipolarização, o que pode ser percebido por quem usa as redes sociais com regularidade. Alia-se a isso o fato de que esses espaços digitais se tornaram a principal fonte de acesso a conteúdos, inclusive os que abordam temas políticos.

É nesse cenário que estão os algoritmos, principais responsáveis pelo direcionamento do conteúdo que aparece na tela de cada usuário. Devido à importância da rede social, esses mecanismos são alvos de discussões, porque criam bolhas de informações com o mesmo viés. Assim, interferem, em algum grau, na visão que as pessoas têm do que é publicado e, consequentemente, no posicionamento político delas.

Hoje, tudo o que surge nas redes sociais e sites é baseado em algoritmos — códigos que utilizam inteligência artificial para fazer uma espécie de curadoria. Interpretando ações como compartilhamentos, curtidas, ocultações e cliques em publicações, esse mecanismo prevê quais conteúdos são mais relevantes para cada usuário.

Entretanto, o ranqueamento de conteúdos feito por algoritmos coloca em debate o filtro-bolha: as redes mostram ao indivíduo apenas ideologias que estão de acordo com sua própria visão de mundo. Na bolha, não há quase nada diferente, porque não se encaixa no interesse demonstrado pelo usuário.

Um estudo de 2015 divulgado pelo Facebook na revista Science alerta para isso. A pesquisa foi desenvolvida com base em uma análise do comportamento de 10 milhões de usuários estadunidenses, embora a amostra incluísse apenas indivíduos que declaravam posição ideológica nos perfis.

Na publicação, os cientistas da rede afirmam que, ao mesmo tempo em que os algoritmos têm potencial para colocar os usuários em contato com pontos de vista diversos, são capazes de limitar o acesso a ideias desafiadoras. Com o tempo, essa circunstância pode levar à adoção de atitudes extremistas e a percepções errôneas sobre os acontecimentos.

Nesse mecanismo, as amizades também desempenham papel importante. Segundo o estudo, os conteúdos aos quais os usuários têm acesso dependem de quem são seus amigos e o que eles compartilham. Se os indivíduos obtivessem informações por meio de fontes aleatórias, os liberais se deparariam com 45% de conteúdos duros (como as notícias políticas) desafiadores às próprias ideologias. Para os conservadores, o índice seria de 40%.

A lógica do algoritmo

Pós-doutora em algoritmos para web e professora do Instituto de Informática da UFRGS, Luciana Buriol explica que os algoritmos são sequências de passos seguidos para atingir um determinado objetivo de forma ampla. “Na vida, também seguimos algoritmos diariamente, por exemplo, quando executamos uma sequência de tarefas. Quando se trata do computador, a diferença é que nós passamos informações em uma linguagem que ele é capaz de entender. A partir disso, ele segue instruções”, aponta.

Assim, toda informação proveniente das interações entre as pessoas nas redes sociais é utilizada pela inteligência artificial. “Ela não parte de uma base vazia, mas de informações constantemente atualizadas. Cada vez que entramos na internet, deixamos um rastro, e os algoritmos se munem disso”, diz.

Ou seja, a bolha é criada a partir do comportamento do próprio usuário. De acordo com Buriol, alguém que lê sobre tudo e não se pronuncia, no sentido de curtir ou postar determinadas informações, ocupa uma posição privilegiada em relação à bolha. Como o indivíduo não nutre as mídias sociais, elas não entendem qual é seu interesse. Dessa forma, entregam uma diversidade de assuntos maior.

“Mas eu não diria às pessoas para deixarem de se manifestar. O ponto-chave é que elas precisam ter consciência de que suas interações serão percebidas e refletidas no tipo de informações que receberão na rede. Tudo o que o usuário faz é legível e integra uma estatística. Se as pessoas souberem disso, poderão decidir o que fazer”, destaca.

Para Karin Becker, professora do Instituto de Informática da UFRGS, a maioria das pessoas ainda não sabe quais dados estão cedendo e como eles afetam suas vidas. “Muitas vezes, elas não têm ideia do que é feito com os dados e, portanto, entregam o rastro de forma ingênua”, alerta.

Bolhas e fake news influenciam no posicionamento político

Para Raquel Recuero, pesquisadora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e autora de livros sobre conversação digital, a tendência é de que as pessoas interajam com conteúdos que estejam alinhados as suas percepções. Então, os algoritmos mostram principalmente esse tipo de material, mesmo que muitos assuntos diferentes sejam publicados. “Para o usuário, isso dá a impressão de que a sua ‘rede inteira’ só está falando sobre um assunto X, ou concordando com uma visão Y — quando, na verdade, é uma bolha”, salienta.

Embora não se saiba o quanto os conteúdos nos sites de redes sociais interferem no posicionamento político das pessoas, existe alguma influência. É o que afirma Recuero. Segundo a pesquisadora, isso ocorre em virtude de as pessoas informarem-se principalmente por essas ferramentas.

“Em relação às notícias de política no Brasil hoje, o que observamos é que as pessoas tendem a compartilhar apenas conteúdos que ‘concordam’ (tanto no viés quanto no texto) com o seu posicionamento político ou visão. Por conta disso, muita coisa deixa de circular, e muitas notícias circulam pela metade. Essa busca pela concordância, pelo ‘veja como estou certo’, também é um campo propício para a circulação de notícias falsas ou exageradas”, observa Recuero.

Em 2011, em uma conferência do TED, Eli Pariser falou sobre o funcionamento do “filtro-bolha”. Para o autor do livro best-seller The Filter Bubble, a falta de fluxo de informação prejudica a democracia.

Se os algoritmos formam as bolhas, é nelas que as notícias falsas ganham força. Conforme Recuero, elas são compartilhadas por robôs e circulam em grupos, porque as pessoas não diferenciam adequadamente as fake news, elaboradas por fontes duvidosas, das notícias jornalísticas. Na visão da pesquisadora, essa grande desinformação contribui para a formação de posições extremas, justamente pela presença das bolhas.

No âmbito político, discussões sobre a interferência de notícias falsas começam a surgir. No ano passado, por exemplo, durante a corrida presidencial nos Estados Unidos, o Facebook foi criticado devido ao alto índice de circulação de fake news envolvendo os candidatos ao cargo, Hillary Clinton e Donald Trump. A afirmação dos críticos é de que esse conteúdo pode ter refletido diretamente no voto popular.

Um levantamento feito pelo BuzzFeed pontuou que as notícias falsas mais repercutidas engajaram mais do que as maiores histórias reportadas por veículos tradicionais, entre eles New York Times, Washington Post e Huffington Post. A notícia falsa com mais engajamento, que afirmava que o Papa Francisco havia declarado apoio a Trump, teve 960 mil interações. Em comparação, a notícia real do Washington Post, que figura no topo, sobre a relação entre Trump e corrupção, alcançou menos: 849 mil reações.

À época, em sua página, o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, respondeu às críticas, afirmando que 99% do conteúdo visto pelos usuários na rede social é autêntico. No post, também disse que é extremamente improvável que as farsas tenham mudado a direção das eleições.

Centro da discussão, o Facebook é, atualmente, a maior rede social do mundo, com mais de dois bilhões de usuários ativos por mês. Em um contexto brasileiro, no ano passado, eram 102 milhões de pessoas conectadas à plataforma. Tamanha a proporção da rede e devido aos novos hábitos de consumo informativo, a tendência é de que reflexões como essas sejam cada vez mais frequentes.

O avanço do algoritmo

Se, hoje, já existe uma curadoria de conteúdos por meio dos algoritmos, daqui um tempo, as mudanças serão ainda maiores.

Para Buriol, há muitos avanços na tecnologia. “Se pensarmos nas últimas três décadas, voltamos a 1989, quando Tim Berners-Lee propôs a World Wide Web (www). Desde então, as pessoas têm maior fonte de informação. Já cerca de 20 anos atrás, o Google passou a otimizar o encontro de informações a partir do mecanismo de busca”, contextualiza.

Os avanços não pararam. Buriol afirma que o Facebook, criado em 2004, passou a direcionar acesso a informações e permitir que pessoas relacionadas a um mesmo assunto se conectassem de forma eficiente. Para ela, trata-se de um progresso enorme, que incentivou a dedicação a pesquisas na área.

“Hoje em dia, é possível fazer relatórios de informações massivas de maneira eficaz. Os algoritmos evoluíram muito, mais do do que os computadores”, pontua a especialista.

Na visão de Becker, os avanços foram significativos nos sentidos da personalização de conteúdo no qual o usuário pode estar interessado e até mesmo da indução do consumo de notícias. “Hoje, tecnicamente, vivemos a segunda geração da inteligência na área de negócios. Toda informação é muito centrada na web, com cruzamento de dados”, destaca a professora.

A próxima geração, segundo ela, será centrada na pessoa, a partir de dispositivos que vão além da web e que analisam os rastros deixados pelos usuários diariamente. “Será uma tecnologia que atua como anjo da guarda e uma espécie de Big Brother, antecipando situações e apontando coisas que beneficiariam o usuário. Os algoritmos são apenas uma parte da engrenagem”.

Para Buriol, os algoritmos que atualmente redirecionam conteúdos não são vilões. “Eles fazem o que alguém está programando que eles façam. As pessoas têm que decidir o que elas querem. O perfil da pessoa se reflete virtualmente. Se mesmo fora da rede ela não quer saber sobre outros pontos de vista, não tem interesse em conhece-los, não receberá uma quantidade grande daquele assunto”.

E você, já refletiu sobre seu comportamento nas redes?

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