Arte indígena como expressão ancestral

Povos kaingang e guaranis mbyás veem no artesanato a oportunidade para disseminar suas culturas

Torriê Aliê
Redação Beta
5 min readApr 13, 2022

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Cores e trançados compõem a confecção dos artesanatos (Foto: Torriê Aliê/Beta Redação)

A importância do artesanato indígena se faz presente diariamente na cultura dos povos kaingang e guarani. Através da arte é que se pode preservar os saberes tradicionais que são repassados de geração para geração até os dias de hoje, fazendo com que haja uma preservação dos valores e também fortaleça o modo de vida e cultura. O professor Karai Popygua Diego, liderança indígena do povo guarani mbyá e graduando em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ressalta que o artesanato para os guaranis mbyás é a própria vida:

“Além de ser para nós uma das rendas mais importantes, é uma forma de demonstrar para as pessoas que não conhecem o artesanato indígena tudo aquilo que aprendemos, nossos conhecimentos, nossa história.”

Dos cestos, uma relação diferente com o tempo e a natureza

A professora de história, Nice Passos comenta que durante sua participação em dezembro de 2019 no curso de produção de cestas ajaká, ministrado pelas Kunãs, mulheres guaranis mbyás, sentiu que tudo deveria ser feito com muita paciência, pois, segundo Nice, existe uma cultura capitalista de estar sempre correndo. Naquele momento, ela achou que também deveria se apressar para concluir a produção dos cestos. “A temporalidade para os povos indígenas, os povos originários, é muito diferente. A relação deles com a natureza, o respeito com tudo o que eles retiram do meio-ambiente. Tudo tem um objetivo, não é uma coisa meramente comercial, embora hoje tenham uma necessidade de comercializar suas produções” explica, Nice.

Curso de confecção do ajaká (cestos) ministrado por mulheres guarnis mbyás do coletivo Kunhã Rembiapó (Foto: arquivo pessoal/ Nice Passos)

Durante o período em que esteve fazendo parte da confecção junto às mulheres guaranis mbyás, a professora de história conta que o processo foi muito além de quebrar e trançar as taquaras moles — espécie de planta que está desaparecendo das matas — , mas que pôde observar que todo o processo é uma transmissão da cultura, que tudo tem um simbolismo, uma história, uma sacralidade. “Depois que realizei o curso, passei a valorizar muito mais essa arte ancestral que é o artesanato indígena”, reitera Nice.

Mostrar a arte e garantir o sustento

Karai Popygua Diego ressalta que os artesanatos mais produzidos na aldeia são os bichinhos de madeira que são esculpidos de uma árvore específica, a pau de leite. Grande parte dos materiais utilizados para a produção são retirados da mata, como a madeira, as fibras de taquara — takua ete’i — e o cipó guembepi, utilizados em cestinhas, balaios e enfeites como tiaras, colares e pulseiras. Também são confeccionados instrumentos musicais como chocalho — mbaraka mirim — e pau de chuva, um instrumento de percussão.

Artesanato produzido por guaranis mbyás representam a fauna brasileira através de esculturas em madeira (Foto: Cleber Oliveira de Araújo/Prefeitura Municipal de NH)

Segundo dados de 2010 do IBGE, a população indígena no Rio Grande do Sul compreende aproximadamente 33 mil indígenas integrantes dos povos kaingang, guarani (guarani mbyá), charrua e xokleng. Sobre essa informação, Lauri Ribeiro, integrante da comunidade kaingang que vive hoje na Reserva Indígena Nonoai, ressalta um elo importante de união entre tantas diferenças desses povos:

“Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), nosso país tem mais de 200 tribos indígenas, que possuem utensílios diferentes, comidas, crenças, costumes, tradições e, mesmo com todas essas diferenças, existe algo em comum que é o respeito pelas nossas divisões culturais. Por exemplo, no Parque da Redenção em Porto Alegre nós temos o nosso espaço e ao lado ou bem próximo temos os guaranis mbyás, que estão comercializando a sua arte. E isso não é um problema, temos aqui diversos costumes indígenas diferentes, eles fazem um artesanato diferente do nosso.”

No Brique da Redenção em Porto Alegre, Lauri Ribeiro organiza o espaço destinado a venda do artesanato produzido (Foto: Torriê Aliê/Beta Redação)

Lauri ressalta que os kaingangs produzem por temporadas. Durante o verão, cestos não muito decorados e sem uma temática são produzidos. Já no período da Páscoa o trabalho é voltado para a decoração, utilizando madeira, palha, taquara, cipós, raízes e outros materiais obtidos em espaços públicos, sempre tendo cuidado com o que é retirado da natureza. “Além da expressão cultural, o artesanato tem um papel muito importante de suprir a necessidade financeira. Mas conta muito mais o fato de podermos desenvolver nossa arte e mostrar para as pessoas nossos conhecimentos, ainda que seja também importante para o nosso sustento”, finaliza.

Cestas para o dia a dia são produzidas, além das cestas com a temática da Páscoa (Foto: Torriê Aliê/Beta Redação)

Onde comprar artesanato guarani mbyá e kaingang

Aos domingos, a partir das 9 horas, guaranis mbyás e kaingangs expõem suas artes no Brique da Redenção, no Parque Farroupilha — Av. José Bonifácio, s/n, Porto Alegre. A doação de roupas de inverno infantis e de alimentos é bem-vinda.

Pela internet, a página Kunhã Rembiapó (Facebook: e Instagram) busca valorizar a arte ancestral e a resiliência das mulheres mbyá guarani residentes da Aldeia Cantagalo, localizada em Viamão, RS. O contato pode ser feito através das redes sociais para informações sobre os produtos comercializados.

A ÊG RÁ, loja de artesanato e cultura kaingang também está disponível no Instagram e os produtos são comercializados tanto na rede social quanto no WhatsApp: (51) 995977998, com Ivanessa Floriano ou Khey Tomas.

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