Apesar de incentivo de influencers, total de eleitores jovens fica abaixo do esperado

Andressa Morais
Redação Beta
Published in
6 min readMay 12, 2022

Poucos adolescentes de 16 e 17 anos aderiram às campanhas de incentivo para votar neste ano

Especialistas opinam que o desinteresse dos jovens pode estar atrelado à falta de representatividade e de respostas por parte dos políticos. (Foto: Reprodução / Istock)

No mês de fevereiro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou um número abaixo do esperado entre os jovens de 16 e 17 com título de eleitor, que equivale a somente 13,6% dos 6 milhões de pessoas nessa faixa etária, no Brasil.

Porém, em março, um alistamento realizado pelo TSE, que foi divulgado na sessão do plenário em abril, registrou um salto de 45,63%. Segundo os dados, foram 158.947 novos documentos concedidos em março.

Ainda assim, o total de adolescentes com Título de Eleitor é 30% menor que em 2018.

Doutora em Ciência Política, Carolina Botelho acredita que a falta de interesse dos jovens no início do ano se deu por conta de muitos fatores, principalmente a pandemia.

Ela também destaca que a falta de representatividade na política pode ocasionar desinteresse. “O mundo político nos últimos anos tem, de certa forma, prejudicado alguns grupos. De uns anos pra cá, a gente começa a ver que alguns grupos não vêem a política como espaço privilegiado para colocar suas questões”, completa.

Carolina Botelho acredita que a falta de sociabilidade durante a pandemia também dificultou a inserção dos jovens na política. (Foto: Carolina Botelho/Arquivo pessoal)

As ações não foram o suficientes para convencer os adolescentes

Joana Mielke do Nascimento, de 16 anos, moradora do bairro Vila Jardim, em Porto Alegre, não tirou o título de eleitor. Diz “não ter interesse na área da política”.

Apesar da indiferença em relação ao setor público, a adolescente acredita que as campanhas do TSE, assim como a de artistas e influenciadores, são importantes para a conscientização da população, mas conta que não chegou a ver nenhuma delas.

Joana do Nascimento também não pensa em tirar o título de eleitor no ano que vem, apenas quando for obrigatório, aos 18 anos. (Foto: Joana Mielke do Nascimento/Arquivo pessoal)

Os profissionais do Instituto de Educação General Flores da Cunha, onde Joana estuda, realizaram uma palestra de incentivo e também estavam ajudando os jovens a tirarem seus documentos. Entre as entrevistadas para essa matéria, a escola dela foi a única que realizou alguma ação referente ao tema.

Assim como Joana, Thaissa Ferreira da Silva, de 16 anos, moradora da Zona Norte de Porto Alegre, não tirou o título. De acordo com ela, não efetuou o cadastro porque ocorreu um erro no site quando fez a tentativa. Ela fala que pensou em ir presencialmente, porém não conseguiu devido a falta de tempo, pois estuda de manhã e trabalha de tarde.

No primeiro contato realizado com a jovem Thaissa da Silva, que foi antes do prazo final, ela disse que tiraria o título, mas, após o prazo, comentou que não conseguiu fazer o cadastramento. (Foto: Thaissa Ferreira da Silva/Arquivo pessoal)

A jovem afirmou que a mãe, Luciane Rocha Ferreira, a incentivou, assim como as campanhas nas redes sociais. Ela relata que viu ações no Twitter, realizadas por usuários da plataforma que não são artistas ou influenciadores.

Thaissa também vê esse processo como relevante: “vale lembrar toda hora que o nosso voto pode fazer a diferença, tentar dar um jeito no nosso governo e tem muita gente que esquece ou deixa para última hora”, ressalta.

Apesar do TSE ter realizado uma campanha, a adolescente comentou que foi mais influenciada pelas ações nas redes sociais com artistas, influencers ou usuários, pois passa a maior parte do tempo no celular.

Referente a escola, ela comenta que não falam sobre o tema. “Lá parece que eles querem evitar o assunto. O máximo que já aconteceu foi uma professora perguntar se já tínhamos tirado o título de eleitor”, expõe a estudante da Escola Estadual de Ensino Médio Professor Júlio Grau.

As campanhas de influencers e artistas

Nos últimos meses, muitos influenciadores e artistas usaram suas redes sociais para incentivar a transferência ou cadastramento do título de eleitor, principalmente com mensagens voltadas para os jovens, como fez a cantora Anitta em sua conta no Twitter.

Tweet feito pela cantora Anitta em sua conta no Twitter (Imagem: Reprodução/Twitter)

Para Carolina, a união do TSE com os influencers pode ter contribuído para a conscientização. “A junção dessas duas personalidades, de uma instituição pública com esses grupos, ajudou e colocou na agenda desses jovens a importância de tirar o título de eleitor”, pontua a doutora. Ela ressalta que, por traz dessas campanhas, há muito mais do que um mero incentivo, mas também mostrou a importante ferramenta de cidadania que eles tem em mãos.

Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UNB), advogado e diretor-geral da Faculdade Republicana, Valdir Pucci também compartilha da mesma opinião.

“Eu ponho mais relevância no trabalho dos influencers do que no trabalho do próprio TSE”, diz ele sobre o processo de convencimento de trazer os adolescentes para a política.

Ele acredita que os políticos, inclusive o TSE, não falam a linguagem desse grupo e, quando tentam usar as redes sociais, acabam sendo malvistos.

Para Valdir Pucci os jovens, não apenas do Brasil, mas do mundo todo, não querem ver a política tradicional. (Foto: Carolos Gonzaga)

A importância do voto dos jovens

Ana Júlia Nascimento Wagner, de 16 anos, também moradora de Porto Alegre, tirou o título no último dia do prazo, 4 de maio. Apesar do assunto não ter sido debatido na escola onde estuda — Colégio Estadual Cândido José de Godói —, revelou que o tema aparece na conversa com amigos da mesma idade.

Ana Júlia vai na contramão e, apesar de ser influenciada por campanhas nas redes sociais, foram as difundidas por pessoas envolvidas com a política. (Foto: Kevyn Paim/Arquivo pessoal)

A estudante foi impactada pela campanha do TSE que passou na televisão, mas assim como a Thaissa também foi influenciada por ações nas redes sociais, entre elas, pelas falas do Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de São Paulo, e Manuela d’Ávila, ex-deputada estadual do Rio Grande do Sul.

“É importante votar, a gente já tá na idade de poder escolher quem vai ser o presidente e depois não adianta reclamar”, enfatiza.

Carolina destaca que não estão investindo nos jovens e que eles não são vistos, e exemplifica com a ausência de trabalho ou de educação de qualidade. “É uma geração que está sendo muito massacrada e esse voto, essa escolha, vai servir para eles tentarem mudar essa realidade”, argumenta.

Valdir relembra o comportamento das gerações anteriores referente à política. Ele explica que, desde a época da redemocratização, a sociedade teve grandes momentos de mobilização, principalmente dos jovens e destaca os mais importantes: Diretas Já, impeachment do ex-presidente Fernando Collor, a eleição do ex-presidente Luiz Inácio e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousesff.

O advogado também conta uma experiência pessoal. De acordo com ele, em 1992, a sua geração estava entrando na faixa dos 16 anos para votar e não precisou de campanha para tirar o título de eleitor. Eles estavam cientes da importância dessa ação e acreditavam que a política poderia mudar o país.

“A natureza do jovem é uma natureza de rompimento, o que é muito válido, porque a sociedade só muda ou só se transforma a partir de rompimentos gerados por crises geracionais”, destaca.

Valdir acredita que os adolescentes de hoje estão desmotivados porque viram as gerações anteriores participarem de vários movimentos para estabelecer mudanças no país, mas muitos aspectos seguem como antes. Por estarem hiperconectados, eles recebem muitas informações a todo tempo e para ele a falta de respostas sobre os problemas da sociedade brasileira agrava o desinteresse.

“O voto do jovem tem um diferencial por ser mais contestador e menos conformista, mas mais difícil de ser conquistado, mas deve expressar o mesmo de toda sociedade, ou seja, a resposta a pergunta: que sociedade queremos ser no futuro? A importância dele é que ele tem mais futuro, em anos, do que nós”, finaliza.

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