Analistas avaliam polarização no cenário eleitoral

Cientistas políticos e historiador revisam acontecimentos recentes da democracia brasileira para explicar cenário atual

Elias Vargas
Redação Beta
4 min readSep 30, 2022

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(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Com a redemocratização, aliada à Constituição de 1988, o Brasil passou a dispor do pleito democrático e da oportunidade de escolher entre integrantes de vários partidos para representar a população. Conforme a passagem dos anos e eleições, dois partidos ganharam destaque nacional — Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Na última década, a polarização política aumentou progressivamente, sobretudo no segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), abreviado por um impeachment.

O historiador Dante Guazzelli considera que a disputa entre dois polos contrastantes entre si acompanhou a história da democracia brasileira, até que um destes se tornou, nas palavras dele, autoritário. Guazzelli afirma que, em 2013, as manifestações populares já eram indícios da insatisfação popular, que seria intensificada durante o posterior impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016. Na época, o acontecimento provocou a reação de milhões de brasileiros, que foram às ruas carregando bandeiras do Brasil e manifestando seu desagrado às políticas públicas da ex-presidente. “O ataque contra o Bolsa Família pode ter projetado Bolsonaro como um candidato naquele momento”, pondera o historiador.

O cientista político Fabiano Engelmann relembra que, durante o período, o Brasil ficou dividido entre pessoas a favor e contra o afastamento da então presidente — debate potencializado pela situação econômica do país. “É importante observar que determinadas lideranças políticas se aproveitaram do cenário de desgaste do governo para avançar o impeachment, atropelando muito o processo democrático, então isso teve consequências posteriores e fortaleceu o descompromisso com a democracia”, avalia.

Professor do Departamento de Ciência Política da UFRGS, Rodrigo Stumpf Gonzalez alega que grande parcela da população insatisfeita desconhecia a verdadeira política de Dilma. Ele argumenta que os protestos foram alimentados por uma sensação de mal-estar com a economia, somada à culpabilização do PT pelos escândalos de corrupção, através dos meios de comunicação. O professor salienta que a divisão entre apoiadores e opositores do governo Dilma “não é tão simples”. “Alguns foram contra o impeachment por sua natureza inconstitucional e abusiva, não necessariamente por defender Dilma e o próprio PT”, comenta Rodrigo.

O professor acredita ainda que a polarização foi ampliada no momento em que Lula foi impedido de tomar posse como ministro e, depois, na prisão do ex-presidente, cujas decisões processuais foram todas revertidas em 2021. Questionado sobre o impacto do impeachment de Dilma no governo, Engelmann ressalta que o contexto da Operação Lava Jato favoreceu o reacionarismo, representado politicamente por Bolsonaro, a partir de 2017.

O historiador Dante Guazzelli elucida que, apesar do impacto significativo, a situação provocou o fortalecimento e união do grupo formado pela esquerda, trazendo “momento de reavaliação e ao mesmo tempo de laços e novos projetos”.

A ascensão bolsonarista

Para o cientista político Alison Ribeiro Centeno, a escalada repentina de Bolsonaro foi uma surpresa. “Bolsonaro aproveitou o momento e as redes sociais que estavam à disposição. Então, quando começam as eleições de 2018, ele tem quase 20% das intenções de votos. É algo que nós, da Ciência Política, carecemos de explicações”, comenta.

“Bolsonaro se aproveitou do descontentamento da população com a situação do país, aliado com a proibição da candidatura do Lula”, julga o professor Gonzalez. Ele relembra o atentado sofrido pelo então candidato — a facada em Bolsonaro, que teve enorme repercussão — e afirma que este não possuiu uma causa necessariamente político-partidária. “Não há como definir se o resultado foi do clima político ou de uma situação de enfermidade mental do agressor”, comenta.

Desde então, o Brasil observou a crescente polarização política, aliada a outros episódios violentos entre eleitores, nos últimos quatro anos. “É preciso um pacto social, na qual a democracia precise estar em outros planos, além de ter uma educação de qualidade na sua base”, propõe o historiador Guazzelli.

“Certamente não haveria isso se houvessem políticas de distribuição de renda, acesso ao ensino e cultura, pois essa violência é a própria carência de alternativas no cotidiano dos indivíduos”, relata o cientista político Alison Centeno.

As desavenças e mortes por motivações políticas que assolam o Brasil figuraram também durante a corrida eleitoral, na qual Lula e Bolsonaro aparecem à frente dos outros candidatos nas intenções de votos, segundo os principais institutos de pesquisa. Para o professor Gonzalez, as mortes resultam de uma cultura que aceita a violência como solução das divergências.

“A novidade é a motivação política, mas a prática de violência no meio familiar, pelas polícias, por grupos sociais, como torcidas organizadas já existia e era tolerada. O que estamos vendo é a migração de um comportamento agressivo por conta da polarização”, salienta.

O historiador Dante alega que a polarização, em doses modestas, é comum na história do Brasil, porque isso é característico da democracia. “Todos os lados em uma disputa querem vencer a eleição, mas a questão sobre as mortes se deve ao discurso autoritário e violento”, comenta.

A polarização instalada no Brasil, que resultou em mortes por desavenças políticas, conforme Alison Centeno, pode se tornar democrática, partidária, institucional e produtiva ao país. “Temos claramente um partido trabalhista, progressista e ecológico na figura do PT, e um partido liberal na economia, conservador nos costumes e de base cristã no PL. Resta saber como as outras legendas vão se reorganizar”, diz.

Na visão do professor Rodrigo Gonzalez, a polarização está longe de terminar. “Essa polarização gerou uma identificação que é pessoal, com os candidatos, mais que com os partidos ou ideologias. Para reduzir a tensão seria necessário emergir uma nova força política que tornasse um pertencimento a algum desses membros menos relevante, o que não parece que ocorrerá logo”, conclui.

O historiador Dante teme, entretanto, que violência política possa ser normalizada. “Eu gostaria que no final das eleições a nossa democracia pudesse rearticular um pacto na sociedade, uma autocrítica em alguns setores da população, e entender que um discurso violento não é bom para a nossa democracia”, finaliza.

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