Animais de zoológico estão há meses sem contato com visitantes

Profissionais avaliam o impacto causado no comportamento animal a partir da mudança de rotina abrupta sofrida durante pandemia

Émerson Santos
Redação Beta
6 min readOct 20, 2020

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Bugio-preto, um dos primatas do zoo de Sapucaia, espécie ameaçada de extinção. (Foto: Reprodução/Zoológico de Sapucaia do Sul)

O Parque Zoológico de Sapucaia do Sul, maior instituição do gênero no Estado, está com visitação suspensa desde 17 de março, por decretos estadual e municipal, em decorrência da pandemia da Covid-19. Há mais de 200 dias que ninguém, exceto os funcionários do próprio zoo, tem contato com os animais que lá vivem. Hoje, o espaço abriga cerca de 1,1 mil animais, de acordo com Caroline Weissheimer Gomes, médica veterinária e gestora do Parque.

A situação provoca o questionamento sobre como essas espécies e o próprio espaço foram afetados pela suspensão das visitas nesse período. “Logo no início da pandemia, com o fechamento do zoo, notamos mais animais silvestres de vida livre, como gaviões e tatus, andando durante o dia em áreas onde antes não eram comumente avistados”, revela Caroline.

Entretanto, Caroline afirma que a situação já foi normalizada, por isso descarta qualquer grande alteração comportamental. Assim pensa também o zoólogo Igor Oliveira Braga de Morais, que é gerente de Projetos Educacionais do Zoológico de Brasília. “Nossa equipe realizou um monitoramento dos animais durante o período de suspensão das visitas e não encontrou diferenças significativas”, afirma o zoólogo, que ressalta que a comparação só foi possível porque já havia um monitoramento prévio do comportamento desses animais.

A bióloga Vanessa Silva, funcionária do Zoológico de Sapucaia, revela que a parte interna do zoo não parou. “Seguimos trabalhando, todos devidamente protegidos com máscaras e evitando aglomerações”, diz. Ela também informa que os cuidados se deram principalmente com primatas, como os chimpanzés, já que existem estudos que mostram que esses animais podem, sim, contrair o novo coronavírus, porém apresentando menos sintomas e com letalidade menor.

Bióloga do Zoológico de Sapucaia, Vanessa Silva cuidando de um Tucano-de-bico-verde durante a pandemia. (Foto: Arquivo Pessoal)

E quando os zoológicos reabrirem?

O Complexo GramadoZoo, na Serra Gaúcha, retomou parte das atividades já em 15 de maio, em conformidade com os decretos municipais. O espaço, que abriga 800 animais, sendo 200 espécies da fauna brasileira, não notou comportamentos de estresse quando, depois de meses, os animais voltaram a ter contato com os visitantes. “Mesmo antes da pandemia, para evitar estresse nos animais, aplicamos a técnica de enriquecimento ambiental e atividade ocupacional”, afirma a bióloga responsável Tatiane Takahashi Nunes. “Colocamos uma enorme bola de carne para a onça se exercitar e, no momento em que ela movimenta a bola, os pedaços de carne caem. Estimulamos o exercício, o que evita comportamentos de estresse”, revela.

Onça-pintada, um dos animais que vivem no GramadoZoo. (Foto: Reprodução/GramadoZoo)

O zoólogo Igor Morais também atribui às atividades e o design do zoológico a questão do estresse animal. “É comum haver no Brasil a percepção, seja entre pessoas leigas ou até mesmo profissionais do zoo, de que os visitantes sempre exercem impacto negativo sobre os animais, de que são ‘o problema’ em um zoológico. Mas estudos mostram que esta percepção é equivocada e o assunto é muito mais complexo”, afirma.

Ele lembra dois estudos, um feito com tigres e leões no Zoológico de Atlanta, nos Estados Unidos, e outro coordenado pelo Oregon Zoo e que envolveu 55 ursos-polares e 20 instituições, em que foi demonstrado que esses animais desenvolvem comportamentos estereotipados e anormais quando têm sua visão, seja dos visitantes ou dos arredores, obstruída ou diminuída. “Há pesquisas que sugerem que os animais se beneficiam de interações controladas e planejadas com os visitantes. Mas o mais importante para os animais de zoológico é o ambiente onde vivem, se apresenta funcionalidade para atender às suas necessidades fisiológicas e comportamentais”, completa Igor.

Filhote de jaguatirica nascido no zoo de Gramado. (Foto: Reprodução/GramadoZoo)

Ainda sobre a reabertura dos portões ao público, a bióloga Tatiane informa que uma série de protocolos foi adotada para que tudo ocorra da forma mais segura possível. “Aferimos com termômetro a temperatura de todos os visitantes, tapetes sanitários, álcool em gel em todo o parque. Na entrada, há um vídeo explicando os protocolos de segurança. Além disso, isolamos os vidros e os acessos aos recintos de imersão que se faz com braço e pé”, diz. Ela ainda informa que, mesmo sendo um espaço aberto, é obrigatório o uso de máscaras. “Tudo para garantir a segurança dos visitantes, funcionários e animais”, finaliza.

O papel dos zoológicos no século XXI

“O papel dos zoológicos, hoje, é contribuir para a conservação da biodiversidade e gerar um sentimento de conexão dos visitantes com a natureza”, afirma Igor Morais, que revela ser crítico de 99,3% dos zoológicos brasileiros atualmente. Para ele, poucas instituições do país, de fato, praticam a conservação. As demais somente falam muito sobre isso, diz o zoólogo.

Ele lembra que os zoológicos surgiram no Antigo Egito, há cerca de 3 mil anos, como coleções de animais da nobreza a fim de demonstração de poder. Depois, após a Revolução Francesa, no século XVIII, surgem os zoológicos de visitação pública, os quais estamos mais habituados no Brasil. Foi somente com a fundação do Hagenbeck Zoo em 1907, na Alemanha, que os princípios de Conservação, Educação e Pesquisa foram estabelecidos. “Todas essas concepções podem ser vistas hoje no Brasil”, afirma Igor.

Iguana tomando sol enquanto a visitação segue suspensa no zoológico de Sapucaia. (Foto: Vanessa Silva)

A preocupação do zoólogo Igor cresceu ainda mais a partir de um convite que recebeu de um zoológico britânico, em 2019, para colaborar num estudo sobre bem-estar animal. “A conclusão assustadora foi que apenas um zoológico, o de Belo Horizonte, era responsável por 38% das publicações sobre o assunto na América do Sul. O resto se dividia entre somente dez zoos no continente”, revela Igor. Ele também informa que foram considerados apenas artigos publicados em periódicos que cumpriam o método científico. “Os zoológicos não podem se resumir ao ‘reabilita, solta e não sei se sobrevive’, uma prática tão comum no Brasil e que é vendida como conservação”, finaliza.

A bióloga Vanessa Silva, do Parque de Sapucaia, também entende que a conservação é um dos principais papéis dos zoológicos atualmente. “Trabalhamos com planos de conservação de espécies ameaçadas, mas a área necessita de estudos. Hoje, o zoo de Sapucaia atua na pesquisa por meio de parcerias com universidades”, afirma a bióloga.

Ela comenta que o zoológico tem um trabalho publicado, em parceria com a Unisinos, em uma importante revista científica, a Ecological Society of America. A publicação, inclusive, foi notícia no The New York Times. Além disso, ela destaca também os trabalhos de educação ambiental e recepção de animais silvestres que necessitam de atendimento veterinário, encaminhados ao parque pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado (Sema).

Bióloga Vanessa adotou a máscara para seguir cuidando dos animais do zoo durante a pandemia. (Foto: Arquivo Pessoal)

Serviço:

Parque Zoológico: BR-116, km 252 — Sapucaia do Sul/RS. Temporariamente fechado.

GramadoZoo: RS-115, km 35 — Gramado/RS. Aberto, em conformidade com decretos municipais. De quarta a domingo, das 10 às 16 horas. Valor: R$ 55,00 por pessoa, sendo que crianças de até dois anos e 11 meses não pagam.

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