Anemia atinge 33% das crianças brasileiras
A condição prejudica o desenvolvimento, a aprendizagem e as habilidades cognitivas
escrito por Amanda Wolff e juliana peruchini
A anemia é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma condição na qual a hemoglobina do sangue está abaixo do normal. Isso significa que o seu sangue, se você estiver anêmico, não vai conseguir transportar oxigênio, prejudicando toda a assimilação de nutrientes necessários ao seu corpo.
Este quadro pode atingir qualquer pessoa nas diferentes fases da vida, mas atualmente, a anemia configura um problema de saúde pública no Brasil. Estudo sobre a Prevalência da anemia na Infância publicado em 2021, aponta que 33% das crianças brasileiras sofrem com as repercussões da anemia. A situação pode ser ainda pior, pois os dados não contabilizam óbitos, mas a pesquisa serve para chamar a atenção de que são necessárias mais políticas públicas para promover a suplementação, fortificação e acesso à alimentação saudável — um dos fatores que reduziriam o alto nível de anemia entre as crianças no país.
E esse não é o caso apenas do Brasil. De acordo com dados registrados pela OMS em 2019, 39,8% das crianças de 6 meses até 5 anos no mundo sofrem de sensações como fadiga, fraqueza, tontura, sonolência, desânimo e diminuição do apetite. Segundo a Pfizer, nas crianças a condição pode afetar o desenvolvimento, a aprendizagem e as habilidades cognitivas, além de aumentar a predisposição a novas infecções e retardar o crescimento.
O médico Marcelo Eduardo Zanella Capra, atual presidente do Departamento de Hematologia e Hemoterapia da Associação Médica do Rio Grande do Sul, aponta que 29% das pessoas no mundo que possuem anemia são gestantes e outros 40% são crianças.
Descoberta na infância que afeta a vida adulta
A relações públicas Bruna de Oliveira Soares, hoje com 26 anos, descobriu que tinha anemia no seu aniversário de 5 anos, dia em que foi internada em função da doença. Ela comenta que na época percebia que seu corpo parecia não se desenvolver como o das outras crianças da sua turma da escola, mas foi a partir de uma consulta médica que o problema passou a ser levado a sério e foi dado início ao tratamento para a anemia. A mãe de Bruna, Carla Adriana Gularte de Oliveira Soares, já havia realizado inúmeras tentativas de tentar alimentar a filha com farinha nutricional e vitaminas, mas os procedimentos não foram suficientes.
A jovem comenta que recorda de todo o caminho para o hospital no dia da internação, e que o momento a marcou para sempre. “Com 5 anos eu fiz um teste na escola e pulei a fase da pré-escola, fui direto para a primeira série, no meio das crianças de 6 anos. Com 4 eu não tinha desenvolvimento. Eu era muito magra e pequena. Lembro que tive anemia pela relação ruim com os alimentos, que também influenciou a minha vida posteriormente".
Carla Goulart complementa a percepção da filha. "Lembro que quando internaram a Bruna descobriram que ela tinha anemia e falta de açúcar no sangue. Se eu e o pai deixássemos a comida na mesa, ela não fazia esforço pra comer. Queria apenas tomar água, brincar e viver de mucilon”, relata.
“Eu não como por gostar de comer. Eu como por medo do que pode acontecer caso aquele nutriente me falte. Por isso, procurei ajuda de nutricionista, pois queria fazer um novo plano alimentar”, complementa Bruna.
Para a jovem, o processo psicológico é algo mais profundo e que necessita ser tratado, pois hoje a anemia já não atinge seu corpo, mas a relação que ela tem com os alimentos traz dificuldades para comer coisas novas. Bruna também relembra a conversa que teve com a amiga nutricionista, Larissa Reis, que lhe indicou procurar ajuda na terapia antes de praticar qualquer plano alimentar.
A conversa com a nutricionista foi o que abriu os olhos de Bruna para procurar ajuda e buscar uma boa relação com os alimentos. Ela conta que a anemia deixou marcas e traumas. “Eu vejo que o maior reflexo que eu trouxe da minha infância é a minha relação alimentar. Sei que é algo que aconteceu há vinte anos, e eu preciso mudar no dia a dia”.
De acordo com a OMS, a anemia é um indicador de má nutrição e saúde precária, podendo afetar o desempenho escolar das crianças e a redução da produtividade do trabalho em adultos. Esses fatores geram impactos sociais e econômicos para o indivíduo e a família.
A hematologista Lucia Mariano da Rocha Silla, professora titular da FAMED-UFRGS/Hospital de Clínicas de Porto Alegre, cita que os tipos de anemias infantis mais comuns são a deficiência de micronutrientes, como ocorreu com Bruna, e anemia hereditária, condição menos frequente de acordo com a médica.
Atenção para o sinal de outras doenças
A anemia é a falta de hemoglobina no sangue, que tem uma proteína que compõe os glóbulos vermelhos (ou hemácias). Esse componente é conhecido por transportar o oxigênio no sangue, que chega até os órgãos e tecidos do corpo humano. Quem tem anemia pode ter alguma disfunção no organismo ou fator externo que cause a baixa de hemoglobina. Além das proteínas, os nutrientes necessários para a produção de glóbulos vermelhos para evitar o quadro anêmico em crianças são o ferro e a vitamina B12.
“Anemia é sempre sinal de outra doença. Na grande maioria dos casos, especialmente em crianças e jovens, ela sinaliza deficiência vitamínica, por exemplo, de ferro e ácido fólico ou vitamina B12”, informa a hematologista Adriana Penna, do Centro de Pesquisa Clínica do Hospital Santa Marcelina.
Os alimentos que podem ajudar na reposição de micronutrientes para o corpo são frutas, verduras (exceto espinafre e beterraba) e carnes em geral. Os ovos também são de grande ajuda por serem ricos em micronutrientes.
A Dra. Lucia explica que o leite não consegue repor as necessidades de micronutrientes, uma vez que ele é um alimento rico em cálcio, nutriente que inibe a absorção do ferro necessário para o combate à anemia. Quando associado a achocolatados, farinhas e iogurte, entre outros, faz com que as crianças não comam os alimentos essenciais.
Assim como o leite inibe a absorção do ferro, existem outras vitaminas, como o caso da vitamina C que promove uma maior biodisponibilidade no organismo, ou seja, gera melhor absorção dos nutrientes disponíveis nesses alimentos com ferro.
A utilização da vitamina C é feita, principalmente, pelas pessoas que são vegetarianas. Uma vez que o ferro da carne é absorvido mais facilmente, enquanto aquele de origem vegetal é menos aproveitado pelo organismo, pessoas com uma dieta vegetariana exigem uma maior ingestão desses alimentos ou utilizam o recurso de combinar o consumo com outros nutrientes que potencializam a absorção de ferro.
As mais populares fontes de vitamina C são as frutas cítricas como laranja, limão e abacaxi, mas ela também está presente no morango, goiaba, mamão, acerola, melancia e tomate e em vegetais como brócolis, couve-flor, pimentão, espinafre e repolho.
Tratamentos
Para casos mais graves de anemia, Lucia explica que há necessidade de uso de medicamentos. “É necessário que a pessoa faça a utilização de ferro com medicamento por via oral, geralmente três vezes na semana, para evitar o exagero, que também pode ser prejudicial”, explica a médica.
A forma do tratamento de anemia para pacientes com falta de ferro, de acordo com Marcelo Capra, na maioria das vezes é simples. “O tratamento é feito via oral, entretanto, algumas vezes os pacientes não toleram essa reposição via medicamentos, precisando da via intravenosa”, diz o médico. “Além da intolerância gástrica que pode impedir o tratamento oral, existem outros tipos de pacientes que necessitam de intravenosa, como aqueles com anemia grave, com deficiência de absorção e/ou com deficiência funcional do ferro”, complementa o especialista.