Arte é uma Palavra Feminina: Projeto Concha

Em seu segundo ano, o projeto reúne cantoras de vários estados para tocar no bar Agulha e proporciona vivências únicas para artistas locais

Tina Borba
Redação Beta

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Com Renata Simmi

Seja bem-vindx à primeira reportagem da série Arte é uma Palavra Feminina!

As mulheres não se calam. Elas podem ser descritas como objetos ou “fraquejadas”. E nos primeiros seis meses do ano a violência contra elas aumentou mais de 10% com relação ao mesmo período do ano passado. Mesmo assim, nada disso consegue parar mulheres que escolhem ignorar a estrutura social vigente e se unir, uma em favor da outra. Mulheres que se juntam para fazer arte, para ensinar arte, para expressar as suas visões perante o mundo, cantando, atuando, pintando, compondo. As mulheres sabem que são capazes, que são potentes e mais, que são imparáveis. Essa série vai ser espaço para que mulheres que protagonizam ações culturais em Porto Alegre tenham mais um local para falar e brilhar.

O Projeto Concha é um exemplo disso. Idealizado por uma mulher, produtora cultural, leonina, formada em Cinema pela PUCRS, Alice Castiel criou o projeto sozinha no ano passado. Depois de passar um tempo em São Paulo, em 2017, ouvindo cantoras que estavam estourando na cidade, como Letrux, Xênia França, Luedji Luna e Larissa Luz, a ideia brotou dentro dela. “Fui para lá, vi aquelas mulheres e fiquei chocada. Gente, como é que essas mulheres não chegam a Porto Alegre?”, indagou Alice.

No primeiro ano de projeto, 2018, Alice fez tudo com recursos próprios, contando apenas com o apoio do Agulha — espaço localizado no 4º Distrito, que na época estava abrindo na Capital — , e da Silvia, a designer que até hoje faz as artes “diferentonas” do Concha. Ela confidencia que vendeu até um carro para pagar as contas e investir na ideia e, mesmo com tudo isso, trouxe nomes que movimentaram a cidade, como a carioca Letrux, que fez dois shows completamente lotados em março do ano passado. Ela já não trabalha mais só. A Silvia continua na equipe, a Elisabeth, a Sofia, a Daniele, a Liege, a Bruna e a Lis agora a acompanham.

Artes de divulgação de alguns shows do Projeto Concha (Artes: Silvia Pont/Facebook Projeto Concha)

Para garantir mais esse ano de Concha, ela conseguiu patrocínio por meio do edital Natura Musical, com intermédio da Secretaria do Estado da Cultura. “Ele não é só para artistas, é para coletivos, para ações que envolvem música, e tem muito esse viés social. Eles procuram projetos que tenham ligação com mulheres, com público LGBTQ, com negritude, daí eu acabei escrevendo sozinha mesmo e ganhei!”, comemora Alice. A partir desse apoio, além dos shows no Agulha com artistas de vários estados brasileiros, que ocorrem mensalmente, ela organizou oficinas técnicas somente para mulheres, além de uma residência artística exclusiva para artistas mulheres da cena local.

Alice deixa bem claro que acredita na célebre frase de Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se mulher”, então são bem-vindas todas aquelas que se identificarem com o gênero feminino, trans (transexual: pessoa que não se identifica com o gênero atribuído no nascimento) ou cis (cisgênero: pessoa que se identifica com o gênero atribuído no nascimento).

Dá um play e confere o que a Alice Castiel nos falou sobre o Concha:

Alice Castiel conta detalhes sobre a criação do Projeto Concha (Captação e edição: Renata Simmi)

A próxima oficina técnica é de sonorização. Já aconteceram as oficinas de fotografia musical e luthieria. E ainda serão realizadas as oficinas de produção criativa e iluminação para shows. Alice justifica a necessidade de oficinas técnicas para mulheres como uma forma de garantir à elas maior autonomia e inserção no mercado de trabalho. O outro motivo é parte do cotidiano dela e de muitas mulheres que se relacionam com homens pouco razoáveis. “É preciso profissionalizar mais as mulheres nesses aspectos, porque se tem uma coisa que eu como produtora sofro muito é ter que conviver e lidar com alguns tipos de homens na parte técnica, que é uma coisa insuportável! Os caras sempre partem do princípio que tu não sabe nada”, pontua ela.

Um dos responsáveis por esse tipo de conduta é o patriarcado que ainda possibilita a subjugação das mulheres, física e intelectualmente. Felizmente surgem, com cada vez mais frequência, iniciativas como o Concha. “Ele abriu as portas para muitas outras mulheres em um cenário prolífico de bandas e criações masculinas”, afirma Guilherme Netto, programador, artista e curador do Agulha. Ele comemorou essa união do Concha com a casa e tem a expectativa de continuar no ano que vem. Além de a representatividade fazer parte da essência do Agulha, que tem pessoas de todos os tipos em sua equipe de trabalho, esse projeto descortinou um público em franco crescimento. “Pude descobrir e entender um público que não estava no meu radar, e mesmo artistas ótimas do Brasil todo que eu não tinha ideia que existissem”, pontua ele.

Os shows têm acontecido mensalmente no Agulha. Neste mês, o show será no dia 14, com a baiana Livia Nery. Ela é cantora, compositora e produtora, e está lançando seu primeiro álbum, “Estranha Melodia”, com ingressos antecipados por R$ 15,00. O preço é uma das preocupações da Alice, que busca garantir a democratização do acesso, facilitada pelo patrocínio da Natura Musical

Por meio do edital, também foi possível realizar a residência de 15 artistas da cena local, que está em andamento. Elas têm encontros quinzenais com orientadoras que as auxiliam a tocar seus projetos pessoais. E no dia de 30 de novembro farão a apresentação desses projetos para o grande público.

O final do ano traz com ele o fim do patrocínio e uma dúvida: há espaço e necessidade de continuar o Concha em 2020? Alice confessa que se fez a mesma pergunta. Entretanto, encontrou rapidamente a resposta. “Acredito que sim, que o Concha segue sendo necessário, é importante a gente olhar porquê tem shows de mulheres e as bandas as vezes ainda são todas de homens, olhar porquê os técnicos são todos homens, porquê quando tu fala tu te refere a um luthier e não uma luthier, nem passa pela cabeça tu chamar uma técnica mulher?”, questiona ela.

Foto 1: Maria Beraldo, em show no Agulha, 13/09/18 (Foto: Vitória Proença/Facebook Projeto Concha). Fotos 2 e 3: Thais Prado e As Aventuras em show no Agulha, 11/10/18. (Foto: Elizabeth Thiel/Facebook Projeto Concha).
Fotos 4 e 5: Larissa Luz em show no Agulha, 21/11/18 (Foto: Vinícius Angeli/Facebook Projeto Concha).
Fotos 6 e 7: Três Marias, Martinha do Coco e convidas em show no Agulha, 16/05/19 (Foto: Elizabeth Thiel/Facebook Projeto Concha). Foto 8: Alessandra Leão em show no Agulha, 12/07/19 (Foto: Elizabeth Thiel/Facebook Projeto Concha).

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Tina Borba
Redação Beta

Brand&Content Creative na LEADedu | Apresentadora e Produtora de Vídeos na Zero Vídeo | Jornalista | Poetisa