Após cirurgias, Davi comemora a recuperação. (Foto: Graziele Iaronka/Beta Redação)

Amiga do peito

Com apenas 3 anos, Davi foi a primeira criança a sobreviver após ser submetido à oxigenação por membrana extracorpórea na Santa Casa

Graziele Iaronka
Redação Beta
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5 min readApr 2, 2019

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Correndo pelo apartamento da família vestindo uma camiseta do seu personagem da Marvel favorito, o Capitão América, ninguém diz que o pequeno Davi Donatti, 3, passou 60 dias internado no Hospital da Criança Santo Antônio. A família se emociona ao contar a história do caçula. “Ele voltou no dia 9 de março para casa. Voltou sem falar e andar. É uma conquista ver a recuperação dele”, fala orgulhoso o pai, Ildo Donatti, 69.

Os obstáculos que o pequeno Davi teve que enfrentar começaram na barriga da mãe. Durante o pré-natal, Eliane Correia, 48, descobriu, por meio de uma ecografia fetal, que o filho tinha um problema cardíaco. Uma veia não havia se formado. A partir do diagnóstico, a família, que reside na capital gaúcha, foi orientada a buscar o Hospital da Criança Santo Antônio da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

O pai conta que, ao nascer, o filho precisou ser internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde permaneceu por quatro dias. “E apenas com 60 dias de vida, o Davi precisou fazer uma cirurgia para colocar um duto no coração, devido a uma cianose ( sintoma de má oxigenação do sangue)”, explica Donatti.

Superado o desafio da primeira cirurgia, Davi se recuperou do procedimento clínico realizado durante os dois primeiros meses de vida. Cresceu e se desenvolveu. Mas, ao completar 3 anos, precisou encarar mais uma cirurgia para a troca do duto, que dessa vez trouxe complicações. “O Davi ficou nove horas na sala de cirurgia. O médico colocou o coração a bater e nada”, recorda, angustiado, o pai. Foi nesse momento que a oxigenação por membrana extracorpórea, conhecido pela sigla ECMO, salvou a vida de Davi.

O pequeno Davi sobreviveu a segunda cirurgia cardíaca, realizada em 10 de janeiro, graças à ECMO. (Foto: Eliane Correia/Arquivo pessoal)

Uma ajudante de órgãos vitais

Cada um de nós conta com um coração e dois pulmões para viver. Mas se algum dia um desses órgãos parar, como poderíamos sobreviver? É nesses momentos que a oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) pode salvar uma vida. Para entender como funciona a técnica, a pediatra e coordenadora da UTI do Hospital da Criança Santo Antônio, Claudia Ricachinevsky, exemplifica situações em que a oxigenação por membrana extracorpórea pode auxiliar.

(Arte: Graziele Iaronka/Beta Redação)

A técnica médica tem sua origem em países da América do Norte, como Estados Unidos e Canadá, e também na Europa. O procedimento pode salvar a vida tanto adultos quanto crianças, mas gera altos custos, que podem variar entre 75 mil e 85 mil reais.

Porém, para os pequenos, a ECMO pode ser ainda mais delicada e, por conta disso, se torna mais cara. “Precisamos de um material menor para poder colocar nos vasos, nas veias e nas artérias das crianças que são bem pequenas”, enfatiza Claudia. A médica pediatra também relembra que essa técnica já foi submetida a recém-nascidos e destaca que para cada criança é preciso um novo equipamento, o que encarece o procedimento.

Uma vitória de todos

O filho de Ildo e Eliane foi a sétima criança submetida ao uso de oxigenação por membrana extracorpórea no Hospital da Criança Santo Antônio. Entretanto, o menino foi o primeiro paciente pediátrico a sobreviver sem nenhuma sequela.

“O Davi tinha um problema no coração e já havia feito outros procedimentos cardíacos. Após a última cirurgia, quando ele completou 3 anos, o coração dele não batia adequadamente e não conseguia manter a circulação do sangue. Então, optamos por colocar ele na máquina de ECMO, pois tínhamos uma membrana para ele. Nesses 10 dias de tratamento, o Davi ainda passou por um procedimento de cateterismo cardíaco para termos a certeza que o coração se recuperaria por completo”, explica a médica Claudia.

Com coração recuperado, Davi pousou para a foto que servirá como lembrança do dia em que recebeu alta do hospital. (Foto: Eliane Correia/Arquivo pessoal)

O procedimento de oxigenação por membrana extracorpórea também exigiu uma série de cuidados diários com o pequeno paciente. Enquanto se recuperava no hospital, Davi foi acompanhado por especialistas de diferentes áreas, como neurologistas, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogas. Os profissionais do Hospital da Criança Santo Antônio se deslocaram até São Paulo para realizar o treinamento sobre a técnica de ECMO, uma vez que é o único estado do Brasil que realiza tal qualificação.

Já em casa, a mãe de Davi explica que depois de todo o processo de recuperação no hospital, o pequeno leva uma vida normal. Apenas a ingestão de líquidos ainda requer cuidados, sendo preciso utilizar um espessante alimentar — para deixar as bebidas mais espessas, especialmente suco de laranja, que Davi tanto gosta.

Davi, já em casa, em meio a brincadeiras e vestindo a camiseta do seu herói favorito. (Foto: Graziele Iaronka/Beta Redação)

Ao ver o menino montando um quebra cabeça na mesa de centro da sala, cantando o hino do time do coração — “colorado, colorado, nada vai nos separar” — , os pais Ildo e Eliane se emocionam com a recuperação do filho. “O Davi foi atendido por uma equipe excelente”, elogia a mãe.

Direito ao acesso à saúde

Outro desafio enfrentado pelos médicos é a garantia de possibilitar o acesso à técnica para todos. De acordo com a médica Claudia Ricachinevsky, a grande questão é conseguir a verba para o procedimento, pois pelo fato de ser caro, esse não é ressarcido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em muitos casos, é a própria instituição que arca com os custos. “Embora tenhamos feito algumas tentativas, infelizmente não conseguimos oferecer para todos os casos”, lamenta Claudia.

Todo cidadão tem direito à saúde e, para isso, existem recursos. A advogada Márcia Wingert, que atua no direito médico e da saúde, explica que em casos que envolvem crianças há duas situações: quando é SUS e quando é plano de saúde.

“Quando é um procedimento imprescindível para a saúde da criança, e não é fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é feito um pedido judicial e, às vezes, extrajudicial para que o juiz possa deferir esse bloqueio nas contas públicas do Estado para que se faça via particular”, detalha Márcia.

O bloqueio nas contas públicas para questões de saúde não é exclusivo para crianças, mas sim, para todas as pessoas. Porém, crianças e idosos possuem uma proteção maior. “É o caso de fazer o mais rápido possível. Esses pedidos são feitos com uma liminar. Existe uma competência clara para esse tipo de procedimento”, explica Márcia.

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Graziele Iaronka
Redação Beta

Estudante de Jornalismo e criadora da Costurinhas de Amor